Janilson tem 26 anos e chegou a mim e minha família por acaso, destino, ou qualquer que seja sua crença, no dia 27 de dezembro, no quiosque que estávamos em Boracéia, litoral norte de São Paulo. Diferente dos outros ambulantes, sua primeira intenção conosco não era vender, mas apenas deixar seus produtos enquanto dava uma passada rápida no banheiro. “Vou deixar minha vida aqui nas mãos de vocês em, já peguei confiança, ó, tá tudo aí. Meus chapéus, meu dinheiro, meu celular, vou por tudinho aqui nessa mesa.” E foi, realmente deixando tudo que tinha ali.
Janilson era assim mesmo, sabia que a pessoa era de confiança apenas com o olhar. O paraibano já estava no litoral de São Paulo desde de agosto e não ia embora antes de março. Nesses 8 meses ia passando de praia em praia vendendo seus chapéus, já tinha vendido em Maresias, Boracéia, Bertioga, Guarujá, Riviera, um pouquinho em cada lugar. Sua maior motivação, que lhe dava energia para ir pulando de praia em praia diariamente, estava longe, na Paraíba, tinha apenas 3 meses quando ele saiu de casa. “Quer ver minha Jurema? Meu motivo de tudo é essa daqui ó, Maria Valentina. Deixei ela ‘piquitinha’ de tudo lá. Diz minha esposa que já está até começando a falar, que falou papai esses dias para trás. Não vejo a hora de voltar para ouvir com meus próprios ouvidos. Essas tecnologias ajudam muito, já recebi uns vídeos dela, mas não é a mesma coisa não.”
“Quando vim para cá comecei morando numa república. Eram de 20 a 30 homens, a quantidade mudava muito durante as semanas, uns iam, outros chegavam. Mas aos poucos fui percebendo que assim não dava para viver, não. Era muita gente, cada um com uma cabeça diferente. Uns queriam beber todo dia, outros invocaram de começar a levar mulher para dentro da casa, era muita confusão. Aí com umas semanas achei gente parecida comigo, que queria trabalhar para levar dinheiro para casa e me mudei para outro lugar, pago um pouquinho a mais, 350 por mês, mas fico na tranquilidade sabe? São só eu e mais dois caras. É bem pequeninho lá. Tem a lavanderia, um banheiro, uma pia pro lado de fora e um espaço para pôr as redes na hora de dormir. É apertado mas está bom demais, só voltamos para casa para dormir mesmo, não precisa de mais nada, né?”
“Esses chapéus que eu vendo são um pouco mais caros, porque o material é melhor que dos outros por aí. É réplica mesmo, pode ver o símbolo da marca, a qualidade deste produto. Para mim o segredo da venda é esse. Vender coisas que você sabe que é bom e que vai satisfazer o cliente. E o respeito, claro, atendo todo mundo da mesma forma, sem restrição. Esses dias para trás estava vendendo lá na praia da enseada e tinha um cadeirante lá. O moço não mexia nada do pescoço para baixo e estava sozinho lá na barraca, que os parentes tinham ido pro mar. Ele começou a chamar uns ambulantes e eu percebi que nenhum parava. Ele me chamou, fui na hora. Coloquei o chapéu na cabeça dele, mostrei para ele com o espelhinho e tudo. Fiquei uma meia hora lá, mostrando, conversando, esperando ele escolher. Daí chegou o pai dele do mar, ficaram tão felizes com meu atendimento que pagaram mais caro no chapéu e ainda me deram o boné da produtora deles. Olha aqui, ó, eles eram dono de uma produtora de funk! Vou levar para casa esse boné, original, que ganhei dos donos ainda! Essas histórias aqui da praia que distrai a gente e faz o dia mais feliz né?”.
“Quando o cara pechincha muito e eu vejo que não dá para abaixar mais o preço, vou ficando para conversar. Costumo falar que se não conseguir negócio consigo amizade. A gente aqui ó, já fizemos amizade. Já viraram minha família. Eu vou é indo porque se não perco muito tempo e fico até tarde para vender esses chapéus tudo. Vocês já sabem meu nome, sou o Janilson das promoções. Meu sobrenome? Tchau e até logo! Um cheiro no olho de cada um de vocês!”.
Se rendemos negócios lucrativos para Janilson, não sei afirmar. Mas como ele mesmo disse, rendemos amizade. No dia seguinte encontramos o vendedor na praia e bastou uma chamada para ele ir ao nosso quiosque, cumprimentar todo mundo e ficar mais uns minutos conversando. Dividimos até uma porção de camarão. “Vai vender, e vê se não esquece da Maria Valentina hein!” – brincou um dos rapazes que estavam conosco. “Esquecer dela? Mas nunca! Mais fácil esquecer de mim mesmo! Mas já vou indo mesmo, um cheiro no olho!”
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Por Helena Leite – Perdida por aí – Fala! Cásper