“Espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita do que eu?”. A fala marcante da Rainha Má, da fábula da Branca de Neve, durante seus instigantes diálogos com seu espelho dourado é reveladora em muitos quesitos para o corpo social. Sua única dúvida é sobre sua superioridade estética às outras mulheres do reino, com ênfase em sua beleza – aparência -, pois considera ser o quesito primordial para conquistas sociais e em relacionamentos amorosos.
Possivelmente você não pensou em analisar por outros ângulos as nossas relações pessoais com itens de beleza, em especial, os espelhos. Mas, em uma posição social como da Rainha Má, não existem questionamentos muito fortes sobre isso, já que nascida em uma realeza e em “berço de ouro” não há brecha para tais dúvidas sociais, pois visivelmente a personagem não pertence a esse contexto.
A hierarquia social interfere sem desvios na construção dos conceitos de beleza, os que são inseridos no subconsciente humano através de paradigmas sociais e culturais.
Como a hierarquia social afeta o conceito de beleza?
A narrativa com os espelhos não foge desse eixo, pois os únicos “defeitos” que são observados diante o seu próprio reflexo é de uma construção histórica de beleza, desde quando endeusavam mulheres com testas grandes, ou narizes grandes, e hoje, mulheres siliconadas com facetas. Ou com o procedimento agênero em voga: a harmonização facial.
Descartando os valores particulares dos outros, desmerecendo ou apontando características que — diante dos olhos de alguns grupos sociais — não são aceitáveis dentro dos padrões impostos em cada período histórico. Tornando-se um ciclo vicioso. A cada novidade no mundo da beleza, mais experimentos são ofertados, inovações e promessas, forçando uma reciclagem estética das mulheres.
A falta do “berço de ouro” (contém ironia) reproduz-se em inseguranças, baixa-estima — diferente do que muitos afirmam, não se relaciona apenas aos declínios de aparência, mas também à falta de confiança frente à vida profissional, acadêmica, aos relacionamentos afetivos — e, logo, em uma saúde mental desequilibrada.
Com isso, a hierarquização da beleza em comparação aos setores sociais que as pessoas estão estabilizadas recebe direta influência de seu domínio financeiro. Uma mulher periférica pobre não tem a mesma saúde mental de uma mulher com estabilidade financeira e de classe média ou alta.
Sem mesmo entrar no quesito coloração, é notório que existe um abismo entre as duas pessoas. Apenas pelo contraste financeiro. Agora, imagine uma mulher negra e, pense, quais os estigmas que sua mente ainda está pré-determinada a relacionar?
Impossível comparar as cobranças sociais existentes entre as duas pessoas. Além desse paralelo mencionado, ainda temos as possibilidades dos casos em que as mulheres negras com um poder aquisitivo maior, sentem-se racialmente inferiores e procuram procedimentos estéticos de clareamento, branqueamento da sua imagem, do seu status social. Ou encaram as insatisfações de ser pobre e não poder realizar os procedimentos estéticos que estão em voga, que prometem trazer a estimada beleza.
Inclusive, em decorrência dos procedimentos estéticos superestimados, muitos relatos de arrependimentos estão no ar. Após anos de cirurgia concluída, algumas mulheres estão procurando métodos para retirada de suas próteses de silicone. Arrependidas e incentivando uma conversa muito importante sobre as negligências em relação à durabilidade dos processos, e sobre os efeitos colaterais não mencionados com tanto empenho quanto as vantagens que os clientes procuram, e o lado financeiro do médico, com certeza.
A beleza fabricada custa caro. Custa uma vida. Repense suas decisões. Mude suas visões sobre quem você é. E, ame-se!
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Por Hellen Sacramento – Fala! UFRJ