Entenda a relação entre o construtivismo russo e o cinema para a Revolução
Vladimir Maiakóviski, grande poeta do século XX, dizia que “sem forma revolucionária, não há arte revolucionária”, o que se enquadra perfeitamente ao período histórico em que viveu, durante a Revolução de 1917, na Rússia, onde o clima era de transformação e renovação.
Nesse período, alguns artistas acreditavam que a arte deveria acompanhar as mudanças revolucionárias que se davam no país. Segundo Erika Zerwes, doutora em história pela Unicamp:
A Rússia foi um dos primeiros lugares a abraçar a arte moderna e esta arte realmente acreditava que poderia mudar o mundo. Estes artistas achavam que a estética e a arte teriam um efeito tal, que poderiam transformar o observador e, por sua vez, o mundo.
Essa estética se deu nos movimentos vanguardistas russos, no qual havia grandes divergências entre os próprios artistas sobre como deveriam fazer arte naquele período, dessa forma, as correntes que mais se destacaram foram o construtivismo e o suprematismo.
O construtivismo, por sua vez, teve um forte impacto sobre as produções cinematográficas da época, principalmente após a Revolução, na qual influenciou diretamente o cinema russo. Apesar da força que as vanguardas ganharam no início da União Soviética, com a tomada de poder de Josef Stalin, em 1927, a Rússia ficou à frente de seu declínio artístico, estético e político.
O movimento de vanguarda e o construtivismo russo no cinema
A partir de 1907, a Rússia entrou em um processo de mudanças desenvolvimentistas, passando a se configurar nos moldes industriais e essa transformação impactou a arte cinematográfica diretamente. Nessa época o primeiro estúdio de cinema do país foi aberto pelo fotógrafo Aleksandr Drankov, e três anos depois, já eram quinze empresas fotográficas que atuavam por lá, segundo o autor Celso Sabadin em A História do Cinema para quem tem pressa.
Embora o regime absolutista da época impedisse a retratação da crise pela qual passava o país, houve inovações estéticas nas artes visuais, como o chamado stop motion – efeito de animação quadro a quadro – que surgiu com Wladyslaw Starewicz, pioneiro nessa técnica. Com a derrubada do czar, Nicolau II, após a Revolução, o paradigma econômico, social e artístico se altera completamente e essas inovações ganham força. O cinema russo passa a se chamar soviético com a entrada de Lenin no poder e as vanguardas surgem com propostas ousadas de mudança.
O estilo construtivista é inaugurado pelas vanguardas e pretendia usar dos recursos narrativos inovadores do cinema para reafirmar a sociedade soviética pela arte. Para a intelectualidade, o construtivismo representava o meio onde o artista estava imerso, com toda dinâmica que se instaurou pelas associações entre o proletário e a produção, a força humana e a máquina, a cidade e a indústria. Realidade que estava nítida na Rússia, pelos ânimos da revolução e pelo contexto de guerra, pelo qual passava todo o mundo.
Mas, ainda que nessa onda revolucionária, o cinema se inclinava a uma propaganda de governo, afinal, Lenin considerava a arte em questão importante para esse viés, o que o fez colocar em prática medidas de incentivo. Com esses novos investimentos a vanguarda encontrou solo fértil para as experimentações, como o “Efeito Kuleshov” realizado pelo cineasta Lev Kuleshov.
A montagem – técnica que explora cortes, justaposição e reconfigurações – foi cada vez mais empregada, como no filme Um homem com uma câmera, lançado por Dziga Vertov, importante figura construtivista. É possível que a atitude vanguardista de Vertov, talvez mais do que sua cinematografia ou suas ideias sobre cinema-verdade, tenha influenciado seus contemporâneos realizadores e artistas quanto à necessidade de manter a arte sob uma tensão libertária permanente, segundo o artigo Cinema e Arte Russa, de Ronaldo Rosa Reis.
Dentre eles, Sergei Eisenstein, Lev Kuleshov, Boris Barnet, Leonid Trauberg e Grigori Kozintsev se destacaram e acreditavam que a linha entusiasta da revolução deveria ser mantida, o que os faziam contrários às estéticas burguesas de arte pela arte.
Filmes do Construtivismo que marcaram a estética
Em entrevista com Carlos Magno Mendonça, professor de Criação Visual da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ele explica à equipe de redação que, como a população ainda estava em clima de êxtase da recente revolução de 1917, a vida cotidiana estava muito ligada à vida política e os artistas passaram a utilizar a arte, incluindo o cinema, como processo de politização e esclarecimento da população.
O que deixa de ser apenas um meio de entretenimento e passa a explorar possibilidades estéticas com forte influência da última fase do cubismo: o máximo de expressão com o mínimo de elementos.
Kino-Glaz
Com a realização do que Vertov chamava de Kino-Glaz (Cinema-olho), o cotidiano passou a ser palco onde se erguia os acontecimentos e consequentemente esse cotidiano passou a integrar o roteiro das produções. Dessa forma, o filme foi um dos precursores no cinema do Construtivismo Russo.
Este documentário promove a vida e as atividades de um “soviete”, jovens pioneiros socialistas. Estas crianças são mostradas constantemente ocupadas, pregando pôsteres nos muros, distribuindo panfletos, enfim, ajudando na propaganda política da revolução.
Ainda de acordo com o professor Carlos, devido a essa forte ligação com a vida política, Lenin viu o cinema como uma produção massiva de propaganda do governo e que ele poderia levar sua mensagem às classes trabalhadoras de maneira muito mais fácil. Portanto, as produções cinematográficas floresceram e se expandiram sob investimento do regime bolchevique.
A ideia de ensino acadêmico e a ampliação de um exercício pedagógico para além dos espaços formais de educação era extremamente favorável, e o cinema passou a ser esse lugar de pedagogia dos corpos.
A Greve (1924)
Sergei Eisenstein, diretor do filme A Greve, filmou os bastidores de uma greve de operários, em Moscou, mostrando como ocorreu a organização grevista, desde as origens das queixas dos trabalhadores até o levante nas ruas.
O filme mostra a união dos trabalhadores que lutam contra a exploração e as injustiças em uma fábrica, após o suicídio de um operário, que foi injustamente acusado de cometer um roubo. Filmado em 1924, 7 anos após as manifestações de outubro de 1917, o filme manifestava um caráter leninista que pode ser observado pela epígrafe de Lenin no filme.
Eisenstein revelou a divisão social do trabalho moderno, o conflito e a organização de classes, mostrando a relação entre capital e trabalho.
O filme A Greve é dividido em seis partes: 1) o cotidiano dos trabalhadores na fábrica; 2) o nascimento das reivindicações; 3) a articulação das manifestações; 4) a repressão policial e do governo; 5) o enfrentamento nas ruas; 6) as soluções para o conflito.
Encouraçado Potemkin (1925)
O filme é dividido em cinco atos, cada um com um objetivo diferente para compor a obra. Esses atos, por meio de metáforas, dialogam entre si, e criam o tema da obra, que está acerca da fraternidade revolucionária, que mostra o coletivo unindo-se contra a exploração no navio Potemkin, em 1905.
No que se refere às metáforas, na cena inicial do filme, as ondas violentas batendo em um quebra-mar representava a fúria do mar, uma personificação da raiva e da revolta.
Ao longo da obra, destacam-se cenas que possuem um apelo emocional marcante que deram origem a cenas imortalizadas como a sequência da escadaria, com o tiro no olho da mulher e o carrinho de bebê descendo a escadaria desamparado. O professor Carlos nos lembra que essa dramaticidade marcada vem de uma formação variada, como a experiência com a escola teatral, e entre eles o Kabuki japonês, para estudar os movimentos corporais.
Toda essa experiência é posta em prática por meio do uso estratégico do corte cinematográfico e da câmera, que acentuam a emoção e a dramaticidade. Nesse filme, Sergei Eisenstein aprimorou as técnicas de cinema que aplicou em A Greve, e chama atenção pelo uso sistemático de efeitos que provocam sentimentos, e aproveita-os na construção da matéria, visual e plástica, da política das manifestações.
O declínio da vanguarda e do construtivismo sob a tomada do poder de Stalin
Influenciados pela esperança e promessa de modernidade trazida pela Revolução, a cultura na década anterior ao domínio de Stalin possuía fortes ideais de quebra com o padrão tradicional e clássico. Acreditava-se que a arte deveria ser útil e acessível, criada pelo próprio povo e afastando por completo a arte elitista.
Posicionamentos políticos (predominantemente esquerdistas) e emoções subjetivas de diversas áreas eram comuns nesse tipo de expressão. Após alguns anos em destaque, essa estética foi perdendo relevância e sofrendo retaliações de grupos opositores, mas sua repressão mais explícita ocorreu apenas após a tomada de poder por Stalin.
A consolidação do governo de Stalin impactou de forma significativa nos padrões culturais vigentes. Seu regime rejeitava as formas racionais, subversivas e românticas, desenvolvidas pelos movimentos de vanguarda e pelo construtivismo russo, e buscava propagar o Realismo Socialista, estilo artístico determinado pela disciplina rígida, mas também pela abordagem de temas delimitados, como, por exemplo, o estímulo do trabalho, o triunfo do socialismo e a felicidade dos camponeses e operários.
Em 1932, foi instaurada uma resolução do Comitê Central que decretou o fim das organizações independentes de escritores e artistas, o que resultou no isolamento dos indivíduos pertencentes a essas classes, bem como na perda dos conflitos e debates recorrentes no período vanguardista.
Nesse sentido, durante o regime totalitário, a cultura e arte passaram a assumir o papel de transmitir para a população a ideia de um estado de normalidade social, marcado pela retomada das tradições anteriores ao período revolucionário e pela constituição do Realismo Socialista como o modelo ideal a ser propagado.
Fato é que a cultura Stalinista era extremamente contraditória, pois retratava a liberdade enquanto vivia uma privação dela, pregava modernidade enquanto o governo valorizava ao máximo o tradicional, afirmava a igualdade enquanto a desigualdade social no país só crescia. A estética retratava o futuro enquanto o país voltava a dialogar com o passado.
O Realismo Socialista, mais do que tudo, era uma doutrina política disfarçada de expressão, e de tão bem articulada politicamente para parecer que essa era apenas a vontade do povo, o Construtivismo Russo submergiu completamente.
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Por Beatriz Oliveira Abrahão, Melissa Souza, Isabella Caroline, Isabella Veloso, Izabella Caixeta e Izabella Oliveira – Fala! UFMG