Apesar do país estar passando por uma segunda onda de infecções pelo novo coronavírus, a primeira prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi realizada no último domingo, 17, com recorde de abstenções por parte dos participantes. Contudo, o fato de que apenas metade dos cinco milhões de inscritos realizaram a prova não foi o único grande destaque midiático relacionado ao exame. Uma das questões de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias abordou a desigualdade salarial relacionada ao gênero e acabou gerando polêmica e opiniões divergentes nas redes sociais.
Trata-se de uma questão comparativa entre os atuais maiores astros do futebol nacional: Neymar e Marta, respectivamente. O enunciado questionava o motivo dos jogadores apresentarem salários tão desiguais, mesmo jogando o mesmo esporte.
Ademais, a questão foi ainda mais ousada colocar os números lado a lado: Marta, 103 gols pela seleção e remuneração de 3,9 mil dólares por gol; Neymar, 50 gols pela seleção e remuneração de 290 mil dólares por gol. Até a data da fonte da questão, Marta tinha sido cinco vezes eleita melhor jogadora do mundo pela Fifa. Já Neymar, em uma ocasião, conquistou o terceiro lugar do mundo. Como explicar tamanha discrepância salarial?
Desigualdade salarial no futebol
A resposta é simples: o futebol, assim como a política partidária, é um meio historicamente concebido como masculino. Meninos, desde muito pequenos, sonham com a carreira de jogadores de futebol, inspirados pelos craques que, a cada gol, levam multidões de torcidas à loucura.
Estamos acostumados a ver os lances da Copa do Brasil e da Champions League em canais abertos da televisão brasileira. Compramos ingressos para ver eles jogarem. Assistimos, ouvimos e lemos o que eles têm a dizer das partidas, porque, reza a lenda, mulheres não entendem de futebol.
E, mesmo que atualmente o país esteja polarizado politicamente, o espírito patriota é capaz de unir os brasileiros no momento de torcer pela nossa seleção masculina. Não tem escapatória: jogo do Brasil na Copa do Mundo de Futebol masculino já virou tradição nacional.
Sim, o futebol até na flexão de gênero é masculino. Pela garra, pela competição acirrada, pela hostilidade. O campo é território de xingamentos, empurrões e até agressões. A mulher na sociedade patriarcal é vista como frágil, sensível, maternal. Essas características a desqualificam para a arte de suar a camisa fazendo gols. Aí está a explicação para tamanha desvalorização do futebol feminino: a baixa visibilidade é fruto de uma cultura machista que representa o esporte como masculino.
Nas redes sociais, choveram comentários que diziam ser ridículo comparar o salário dos dois. Mas acredito que o verdadeiro motivo da polêmica da questão não seja a comparação salarial entre Marta e Neymar. O que causou incômodo foram os números que mostravam que ela se destacava mais do que ele em realizações futebolísticas, o que contraria a teoria de que futebol é coisa só de homem. Marta, enquanto jogadora de futebol, não só conquistou um espaço tido como masculino, mas conseguiu realizar mais do que um homem.
Sempre que elas ocuparem os lugares eles acham ser somente deles, estarão sujeitas ao machismo, que busca desprestigiar o mérito delas. Afinal, seja no futebol, na política ou em cargos de liderança, mulheres incomodam muita gente. Mas “Martas”, ou mulheres que se destacam mais do homens, incomodam muito mais.
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Por Ludi Evelin Moreira dos Santos – Fala! UFPR