Durante os protestos na França que ocorreram na quinta-feira (16), mais de 300 indivíduos foram detidos pelas forças de segurança. Os protestos foram uma resposta à medida do governo de implementar uma reforma impopular da Previdência sem a aprovação dos deputados, usando o polêmico artigo 49.3, o que gerou uma grande onda de descontentamento entre os franceses.
Os manifestantes, que afirmam que a decisão é antidemocrática, saíram às ruas para expressar sua insatisfação.
Protestos na França
Os parlamentares protestaram com vaias e gritos durante a manobra realizada na Assembleia Nacional, enquanto as manifestações e greves contra a mudança previdenciária já ocorrem há semanas. Há quase duas semanas, a coleta de lixo em Paris foi interrompida.
Durante as manifestações, que reuniram milhares de pessoas em Paris, houve a queima de latas de lixo (que não foram coletadas devido a greves de coletores de lixo).
Na Place de La Concorde, localizada próximo da Assembleia Nacional, muitos manifestantes carregavam bandeiras de organizações sindicais e gritavam frases como “vai sair do controle” ou “a coisa vai explodir”.
Para conter a situação, a polícia utilizou gás lacrimogêneo e jatos de água, ao que os manifestantes responderam atirando pedras. Das 10.000 pessoas que se estima que estiveram presentes nos protestos, 258 foram levadas sob custódia da polícia, tendo havido resistência na tentativa das forças armadas evacuarem a praça.
Além disso, outras 24 cidades do país registraram manifestações, totalizando 52.000 manifestantes, com incidentes também tendo ocorrido em cidades como Rennes, Nantes e Lyon.
De acordo com informações do Ministério da Educação da França, mais de 40% dos professores do ensino fundamental e mais de um terço dos professores do ensino médio aderiram à greve, juntando-se a outros trabalhadores que também faltaram ao trabalho.
A SNCF, responsável pelo transporte ferroviário no país, relatou interrupções significativas em suas linhas em todo o território francês, enquanto a RATP, responsável pelo transporte público na cidade de Paris, informou através do Twitter que as linhas de metrô foram afetadas com fechamentos totais ou parciais.
Enquanto isso, o Eurostar cancelou diversos voos entre Paris e Londres, conforme anunciado em seu site, e alguns voos no aeroporto de Orly foram cancelados. Além disso, o aeroporto Charles de Gaulle reportou atrasos em decorrência da greve dos controladores de tráfego aéreo, mas nenhum voo foi cancelado.
Em adição, a CGT, uma das principais confederações sindicais da França, estimou que cerca de dois milhões de pessoas participaram de mais de 200 eventos de protesto em todo o país. A entidade ainda afirmou que a maioria dos trabalhadores das refinarias da Total Energies (TOT) aderiu à greve, interrompendo as entregas de combustíveis derivados de petróleo.
Entenda os motivos dos protestos na França
A principal razão por trás de toda a comoção no país foram as mudanças propostas na aposentadoria, que causariam um aumento da idade mínima, de 62 para 64 anos. A implementação da Reforma da Previdência sem o consentimento dos deputados, por meio do controverso artigo 49.3 da Constituição, foi um dos principais motivos que impulsionou as manifestações ocorridas na quinta-feira. O artigo em questão dá ao governo o poder de aprovar um projeto de lei sem que ele seja sancionado pela Assembleia Nacional.
Além de elevar a idade de aposentadoria para 64 anos, a proposta de reforma previdenciária também exige contribuições adicionais dos trabalhadores franceses, e ainda prevê o fim dos “regimes especiais” para profissionais do setor ferroviário e de gás, dentre outros, o que afetaria principalmente funcionários do setor público.
De acordo com uma pesquisa da Toluna Harris Interactive encomendada pela rádio RTL, cerca de dois terços dos franceses são contrários às mudanças propostas e a maioria está descontente com a decisão do governo de não submeter a medida ao voto dos parlamentares. Além disso, a pesquisa aponta que mais de 80% das pessoas estão insatisfeitas com a escolha do governo de evitar uma votação no parlamento, e 65% dos entrevistados desejam que os protestos e greves continuem.
A reforma proposta por Macron não recebeu apoio de nenhum dos lados do espectro político, com políticos tanto da direita quanto da esquerda discordando da decisão. Na opinião de um dos líderes da esquerda, Jean-Luc Mélenchon, faltava legitimidade ao projeto de lei, e a decisão de invocar o artigo 49.3 selou o destino da implementação da medida como um “fracasso espetacular”. Do outro lado do espectro político, a situação também gerou comentários negativos, com Marine Le Pen (líder da extrema direita) pontuando que a estratégia de ignorar o Congresso demonstra o “fracasso pessoal” de Macron.
Resposta da população
Na manhã de sexta-feira (17), o anel viário de Paris teve seu acesso bloqueado por meia hora por uma média de 200 manifestantes.
O governo, por sua vez, se encontra em uma situação delicada, à espera do resultado do voto de desconfiança anunciado contra o Executivo da primeira-ministra, Élisabeth Borne, que deve ocorrer na semana que vem. Caso a moção de censura seja aprovada, a reforma será derrubada.
A decisão de Emmanuel Macron em utilizar o controverso mecanismo para aprovar seu projeto foi alvo de duras críticas pela mídia francesa, que considerou a ação como um sinal de fracasso e fraqueza.
Contrariando essas opiniões, o ministro do Trabalho, Olivier Dussopt, defendeu que o uso do artigo 49.3 não deve ser interpretado como um fracasso. Além disso, o porta-voz do governo, Olivier Véran, afirmou que o governo manterá sua posição.
A previsão para os próximos dias é que manifestações continuem a ocorrer como forma de mostrar a insatisfação da população com a atitude do governo, com uma nova ação industrial nacional já tendo sido planejada para a próxima quinta-feira (23 de março).
Quem é Emmanuel Macron
Emmanuel Macron é um político francês, ex-banqueiro e economista, eleito presidente da França pela primeira vez em 2017 – competindo pelo cargo com a candidata de extrema-direita Marine Le Pen – e reeleito em 2022. Ele é membro do partido político La République En Marche!, que fundou em 2016.
Macron é considerado um candidato centrista e, embora tenha sido eleito com forte apoio da esquerda, ele tem sido criticado tanto por políticos de direita quanto de esquerda em relação às suas políticas.
Nas eleições presidenciais de 2022, Macron havia disputado a vaga do mandato como presidente da França contra Marine Le Pen mais uma vez, vencendo a corrida eleitoral novamente. Em seu discurso de vitória, o presidente reconheceu que os próximos cinco anos seriam desafiadores e que ele estaria liderando uma França dividida.
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Por Ana Lívia Menezes – Fala! UNESP