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O descaso dos dirigentes com os times femininos de futebol

Clubes femininos recebem repasse da CBF para pagar atletas, mas dirigentes se recusam e usam o valor para outras despesas

O futebol feminino sempre foi tratado de forma amadora no Brasil e a pandemia causada pelo novo coronavírus deixou isso ainda mais evidente. Como a melhor medida para conter a proliferação do vírus é o isolamento social, as partidas de futebol foram suspensas por tempo indeterminado. Sendo assim, os clubes receberam uma ajuda de custo da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

A CBF disponibilizou 3,7 milhões na primeira quinzena de abril aos 52 clubes das Séries A1 e A2 do Campeonato Brasileiro feminino. Mas não exigiu nenhum posicionamento dos clubes, não impôs nenhuma medida e nem fiscalizou para onde os valores seriam destinados.

Com essa flexibilização, alguns clubes propuseram para as atletas que as mesmas recebessem entre 300 a 500 reais e o restante do valor recebido pela CBF seria destinado à manutenção do clube e materiais esportivos. Algumas atletas se opuseram e foram atrás dos seus direitos, outras ficaram com medo de serem dispensadas e não se manifestaram.

futebol feminino na pandemia
Jogadoras do Santos Dumont. | Foto: Lígia Montalvão/arquivo pessoal.

Veja, a seguir, o depoimento de algumas atletas sobre essa situação que estão passando.

Atletas relatam sobre a pandemia

Lígia Montalvão – Atacante/ Meia atacante – ex-Santos Dumont

A Lígia foi fundamental nesse momento, a jogadora foi a responsável por fazer um vídeo, publicado no Instagram (@diario.ffeminino), denunciando o presidente do Santos Dumont, que se recusava a repassar para as atletas o auxílio enviado pela CBF por ir atrás dos direitos das atletas nesse momento. Ela teve a coragem de “dar a cara a tapa” para ajudar suas colegas de profissão sem ter medo de que seu posicionamento a prejudicasse.

https://www.instagram.com/p/B_I88YyHu7M/
Vídeo postado Lígia Montalvão. | Reprodução/Instagram.

Nunca tive receio disso, até porque sempre me posicionei muito corretamente em busca da verdade e do direito das atletas. Isso nunca foi uma preocupação porque eu sabia que estava lutando em prol do futebol feminino. Mas eu tinha plena convicção que isso poderia ser recebido de forma positiva ou negativa. Graças a Deus foi recebido de forma positiva por todos. Após a reclamação, tivemos um resultado positivo diante da CBF, a entidade sempre se mostrou disposta a resolver o problema. Tive uma conversa bem franca com um dos membros e acredito que obtive um resultado positivo para a atual situação.

“A forma que o recurso foi enviado ficou sem entendimento por parte de muitos clubes. Por exemplo, muitos se aproveitaram dessa situação para usar esse valor em outra forma, porque a CBF não explica como deve ser usado. No nosso clube, por exemplo, 40% do valor ficou com o presidente para, segundo ele, ser usado na manutenção do clube, mas, nessa parte, já não tenho conhecimento se será feito isso.”, conta.

Em relação aos treinamentos, ela afirmou que não estão recebendo nenhum auxílio profissional para manter os treinamentos em casa.

“Não estamos recebendo nenhum auxílio profissional para manter os treinamentos em casa. Desde o início da pandemia, não recebemos nenhum suporte, eu que faço treinamentos por conta própria e envio no grupo para motivar as atletas. Por parte do clube, nunca existiu isso. Não existe nem contato do clube com as atletas. Não tem data prevista para retorno dos treinamentos, nenhuma atleta tem contato com o presidente desde que parou com a pandemia. Ele só se prenunciou pela assessoria jurídica dele para falar sobre o pagamento no início de maio e eu fiquei sabendo recentemente que ele está montando um novo elenco, chamou um novo treinador e esse novo treinador está chamando algumas atletas do elenco antigo com a condição de que eu não volte para o clube. Eu não posso jogar, ele não quer mais que eu jogue porque eu cobrei meus direitos, porque lutei pelo salário das meninas”.

Karen Gabriely – Meia/Volante – ex-União Desportiva Alagoana

Sobre o salário e o valor repassado para a CBF, Karen informou que nunca recebeu.

Na verdade, eu nunca recebi salário, só recebia ajuda de custo e não sei o destino do dinheiro que a CBF repassou para o time. O presidente pediu o número na minha conta e depositou R$250, mas não entendi o porquê do valor, sendo que já tínhamos jogado o primeiro jogo em Salvador. Poucos dias depois, fiquei sabendo que a CBF tinha repassado um valor de R$50 mil para o clube.

Três dias depois, ele entrou em contato comigo perguntando se eu achava justo o valor de 250 reais e foi quando eu discordei dele, dei varias opiniões, tentei entrar em vários acordos e ele não aceitou nenhum, falei que queria o que era meu por direito e pedi minha liberação.

Samara Dias – Volante – ex Atlético Goianiense

“Não recebi salário, em momento nenhum eu consegui receber o que foi acordado junto com a coordenadora do atlético goianiense. O recurso da CBF que foi liberado, eu também não recebi nenhum tipo de valor, quando eu questionei o treinador e a coordenadora sobre o repasse da CBF, o treinador me informou que esse valor seria destinado para os custeios do que eles já tinham gasto com o time feminino, o que eu não entendi e também não fiquei sabendo para onde foi esse valor. Não recebi nenhum tipo de acordo até o momento, nenhuma pessoa diretamente ligada ao clube me procurou para fazer um acordo, mas já está nas mãos de advogados, da minha parte, para propor algum tipo de acordo.”, relata.

Eu fui dispensada porque fiz questionamentos sobre o destino da verba da CBF, uma semana depois, me dispensaram e não me deram nenhuma justificativa. Agora, eu estou na casa dos meus pais, eles são aposentados, eu também sempre faço uma reserva financeira para caso aconteça esse tipo de coisa. Toda essa situação é muito chata porque é um direito da atleta receber e não está sendo cumprido. A gente fica muito revoltada e desanimada com o futebol feminino quando acontece essas coisas.

Natalia Carvalho – Volante/Zagueira – Jogadora da Associação Esportiva 3B (Manaus)

“O Bosco (presidente do clube)  é um cara muito comprometido e responsável, tudo o que ele fala, ele cumpre. Desde a estrutura ao acolhimento e, em relação a parte financeira, não passamos por nenhuma dificuldade. Ele oferece todo o suporte necessário e a parte salarial está sendo cumprida direitinho desde o princípio. Antes da CBF se pronunciar ele já havia feito uma reunião falando que teria que diminuir nosso salário em 50%. Mas, logo na semana seguinte, a CBF liberou a verba e ele destinou todo o valor para as jogadoras, pagou nosso salário inteiro. Recebemos 100% do salário durante dois meses (março e abril). Porém, no inicio do mês de maio ele entrou em contato e falou que haveria uma redução entre 10% a 25%, pois não teria como custear o salário integral de todas as atletas. Desde que começou a quarentena os treinos foram suspensos, mas ele não dispensou nenhuma atleta”.

O presidente do clube não obrigou ninguém a ficar lá, porém, deixou o alojamento disponível para todas as atletas que quisessem ficar e disponibilizou a academia desde que a mesma fosse usada sem aglomeração e com os devidos cuidados. Para as meninas que resolveram passar a quarentena em suas casas, o preparador físico está fazendo um treino para manter o ritmo de jogo da melhor forma possível. O nosso contrato com o clube acaba dia 5 de julho e, devido à pandemia, ainda não foi tomada nenhuma decisão sobre esse assunto.

Thayslane Gomes – Atacante – Jogadora do Sport Clube (Recife)

“Tivemos algumas dificuldades, sim, em relação a receber o nosso pagamento por causa da pandemia. Mas, assim que a CBF repassou o dinheiro para o Sport, o clube pagou os meses que estavam atrasados e deixou tudo regularizado. A diretoria não propôs nenhuma redução de salário, foi mantido o mesmo valor. Desde o começo da pandemia tivemos auxílio do preparador físico e do fisioterapeuta. Pela tarde, temos o treino físico que é feito dentro de casa, também é feito uma prevenção com o fisioterapeuta pela manhã ou pela noite, fica ao nosso critério escolher o melhor horário. Ainda não tem uma data prevista para a volta dos treinamentos no clube, mas pode ser que aconteça no mês que vem”.

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Por Lara Pinheiro – Fala! Faculdade Mauricio de Nassau – PE

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