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Por que as medidas suecas contra a pandemia não funcionariam no Brasil?

Na quinta-feira, 14 de maio, o presidente da República foi questionado sobre as mortes que ocorrem no Brasil pela pandemia do Covid-19 em relação às mortes do país ao lado, Argentina. Jair Bolsonaro (sem partido) respondeu que tais comparações não são possíveis sem contar com a proporção às suas populações, ao invés de utilizar números absolutos.

Durante a pandemia do coronavírus, a Argentina, de população absoluta de mais de 45 milhões, sofre 8 mortes por milhão pelo Covid-19, enquanto o Brasil, com mais de duzentos milhões de habitantes, tem 74.77 mortes por milhão. Mesmo fazendo as contas da maneira que Jair Bolsonaro pediu, o Brasil segue perdendo. 

Enquanto tentava se defender mesmo sem conhecimento de fatos para basear o seu argumento, Bolsonaro também mencionou rapidamente a estratégia da Suécia, que não impôs a quarentena como seus vizinhos nórdicos e europeus. A Suécia segue ainda pior, com 360 mortes por milhão de habitantes.

Apesar das medidas que o governo sueco adotou (ou deixou de adotar), o país não parece se encontrar no limite do desespero. Políticos mais liberais de outros lugares do mundo, como o presidente brasileiro, esperam que o país passe por esse período suavemente, para provar que ações mais restritivas não são a melhor opção. No entanto, mesmo que o governo sueco não saia como “perdedor” nessa pandemia, suas providências não funcionariam em um país como o Brasil.

pandemia de coronavírus
Medidas suecas contra a pandemia não funcionariam no Brasil, entenda o motivo. | Foto: Unsplash.

Por que as medidas suecas contra a pandemia não funcionariam no Brasil?

Primeiramente, a densidade populacional do país escandinavo é ridiculamente baixa em comparação ao maior país da América Latina. A Suécia apresenta o mais alto índice em toda a Europa de lares habitados por uma só pessoa. Enquanto isso, o Brasil não só tem vinte mil vezes mais a população da Suécia em seu terreno, mas como apresenta muitas famílias, de diversas gerações, morando dentro das mesmas quatro paredes, o que facilita a disseminação do vírus.

De acordo com Paul Franks, professor de Epidemiologia Genética da Universidade de Lund (na Suécia), “países como o Brasil, que apresentam características como alta densidade populacional e outros fatores de forte impacto para os índices de mortalidade, provavelmente deveriam adotar medidas mais restritivas para a contenção do vírus. E a quarentena é uma delas”.

Em segundo lugar, a população brasileira não desfruta da plena confiança em políticos e na ciência como a população escandinava. Com tal confiança, os suecos acreditam nas recomendações do governo em permanecer em casa, se possível e, mesmo sem medidas mais rígidas, obedecem o distanciamento social. A situação brasileira não é facilitada pelo presidente, que insiste em sair do Palácio do Planalto para se encontrar com aqueles que o apoiam, presenciar manifestações contra o STF  e discutir com jornalistas – apesar de muitos de seus próximos terem o coronavírus em seus sistemas. 

Além disso, a Suécia tem políticas de assistencialismo muito fortes e, economicamente, garante um sistema de apoio de demissões de curto prazo, que consiste na permissão para empregadores reduzirem o horário de trabalho de seus funcionários em 80%, enquanto o governo cobre a maior parte dos custos dessas reduções, de modo que os trabalhadores reterão quase 90% de seus salários originais; redução temporária das contribuições para a segurança social dos trabalhadores por conta própria; mudanças temporárias nas regras de solicitação do seguro-desemprego para facilitar a qualificação para o benefício e proporcionar maior segurança financeira aos desempregados, e outros.

Enquanto isso, muitos brasileiros necessitados do auxílio de 600 reais que o Senado aprovou no final de março ainda não o receberam e enfrentam problemas bobos do sistema, como dificuldades em solicitá-lo e na liberação do dinheiro.

De qualquer modo, em uma pandemia mundial, não há vencedores. Há apenas políticas melhores para evitar um desconforto maior e, principalmente, mais mortes. Enquanto tentava criticar o sistema mais socialista de Alberto Fernández, Bolsonaro usou o exemplo errado e provou que uma organização mais estatal e medidas mais rígidas são a melhor maneira de enfrentar a crise.

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Por Domitilla Mariotti – Fala! UFRJ

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