Não é de hoje que o futebol feminino brasileiro busca seu espaço. Ao longo dos últimos anos, principalmente em 2019, o mesmo obteve maior visibilidade, o que é positivo. Porém, ainda há muito a ser feito para sua consolidação. O papo é antigo e parece repetitivo, mas a modalidade possui problemas estruturais e precisa de maior atenção e cuidado. Em tempos de pandemia e com as competições paralisadas, as dificuldades podem ser agravadas e modo como os clubes e autoridades, dentre elas a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), vêm se posicionando diante desse cenário de crise, será determinante para o futuro do futebol feminino.
Desde sua criação, o futebol foi idealizado como um esporte para homens. Por 40 anos, a prática feminina foi proibida pelo Conselho Nacional de Desportos. Em 1979, a ordem de proibição foi revogada, mas somente em 1983 houve a regulamentação da modalidade. Esse atraso afetou diretamente o desenvolvimento do futebol feminino no Brasil, que ainda é muito desamparado.
Esse desamparo, em meio a uma pandemia, pode vir a ser piorado. Além da importância em cuidar da saúde, o aspecto financeiro é um fator que preocupa. Averiguar o que tem sido feito para que as equipes não percam patrocinadores, não atrase os salários, nem dispense suas atletas e tampouco fechem as portas, é crucial.
A CBF, os clubes e as finanças
Em abril, a CBF divulgou medidas de apoio financeiro aos clubes e Federações. À cada equipe que disputa a Série A1 do Campeonato Brasileiro, foi atribuído R$120 mil e para cada uma das equipes que disputam a Série A2, o auxílio foi de R$50 mil. No total, foi destinado R$3.720.000.
A ajuda é importante para a manutenção dos times, já que os campeonatos estão paralisados. Ainda assim, a adoção dessas medidas não impediu a ocorrência de alguns problemas, como o repasse do dinheiro para outros setores (até o último mês, a CBF não havia exigido que os clubes prestassem contas de como usariam a verba), salários reduzidos, pagamentos atrasados e dispensas.
O Sport recebeu o auxílio de R$50 mil para a equipe feminina, porém, utilizou apenas R$10 mil com a modalidade, e o restante do dinheiro teria sido destinado às despesas de outros setores. Equipes como Internacional, Grêmio, Corinthians e Ponte Preta reduziram os salários de seus funcionários em 25%.
Um dos clubes que vem atrasando os salários das jogadoras é o Vitória, da Bahia, mesmo após o recebimento do auxílio. Recentemente, jogadoras da equipe denunciaram o atraso do pagamento da ajuda de custo. A Ponte, além da redução, demitiu oito atletas de seu elenco. O Atlético-MG também dispensou algumas de suas atletas, cinco no total.
Cada clube vem dando seu jeito para cortar os gastos e se manter em meio à crise do novo coronavírus. Por ser um produto pouco investido e considerado menos atrativo e lucrativo no Brasil, comparado ao futebol masculino, a modalidade feminina, infelizmente, acaba se tornando uma das primeiras na mira de cortes financeiros, em grande parte dos clubes. O Bahia agiu de forma diferente.
O Tricolor Baiano dá um show quando o assunto é representatividade e isso é indiscutível. Muito ativo nas abordagens de causas sociais, a atitude do Clube, mais uma vez, serve de exemplo para os demais. Recentemente, em entrevista concedida a Rádio Metrópole, o presidente Guilherme Bellintani relatou que a diretoria blindou a equipe feminina da redução salarial por entender que há uma inferioridade do teto salarial das atletas em relação ao futebol masculino.
Entender a existência da desigualdade entre a modalidade masculina e feminina é primordial para a busca de maior igualdade e consolidação do futebol feminino. Felizmente, hoje, já existem mais pessoas dispostas a entenderem isso. A modalidade vem crescendo e as autoridades, a imprensa e as equipes possuem um papel fundamental de conscientização. No caso dos times, promover a aproximação entre seus torcedores e as equipes femininas, pode ser um caminho. Alguns clubes, como Grêmio e Atlético-MG, vêm exercendo alternativas para essa proximidade em tempos de distanciamento.
No dia 13 de março, no início do isolamento social, foi ao ar o primeiro episódio da série Elas voltaram para ficar, disponível na página do Facebook do Grêmio. Com 11 episódios, a primeira temporada da série retrata a retomada do futebol feminino do clube, em 2017, e o caminho percorrido pelas Gurias Gremistas até a Série A1 do Campeonato Brasileiro.
As atividades da equipe feminina do Atlético-MG encontram-se paralisadas desde do dia 17 de março, devido à pandemia. Sob orientação do preparador físico Guilherme Acácio, as jogadoras estão treinando em casa. As atletas também vêm participando das lives realizadas pela TV Galo, o que é positivo para estabelecer o contato da torcida com o futebol feminino.
#JogaJuntoFF
Durante esse período, diversas jogadoras do futebol brasileiro têm se mobilizado para uma campanha de combate ao Covid-19, arrecadando recursos para o SUS. É a campanha #JogaJuntoFF. Junto à elas, também estão participando as atletas do futsal.
As doações podem ser feitas por meio da Vakinha e do PicPay, e as camisas dos clubes estão sendo sorteadas para quem contribuir. Mais informações sobre a campanha estão disponíveis nos perfis do Instagram e Twitter.
De olho no futuro
Sem data prevista para o retorno das competições, o futuro do futebol feminino brasileiro é incerto. Como relatado, alguns clubes estão tendo muitas dificuldades em arcar com seus compromissos e não se sabe até quando os mesmos conseguirão manter suas equipes.
Enquanto isso, as jogadoras seguem longe dos gramados, sem saberem se amanhã receberão seus salários ou continuarão empregadas. São algumas das muitas incertezas. Em meio a uma pandemia, o futuro é desconhecido para todos nós. Para diversas pessoas, dentre elas as atletas do futebol feminino, sempre foi. Junto à esperança, existe a preocupação.
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Por Mariana Carolina da Silva – Fala! UFMG