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Mulheres no comando ainda são minoria no futebol feminino

No domingo do dia 23 de junho, a jornada da seleção brasileira na Copa do Mundo encerrou-se após uma derrota por 2 a 1 contra a França. As donas da casa executaram um futebol bastante técnico e de alta qualidade, e o Brasil foi um adversário à altura, levando o jogo para a prorrogação, quando as francesas marcaram seu segundo gol. Embora as brasileiras contassem com jogadoras de destaque – inclusive a melhor do mundo, Marta – a seleção francesa desempenhou um trabalho em equipe melhor e mais equilibrado.

A partida levantou mais uma onda de críticas contra o técnico Vadão, treinador da equipe desde 2017, quando substituiu Emily Lima no comando da seleção. Nesse contexto, o fato de o time francês ser comandado por uma mulher, a técnica Corinne Diacre, não passou batido. 

As mulheres são minoria no comando de equipes femininas nos esportes de uma forma geral, e no futebol não é diferente. Mesmo assim, aquelas que chegam lá se destacam em âmbito mundial. Muitas das seleções favoritas ao título têm mulheres como treinadoras. É o caso dos Estados Unidos, da Alemanha e da própria França. Dentre as 24 seleções que estiveram na fase de grupos desta Copa, apenas 9 são, atualmente, treinadas por mulheres. Dentre essas, 6 equipes participaram das oitavas de final e 5 estão classificadas para as quartas. 

Se as técnicas já provaram em diversas situações que têm sim habilidade e podem levar as equipes femininas à vitórias extraordinárias, então por que os homens ainda são maioria nesse meio? Luana Coutinho, estudante de psicologia, joga futebol desde pequena e opina sobre o assunto. “Acho que o machismo ainda está muito presente e, por isso, acreditam que um homem teria mais capacidade e visão de jogo que uma mulher para comandar e treinar uma seleção”.

Ela acredita que um comando feminino pode trazer mais união e entrosamento, o que às vezes se relaciona com o desempenho do time. Nathali Nilo joga na atlética de sua faculdade e confirma: “Quando fui treinada por uma mulher me senti muito mais confortável em me expressar e também me senti inspirada em ver uma mulher ensinando técnicas de um ‘jogo de homens’, mostrando que mulher sabe liderar e sabe jogar futebol”. 

Ao longo da história, o futebol feminino foi muito tratado como tabu e, até mesmo, passou por períodos de proibição no Brasil e em outros países. Assim, desconstruir a ideia de que esse é um esporte totalmente masculino pode ser um trabalho árduo.

“A verdade é que as mulheres sempre foram deixadas de lado e até proibidas de se envolver com o futebol, então há um caminho a percorrer para ter a mesma experiência, mas elas têm a mesma capacidade e, com certeza, podem ser, e são, tão boas quanto os homens”, diz Luana.

A técnica Emily Lima durante sua rápida passagem pela seleção brasileira. [Imagem: Lucas Figueiredo/CBF]

Histórico Canarinho

A fala de Luana conversa muito com a história recente da seleção brasileira. Após quase 30 anos de amarelinha, foi contratada a primeira treinadora de sua história: Emily Lima, que pouco durou no cargo. 

O histórico vencedor na categoria, incluindo vice-campeonato da Copa do Brasil (2016) e Campeonato Paulista (2015), além da experiência como treinadora do Brasil sub-17, foram determinantes para o reconhecimento de seu trabalho pela CBF. No entanto, não foram suficientes para mantê-la por mais de dez meses. Foi a única ocupante da posição sem completar 1 ano de trabalho.

Na época, a atacante veterana Cristiane opinou em suas redes sociais: “Simplesmente tiraram essa comissão em pouquíssimo tempo, todas as atletas estavam gostando. Sem entender. Todas as outras que passaram tiveram muito tempo de trabalho, um ciclo grande. E essa não teve esse tempo de trabalho. Só porque era mulher?”.

Pouco antes da Copa do Mundo deste ano, Emily afirmou que agora tem certeza de que sua demissão tem relação com o fato de ser mulher. Para isso, compara seu histórico com o do atual técnico Vadão: enquanto ela reuniu 7 vitórias, 5 derrotas e 1 empate em toda a passagem, só nos dez jogos anteriores ao torneio ele acumulou nove derrotas.

Na mesma entrevista, a ex-jogadora não escondeu a vontade de sair do mercado brasileiro: “Se eu não tenho espaço aqui, vou procurar onde tenha […] Eu preciso ir para onde as pessoas me deixam trabalhar”. Atualmente, ela é treinadora do Santos FC e, em 2018, foi campeã do Campeonato Paulista e vice da Libertadores.

Ao analisar o retrospecto dos contratados para a seleção, muitos possuem currículo questionável, até mesmo no futebol masculino. Vadão teve seu melhor trabalho nos anos 80 comandando o Mogi Mirim, e alguns de seus títulos mais relevantes incluem um Torneio Rio-São Paulo, um Campeonato Paranaense e um Catarinense; René Simões é conhecido por ter levado a seleção jamaicana masculina à Copa de 1998; Zé Duarte, o primeiro técnico da amarelinha em 95, é notório por dois Vice-campeonato Paulista em 1977 e 79 pela Ponte Preta. Esses mesmos técnicos não possuíam trabalho prévio algum com a modalidade feminina.

O questionamento é justamente a consideração da CBF pelo futebol das mulheres e pela seleção. Difícil imaginar técnicos com tal histórico na seleção masculina.

Entretanto, não é apenas na seleção que se evidencia a pouca presença de mulheres no treinamento de equipes femininas. Avaliando o Campeonato Brasileiro Feminino, somente oito dos 52 times que disputam as séries A e B têm uma treinadora.

Essa situação desagrada muitas mulheres envolvidas com o meio, que acreditam ser de extrema importância a participação feminina no treinamento dos times. Luana é uma delas: “Isso traz representatividade tanto para as jogadoras quanto para as meninas que têm vontade de ser técnicas e não têm incentivo nenhum para isso”.

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Por Gabriella Sales e Pedro Lobo – Jornalismo Jr. ECA USP

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