No dia 13/03/2020, a Secretaria Municipal e Estadual de Educação do estado de São Paulo anunciou o cancelamento das aulas nas redes públicas e dos eventos de qualquer natureza com acima de 500 pessoas. As instituições privadas de ensino tiveram suas particularidades, mas também seguiram as recomendações dos governadores.
A partir disso, começou a loucura e correria. Todas as metodologias e tecnologias de ensino tiveram que ser adaptadas para o sistema remoto, no qual muitos não tinham acesso e conhecimento sobre. Uma avalanche de novos portais e aplicativos soterraram os professores, que tiveram que aprender sozinhos como funcionava cada um e como adaptar essa nova realidade aos seus alunos, em um espaço restrito de tempo.
EAD: Como professores têm lidado com essa nova realidade
Para a realização dessa matéria, elaboramos uma pesquisa na plataforma Google Formulários sobre a realidade dos professores no sistema remoto que foi estabelecido, com a participação de 60 professores das mais diversas áreas que nos enviaram diversos depoimentos, majoritariamente anônimos, sobre o assunto.
Esse depoimento, dado pelo professor Rafael Stocco Trece, de Volta Redonda – RJ, reflete o sentimento inicial desses profissionais no começo da transição.
As primeiras semanas ficamos perdidos, com muitos aplicativos pra aprender, sem muitas definições. Só próximo ao início das aulas que foi definido o aplicativo que seria usado. E tivemos que aprender muito rápido. Poderia ter acontecido a decisão com antecedência para facilitar a nossa adaptação.
Dentro dos profissionais que responderam à pesquisa, 75% manifestaram que a mudança foi feita dentro do possível, e que foi o melhor que as instituições puderam fazer no momento. Mas ainda tecem árduas críticas sobre a rapidez, desorganização e a falta de planejamento de como seria esse retorno às aulas, mesmo que remotas.
Muitas instituições perderam tempo planejando retorno rápido à normalidade. Poderiam ter se organizado e mantido um calendário mais denso.
Além disso, os professores ainda sofrem com a pressão da sociedade, que os colocaram como “heróis” e “salvadores da pátria”, romantizando o papel exercido por eles e que apenas agrava a situação em que eles se encontram, na qual precisam corresponder com todas as expectativas criadas em cima do profissional, que deve ser impecável durante esse período de crise mundial.
De acordo ainda com a pesquisa, cerca de 93% dos docentes afirmaram estar trabalhando mais do que o usual, demonstrando o excesso de cargos que estão sendo atribuídos ao corpo docente, que hoje tem que assimilar os planejamentos de aula, atendimento de alunos, gravação de aulas e as tarefas domésticas que já exerciam antes, além de ter que cuidar de suas famílias e de si próprios.
As dúvidas agora não são só sobre minha disciplina, tenho que aprender a mexer com a tecnologia e ensinar meus alunos a mexerem também. Porque é tudo novo, e a novidade demanda um tempo enorme para ser decifrada! Todos estamos aprendendo! Então, apesar de termos suporte dentro do possível (a novidade é para todos), não estávamos preparados (a maioria) para isso. Fomos surpreendidos!
Porém, esse cenário de sobrecarga do trabalho se acentua quando 13% dos profissionais afirmam ter sofrido com redução de salários durante esse período de quarentena. Além do estresse já causado pelo estado de pandemia, a saúde mental dos professores é agravada pelas condições de trabalho em que estão sendo submetidos pelas instituições e pela falta de suporte do governo federal.
A justificativa para a redução de salário foi de que muitos pais do Ensino Fundamental I estão tirando as crianças da escola, por conta de uma brecha na legislação. Então, como as instituições estão tendo uma perda muito grande nesse setor, uma forma de não gerar muitas demissões seria essa redução no salário de todos os professores. Assim, houve uma redução de 50%, e o certo seria que o governo restituísse o restante. Nos inscrevemos no projeto, assinamos os papéis e eles possuem um prazo de até 30 dias para liberar, mas até agora nada.
No meio de todo esse cenário, os professores não foram os únicos prejudicados. Por conta desse novo sistema, a dinâmica de toda a família foi alterada para poder se adequar ao trabalho dos professores, com os horários específicos de gravações de aulas, a disponibilidade constante para sanar dúvida dos alunos e os planejamentos para as futuras aulas. A ansiedade e o estresse diário não é refletido e absorvido apenas pelo professor mais, agora faz parte também do cotidiano das famílias.
A rotina de filmagens mudou a rotina de toda a família, que agora não pode fazer barulho e transitar parte da casa. Além de ter a sensação que trabalho o dia todo, pois estamos disponíveis 24 horas para tirar dúvidas e orientar em atividades já que os alunos possuem novas formas de nos contatar.
Outro ponto apresentado pelo corpo docente foi a forma de como o ensino é abordado no Brasil. De acordo com eles, os professores são ensinados a dar aula de forma tradicional, com participação ativa dos alunos, quadro branco e matéria escrita.
Mesmo nos dias de hoje, com o avanço e a presença constante da tecnologia na vida dos alunos, esse modelo ainda se perpetua e foi um dos principais motivos para toda essa dificuldade de se acostumar e aprender a lidar com o universo virtual.
Se já fizéssemos uso do sistema remoto como complemento do ensino, essa angústia de professores e alunos não teria acontecido. A situação foi preciso acontecer, para então aproximar esses sujeitos de ensino remoto como complemento da aprendizagem. Essa nova transição veio como uma bomba, pois era uma nova experiência que poderia há muito tempo ser vivenciada.
Ainda há de levar em conta a situação socioeconômica de parte da população brasileira, que não possui a infraestrutura necessária para acessar e acompanhar em tempo real todas as aulas ministradas remotamente, por conta de problemas financeiros e estruturais dentro de suas próprias casas.
Não apenas os alunos, mas muitos professores ainda tiveram que investir em melhores planos de internet e em novos aparelhos para aumentar a qualidade das suas aulas on-line, como microfones, fones de ouvido e computadores novos.
Este modelo de aulas remotas num país tão desigual por si só já é um problema. Como o corpo docente em SP (estado mais rico da federação) é muito heterogêneo, teremos algumas experiências muito bem-sucedidas. Mas acredito que as dificuldades técnicas, de acesso, conhecimento e uso dos diferentes recursos serão barreiras para execução do processo de ensino e aprendizagem.
Por conta dessa transformação brusca e inusitada, na qual não houve um intervalo de tempo apropriado para capacitar todos os professores para ministrar corretamente os conteúdos nesse novo formato, mais de 70% dos que responderam a pesquisa consideram os docentes do país, que nunca haviam trabalhado nesse modelo remoto antes, como incapacitados de administrar aulas nesse novo universo.
Muitos professores não possuem as ferramentas necessárias em casa além da faculdade não ter nos preparados para uma realidade parecida com essa que enfrentamos. Ainda há a dificuldade em se expor na frente de uma câmera que nem todos conseguem, gerando inclusive ansiedade e insegurança em muitos professores.
Apesar de toda as dificuldades e empecilhos, a esperança ainda não se extinguiu. Ao perguntar para os docentes quais as previsões da profissão pra o futuro no Brasil, recebemos relatos que confirmam a crença em cenários positivos, mas que também nos mostram que a luta por valorização, respeito e direitos mais justos ainda não se encerrou.
Espera-se um planejamento para o processo formativo de professores, caso contrário, docentes com futuro que permeiam no passado – sujeitos do passado ensinando sujeitos do futuro.
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Por Anna Casiraghi e Larissa Mariano – Fala! Cásper