O princípio, uma das conjecturas indispensáveis para o avanço da ciência política como disciplina autônoma hoje, está vinculado à originalidade do pensamento político de Maquiavel em uma de suas principais obras, O Príncipe.
Nessa obra, é notório o destaque que Maquiavel provoca no que diz respeito ao período da Idade Média, quebrando inúmeros bloqueios tradicionalmente religiosos e éticos ao construir todo seu pensamento político. O ilustre filósofo Maquiavel detém de um pensamento destemido para sua época sendo assim, isto influenciou de certa forma para o desenvolvimento da Ciência Política.
As ideias de Maquiavel em “O Príncipe”
Em certo período, Maquiavel começa a expor a respeito da necessidade da política se desvincular de preceitos até então defendido por grandes pensadores da Antiguidade e de Idade Média. Deste modo, houve uma maior compreensão no que diz respeito a essa intersecção entre as análises do pensamento de Maquiavel e como ele veio a influenciar na formação de uma ciência voltada ao estudo da política.
Em Maquiavel e a construção da política é bastante evidente que a política e a reflexão acima dela faz com que se constituem aspectos indissociáveis, o livro O Príncipe é a forma mais clara disto.
Maquiavel não omitiu que o livro possuía um sentido prático e imediato, declarado no último capítulo de sua obra.
Assim, pode-se dizer que a obra de Maquiavel tem contribuído para fortalecer a existência de governantes e governados como elementos básicos da política, além de direcionar de forma mais eficaz a preparar governantes e buscar conquistar a submissão dos que estão no poder.
Outra meta que pode ser encontrada na obra de Maquiavel diz respeito à necessidade de um exército limpo, composto por soldados leais e convincentes para lutar pela causa do país, para formar a soberania política. Maquiavel é o grande responsável pela concepção moderna de poder. A ele se deve também a renovação do sentido e da relação entre moral e política.
Assim, ao longo do tempo, a teoria política de Maquiavel suscitou uma série de discussões e questionamentos, principalmente porque interpretações precipitadas de seu pensamento foram feitas em diversas ocasiões.
Maquiavel sempre foi e ainda é considerado imoral e sem valor. É por isso que a viabilidade do termo maquiavélico é sempre uma preocupação. Maquiavel, fugindo do que é tradicionalmente visto como uma tendência humana natural de viver em sociedade e viver bem, enfatiza que os homens, por outro lado, estão sempre propensos à divisão e à desunião: “O principado vem do povo ou dos grandes, conforme a oportunidade que um ou outro desses partidos tenha. ”
A obra O Príncipe, precisamente neste sentido, é um reflexo do poder político que permeia o Estado. Todo Estado é constituído essencialmente por um equilíbrio de poder, baseado na dicotomia estabelecida entre o desejo de dominação e opressão, do lado do grande poder ou poder, e o desejo de liberdade, do lado relações. Maquiavel diz que a virtude consiste em compreender esse fato e determinar as ações políticas do príncipe.
O poder do príncipe
O poder que o príncipe percebeu estava diretamente relacionado ao novo modo cético com que Maquiavel via as pessoas. Nessa visão, sua concepção de poder inaugurou uma nova ética: laica, utilitarista, na qual o poder político é separado da moral cristã, pois tudo tem valor desde que o objetivo seja conquistar e manter o poder, e conquistar o apoio das pessoas.
Para Maquiavel, um príncipe não deve medir esforços nem hesitar, mesmo diante da crueldade ou do engano, se o que está em jogo é do seu povo. Assim afirmou: Claramente Maquiavel não se referia ao uso da força como um simples ato de masoquismo por parte do príncipe, um ato comprado com o sofrimento alheio. Para ele, nenhuma conquista é realizada sem o uso da violência. E o Estado não é exceção.
Violência denunciada por Maquiavel como violência política, unicamente para o bem comum. Toda e qualquer outra forma de violência que não tenha a finalidade de preservar o Estado e o bem da coletividade, mas praticada apenas por satisfação pessoal, deve ser sempre evitada, sublinha Maquiavel. A primeira forma legitima a autoridade do príncipe, a segunda, o condena perante seus súditos que não hesitarão em de movê-lo do poder na primeira oportunidade que tiverem.
Compreende-se, assim, que a força e a política são paralelas, em que esta não subsiste sem aquela. A força, assevera o autor, está em saber usar a astúcia. É por esta via que deve ser entendida a lógica da força em Maquiavel.
O pensamento político de Maquiavel nos leva à seguinte reflexão sobre a ação humana: se um indivíduo aplica inflexivelmente o código moral que rege sua vida pessoal à sua vida política, certamente colherá sucessivos fracassos, tornando-se um político incompetente.
As formas de governo
As formas de governo, afirma Maquiavel, são sempre o resultado de um conflito interno, de uma força interna que move o poder político de todo e qualquer Estado. Maquiavel define este conflito como o resultado de desejos antagônicos de dois grupos sociais distintos, os grandes e o povo.
Neste conflito o príncipe é o mediador e a solução dada por ele define o tipo de governo que rege o Estado. No capítulo IX de O Príncipe, Maquiavel fala do Principado Civil. Nele descreve a necessidade do príncipe em enfrentar o conflito de desejos entre o povo e os grandes, ou poderosos, se quiser manter o poder do Estado.
Pois, em todas as cidades, existem esses dois humores diversos que nascem daseguinte razão: o povo não quer ser comandado nem oprimido pelos grandes,enquanto os grandes desejam comandar e oprimir o povo; desses dois apetites diferentes, nasce nas cidades um destes três efeitos: principado, liberdade ou licença.
MAQUIAVEL, 2004, p. 43
O conflito entre esses dois grupos sociais é a essência da ação política em Maquiavel. A política resulta, então, da ação social a partir das divisões sociais. De todo modo encontra-se aí um paradoxo, o de que o povo deseja não ser oprimido.
No entanto, na prática não há possibilidade dele se livrar da opressão, nem do príncipe e nem dos grandes. Mas, entre ambos, é preferível o mal menor, qual seja, o de se submeter ao poder do príncipe. O desejo do povo, em virtude disso, é encontrar no príncipe um protetor de sua liberdade frente aos impulsos de dominação dos grandes. Por esta razão, o príncipe é o único capaz de manter a liberdade do povo.
A obra de Maquiavel se constitui, de fato, numa inovação para o pensamento político moderno. Esta novidade se fundamenta na distinção entre a moral individual, herdada da tradição cristã, e a ética política, laica, determinada pelas circunstâncias do real. Elucidar isso constituiu o propósito de Maquiavel ao compor O Príncipe.
Para Maquiavel, o sucesso ou o fracasso do príncipe não depende da sorte e nem suas ações de receitas prontas, como um manual a seguir. O que determina se o príncipe terá ou não sucesso são as suas ações nas circunstâncias. A virtude é a capacidade humana de controlar e de antecipar os efeitos da fortuna.
Assim, o príncipe virtuoso é aquele que sabe aproveitar a ocasião para agir corretamente e impor sua vontade nos rumos da história.
Não existem, contudo, métodos prontos e caminhos seguros para trilhar.
A interpretação do real e do concreto, do aqui e do agora, do momento presente, é o único instrumento do qual o príncipe dispõe para agir.
É este o novo que Maquiavel traz com tanta intensidade e que envolve este confronto com a sorte. É o humano que se manifesta e se sobrepõe ao determinismo. É uma redefinição do poder e da força que o fundamenta…
FERREIRA, 2006, p.185
Para WEFFORT (1989), não basta ao príncipe ser forte para governar. A força pode ajudá-lo a conquistar o poder, mas não é capaz de fazer com que ele o mantenha. Para manter o domínio e o respeito dos governados é preciso possuir virtude.
O sucesso do príncipe está atrelado à posse da virtude, o que implica numa medida política: a manutenção da conquista. Resistindo aos inimigos e aos golpes da sorte, o homem de virtude deve atrair, para si, a fama, a honra e a glória e, ao povo, a segurança.
A teoria maquiaveliana confrontava diretamente a moral cristã, pois, enquanto para esta, a política deveria se realizar em consonância com os valores morais mais elevados (virtudes), embora se soubesse que a perfeição era impossível na cidade terrestre, para Maquiavel, que herdou muito do espírito dos humanistas, a boa ação política não deveria levar em conta valores que fossem incapazes de garantir seu sucesso, mas apenas aqueles que conduzem à meta desejada, que, no caso dos príncipes, é a manutenção do Estado.
Vistas as imperfeições do ser humano, a doutrina pregada pela Igreja seria inadmissível como norteadora para o governante, ou seja, um governante guiado pelos valores cristãos poderia deixar que, frente uma possível disputa, seu governo padecesse em favor da paz.
Pois ao povo importa a estabilidade política, que só pode ser dá pelo príncipe virtuoso, independentemente dos meios que ele utilize. Por essa razão, mantendo a estabilidade política, que em última instância depende da estabilidade social, ou seja, de como se resolve o conflito de interesses entre os grandes e o povo, o príncipe mantém também a estabilidade do Estado.
Dessa forma, para Maquiavel, é na relação entre moral e política, da política que carrega em si um conjunto de valores diferentes daqueles da moral cristã, que se deve buscar a formação do Estado e do governante. Este passou a ter uma finalidade diferente daquela dos períodos precedentes, passando a ver a manutenção de um Estado forte – frente às instabilidades internas e externas – como objetivo máximo para o príncipe, sobrepondo o Estado frente ao indivíduo isoladamente considerado.
Enfim, foi sob este signo, o de aparente distanciamento entre ética e política que nasceu a Filosofia Política moderna e da qual Maquiavel é um dos patronos.
Portanto, Maquiavel deixou a perspectiva da ética dos gregos e a moral cristã, ao considerar que na política o que se busca é sempre um resultado concreto, fazendo o que se imagina que deve fazer, a fim de que aconteça o que se almeja, uma vez que a finalidade maior da política é a sobrevivência de um grupo como um todo, e não do indivíduo.
____________________________
Por Maryá Bernardes – Fala! Centro Universitário da Serra Gaúcha