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Nancy Cardoso: Confira uma entrevista completa

Nancy Cardoso é licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela FCSH, UNL- Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, técnica em Contabilidade e Gestão pela ENA-Escola Nacional de Administração e mestranda em Estudos Africanos no ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa.

A seguir, confira uma entrevista completa com Nancy Cardoso:

Nancy Cardoso
Veja uma entrevista completa com Nancy Cardoso. | Foto: Montagem/ Acervo Pessoal

Entrevista com Nancy Cardoso

1) Com que idade a Nancy Cardoso se tornou ativista, e o que lhe motivou?

Sempre fui inconformada com a situação caótica do meu país, mas por ser criança e adolescente, nunca pude me expressar. Por um lado, porque as nossas vozes sempre foram silenciadas. E por outro lado, os nossos pais e encarregados de educação nunca o permitiram que assim fosse.

Então fui trabalhar com meninas um pouco mais novas que eu sempre nas férias estava promovendo concursos de leitura, danças tradicionais, passagens de modelo e playbacks, isto desde os meus 14 anos de idade.  

O ativismo político começou quando saí do meu país para estudar ciências biológicas no Brasil. Foi a partir desse momento que ganhei coragem e a consciência política de uma certa forma. Pois, identifiquei-me rapidamente com a forma cívica que vivem os brasileiros, particularmente os estudantes que nunca tiveram medo de reclamar de nada. 

Tudo começou quando entrei para a coordenação da casa de estudantes onde morava, e comecei a ter coragem de falar, defender e reclamar dos nossos direitos enquanto estudantes. Logo, vi que era possível e que faz todo sentido mesmo estando a distância começar a questionar e fazer críticas construtivas a respeito das políticas do meu país.  

Começou com a Rádio Bantabá de Djumbai, depois pela organização do 1º encontro da comunidade guineense no Brasil com a nossa Embaixada, com objetivo de aproximação e buscas de soluções para os problemas que agravassem as relações com a nossa instituição diplomática no Brasil, no ano de 2013.

Desde aí nunca mais parei, fui envolvendo, tomando iniciativas cada vez mais, e a que ficou mais marcada foi a iniciativa da manifestação popular em 2015, em Bissau, na praça dos heróis nacionais, depois em Redenção, Ceará no mesmo ano. A seguir, tive um envolvimento e participação muito ativa, junto do Movimento de MIGUILAN- Mindjeris di Guiné nó Lanta, e antes de passar para atividades política partidária, a minha notável luta e determinação no MCCI- Movimento dos Cidadãos Conscientes e Inconformados.

Sem contar com as outras organizações feministas dos quais faço parte, como caso do INMUNE- Instituto de mulher negra em Portugal, sou uma das fundadoras e atualmente tenho menos intervenção.  

2) Quais são os desafios para a garantia dos direitos das mulheres na Guiné-Bissau?

Apesar da evolução positiva registada nos últimos anos, nos meios utilizados para atingir a igualdade (como lei das quotas dos partidos, lei da paridade), ainda estamos muito aquém de ver na realidade estes meios a ser cumpridos rigorosamente.

A política continua a ser estruturada pela divisão sexual do trabalho e a mulher ainda não é acompanhada por uma verdadeira partilha do poder como os homens. O que significa que, as mulheres continuam a ser uma minoria nos diferentes quadrantes da nossa sociedade quando falamos de lugares de posição, sem contar que são mais numerosas do que os homens no contexto, mas que lamentavelmente eles continuam a dominar as instituições e elas continuam a ter de lutar para legitimar o seu lugar.

Dito de outra forma, as medidas foram, sem dúvida, benéficas, no que concerne à representação descritiva das mulheres na política, em várias esferas da sociedade, mas ainda é cedo para gerarem mudanças efetivas em termos da sua representação mais substantiva no contexto do poder e da tomada de decisões. É imperativo que aquelas que já se conseguem fazer-se representar nos lugares de poder, que já têm vozes nas nossas sociedades, se sintam como porta-vozes desta luta, para que haja uma mudança efetiva, concreta e visível em todas as vertentes da nossa sociedade. 

nancy cardoso
Nancy Cardoso fala sobre os desafios das mulheres na sociedade. | Foto: Reprodução/ Acervo Pessoal

3) A Nancy Cardoso espera alguma mudança na política guineense com as mulheres nos lugares da tomada de decisões?

Obviamente que sim. A política guineense está marcada por vários episódios de ódios, guerras de tronos entre os homens que sempre têm desfechos com golpes de estado, adiando cada vez mais o desenvolvimento, edificação da democracia e o fortalecimento das instituições do estado. Nenhuma crise política teve como origem no desentendimento entre homens e mulheres ou entre as mulheres.  

É extremamente importante equilibrar a igualdade do género nos lugares da tomada de decisões, porque mulher é singular na sua forma de lidar com os problemas, e para que sirva de ponto de equilíbrio na prevenção e resolução dos problemas políticos do no nosso país.  

Eu sinceramente acredito que com mais mulheres nos lugares de tomada de decisões nos partidos políticos e no governo, teremos uma administração mais equilibrada e sensata, com resultados muito mais eficazes, menos crises, isto pela sua particularidade e conhecimento nata em administração e educação.  

4) Qual é a importância da participação dos jovens na política guineense?

 Para perceber a relação e a participação dos jovens guineenses na política é importante analisar o envolvimento destes nos últimos anos, tanto a nível de filiação partidária, assim como em participações nos governos. Facilmente quando perguntamos a um/a jovem o porquê de querer fazer política, a sua resposta será sempre “para contribuir para o meu país”. Mas uma coisa é dizer e a outra é fazer.  

A verdade é que se os jovens que entram na política decidissem envolver-se para mudar o status, teríamos mudanças positivas e o balanço seria muito positivo. Pois em qualquer parte do mundo espera-se que os fatores de mudança e o de desenvolvimento de um país que sejam impulsionados pelos os jovens. Mas na Guine Bissau, infelizmente não é o que se verifica.

Os jovens entram para política com o objetivo principal de ganhar status social e económico. Ou seja, os próprios jovens são promotores de corrupção e enfraquecimento das instituições estatais, tornado assim cumplice de destruição e um entrave ao desenvolvimento de um país que só por si já é frágil. A ganancia e a ambição desmedida dos jovens passaram a ser um cancro na nossa sociedade.

5) Como a Nancy vê a emancipação das mulheres guineenses atualmente?

É algo muito positivo que nos aconteceu nos últimos anos. Recentemente, modéstia à parte, sinto um grande orgulho e satisfação, por ser o “rosto” desta luta. “Sou a pioneira desta minha geração, no que diz respeito a lugar de fala e de liberdade de dizer o que pensa, o que quer e como quer”.

Dei a voz que libertou muitas mulheres jovens, até as mais velhas que no passado sentiam medo/receio de se expressar e/ou assumir o rumo das suas vidas, e que com barreira que rompi durante as minhas lutas, hoje temos várias “Nancys” espalhadas em diversos postos da nossa sociedade (na política, na escola, na sociedade civil, nos negócios, na saúde, na educação, etc).

Hoje em dia, muitas meninas muito antes de terminarem o ensino médio, têm alguma ideia do que querem, e conseguem lutar por aquilo que acreditam ser o melhor para as suas vidas. Muitas conseguem olhar para os rapazes ao seu lado como um ser igual a elas, sem medo, ou medo receio de os enfrentar caso for preciso. Este é o legado deixado durante a época em que pratiquei intensamente, com muita garra e determinação, com convicção o ativismo político e social.  

6) Como tem lidado com os homens na política guineense?  

Lidar com os homens na política a nível mundial não é fácil, devido ao lugar onde a história colocou a mulher durante décadas. Daí que, quando falamos especificamente da Guiné-Bissau, um país com menos de 2 milhões de habitantes, com 44% desta população que nunca frequentou um estabelecimento de ensino, índice de instrução muito baixa, uma democracia débil (não funcional), torna-se ainda mais difícil.

Sem contar que é uma sociedade muito machista, atualmente muitos tentam usar discursos bonitos despidos de qualquer preconceito contra a mulher, mas que a sua ação na prática vem provando o contrário do que dizem.   

Ainda há uma enorme dificuldade de muitos homens, mesmo jovens, em aceitar, ceder, e compartilhar trabalhos, reuniões e dar lugar significativo a uma mulher. Uns fingem não ser machistas, mas uma coisa é falar, outra são as suas ações que acabam te denunciando. Isto é visível nas formações partidárias como são compostas as estruturas do partido, mesmo com a lei da quota quase nenhum partido consegue pô-la em prática. E, em cada estrutura, departamento, organização, facilmente se coloca um homem em 1º, 2º e 3º lugar, para depois pensar numa figura feminina. Daí eu digo que são denunciados pelas suas ações.  

É uma luta constante, todos os dias e minutos da sua vida enquanto mulher em afirmar-se e fazer-se respeitar perante as suas competências e valias ao lado dos homens guineenses, e que muitas das vezes somos muito mais competentes que eles, mas, fruto do ego masculino, nunca somos opções credíveis para ocupar uma posição de relevo.

7) A Nancy Cardoso é feminista?

Não. Não me considero feminista. Eu acredito num mundo governado pelo homem e mulher, reconhecendo as valias e competências de cada um. Eu acredito que assim como somos diferentes geneticamente, também temos caraterísticas diferenciadas e jeito diferente de lidar com coisas em situações e circunstâncias diferentes.

Há situações em que claramente percebemos que uma mulher lidar e ou solucionar de forma muito mais fácil e simples que um homem, e vice-versa. Não desvalorizo nenhuma luta feminista, antes pelo contrário, apoio sempre que puder, pois é uma injustiça humana e social cometida com a mulher há décadas, e que é preciso repudiar. E lutas pelo direito de igualdade do género têm vindo a ajudar muito, a devolver as mulheres o que são delas por direito, e a emancipá-las, fazendo delas donas dos os seus destinos e das as suas próprias vidas e vontades.

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Por Benazira Djoco – Fala! UNIESP PB

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