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Futebol Feminino: Goleando o Preconceito

Por Nathália Taise – Fala!M.A.C.K.

 

Elas são três vezes campeãs dos Jogos Mundiais Militares, bicampeãs da Universíada de Verão, tri nos Jogos Pan-Americanos e heptacampeãs na Copa da América, na qual foram todas as vezes vencedoras invictas, e um segundo lugar na Copa Mundial de Futebol Feminino, que existe há apenas 7 edições, – e você aí achando que só os homens que dominam a bola – conheça a Seleção Brasileira de Futebol Feminino.

Apesar dos campeonatos oficiais de futebol feminino existirem há poucas décadas, há registros de mulheres jogando o esporte por mais de séculos, em times formados na Europa, como na Escócia e Inglaterra. Porém, a primeira partida oficial de futebol jogada entre mulheres aconteceu em 23 de março de 1885, em Crouch End, Londres, Inglaterra. Os dois times eram Norte e Sul, representando cada lado da cidade, e o evento foi coberto por um jornal esportivo da época, que relatou:

“Verdade, jovens homens correriam mais e bateriam mais forte, mas, além disso, eu não posso acreditar que eles mostrariam qualquer outro conhecimento maior ou habilidade na execução. Eu não penso que o futebol feminino deva ser extinto por causa de importantes artigos escritos por velhos homens sem simpatia por tanto pelo futebol como um jogo quanto pelas aspirações de jovens mulheres. Se o futebol feminino morrer, será uma morte difícil”

Já no Brasil o primeiro jogo oficial entre mulheres foi em 1921, entre senhoritas do bairro Tremembé e Cantareira, da zona norte de São Paulo, que foi noticiado pelo jornal Gazeta.

Mas mesmo após esses grandes eventos, nada foi fácil para as meninas quando o assunto era os gramados. Durante o governo de Getúlio Vargas, foi criado o Decreto-Lei 3199, proibindo a “prática de esportes incompatíveis com a natureza feminina”, entre eles o futebol, que só viria a ser revogado em 1979. Em meados de 1958 o Araguari Atlético Clube foi o primeiro clube do Brasil a formar um time de mulheres, mas teve de se desfazer um ano depois por causa da pressão dos religiosos em Minas Gerais.

Depois de muita luta e dificuldades, o futebol feminino finalmente ganhou seu espaço, a Seleção Feminina Brasileira disputou seu primeiro jogo em 1986 e enfrentou os Estados Unidos em um amistoso internacional, onde foi derrotada por 2 a 1. E de lá para cá só vem crescendo cada vez mais.

Marta, a camisa 10 da Seleção Brasileira – Buda Mendes/Getty Images

E não podemos falar de Futebol Feminino sem falar de Marta. A jogadora alagoana que conquistou o mundo, foi eleita cinco vezes seguidas como Melhor Jogadora do Planeta (2006 – 2010) pela FIFA. Já foi chamada de “Pelé de Saias”, mas esse não é o nome que ela merece, se Pelé é o rei, Marta merece ainda mais ser a Rainha, já que ela quebrou o recorde histórico ao marcar o 98º gol de sua carreira com a camisa da seleção, ultrapassando a marca de Pelé, que possui 95 gols pelo Brasil.

O futebol feminino brasileiro ganhou destaque nacional e mundial quando Marta apareceu, vinda de Dois Riachos no Alagoas, a jogadora sentiu na pele o que é ser uma mulher jogando futebol. Detalhes que ela descreve em uma carta intitulada “Carta Para Eu Mesma Quando Jovem”, que publicou no site The Players Tribune.

Em sua carta a artilheira descreve como foi crescer na pequena cidade do interior sendo uma menina que jogava futebol. Ouvimos tantas histórias dos meninos pobres que através do futebol se tornaram grandes, histórias realmente comoventes, mas a vida dos meninos pobres que jogavam futebol nunca vai ser tão difícil quanto a de uma menina pobre que jogava futebol.

“Crescendo numa cidade pequena como Dois Riachos, você se impôs. Mas não pelo seu talento. Não, você recebeu olhares estranhos e comentários maldosos todos os dias simplesmente porque você era uma garota. Uma garota que amava futebol.

Não havia outras garotas jogando futebol.

… E as pessoas faziam questão de deixar isso claro para você.”

“E você sentia que a Mãe não estava lá por você. E, de certo modo, ela não estava mesmo. Depois que o pai a deixou quando você ainda era um bebê, ela teve de tomar conta de quatro crianças. Ela acordava às 5 da manhã para trabalhar na agricultura, voltando para casa tarde da noite. E sempre que chovia, ela seguia para a sede da Prefeitura, onde ela fazia serviço de limpeza e servia café. Então, você nunca a via com tanta frequência. Ela nunca teve a chance de ir aos jogos ou assistir a você jogar.”

“Você sabe de quais chuteiras eu estou falando. Aquelas que foram dadas para você pelo avô de seu colega de time. Você se lembra do dia em que ele as deu para você? Sem mais treinos com pés descalços. Sem mais ter de pedir emprestado para alguém para jogar.

Você tem o seu próprio par.

Sem marcas. Usadas. Um número maior, que você terá de compensar com jornal no dedão para que elas sirvam.” (Trechos retirados da carta que Marta escreveu)

A realidade que Marta teve ao crescer é a de muitas meninas no Brasil todo, que sonham em ser jogadoras de futebol. Assim como ela lembra em sua carta:

Então, lembre-se de quão sozinha você se sente agora e ouça quando eu te digo o seguinte: no mundo inteiro, existem meninas que se sentem do mesmo jeito. Meninas que recebem olhares, meninas que são questionadas sobre estar ali, meninas que são expulsas de campeonatos e que recebem apelidos nada elogiosos.

Enquanto os meninos são incentivados e praticamente jogados em escolinhas de futebol pelo país todo, as meninas que querem seguir esse sonho têm de batalhar por ele.

Mesmo que o país esteja bem mais avançado quando se trata do futebol feminino do que ele estava a cinquenta anos atrás, ainda falta muito para alcançar a igualdade.

O Brasil se diz tão patriota quando o assunto é Futebol, mas então por que o futebol feminino alcança um público médio de 1000 pessoas por jogo enquanto o masculino alcança 78.000 pessoas?  Claro que os números não são regras para todos os jogos, mas é uma realidade corriqueira.

O brasileiro ama seu futebol e sabe de cor as escalações do time em todas as copas do mundo, mas não sabe que ano que vêm tem Copa Mundial Feminina, não sabem que a seleção já chegou muito perto do ouro, e que talvez se tivessem um apoio maior do próprio país, as nossas meninas chegariam ao primeiro lugar.

Na Copa Mundial de Futebol Feminino os países que se destacam são Estados Unidos, Noruega e Coreia Do Sul, e ao pesquisar sobre o porquê disso vemos que esses países, diferentes do Brasil, valorizam os times femininos da mesma maneira, e às vezes até mais, que os masculinos. Com isso os times nesses países recebem além do apoio da população, estádio e centros de treinamentos com ótimas estruturas, midiatização e valorização salarial, coisas difíceis de serem encontradas no Brasil quando o assunto é mulheres no gramado.

Cristiane, jogadora da seleção brasileira. (Stuart Franklin – FIFA / Contributor/Getty Images)

Em que lugar diz que Neymar e Pelé merecem ser mais reconhecidos que Cristiane e Formiga? Formiga que é a jogadora, entre masculino e feminino, que tem o maior número de jogos pela Seleção Brasileira, com 151 jogos, ultrapassando assim o tão conhecido Cafu. E Cristiane que em 2016 tornou-se a maior artilheira dos Jogos Olímpicos, também entre masculino e feminino.

Porque as crianças devem idolatrar Cristiano Ronaldo e Messi pelos títulos de Melhor do Mundo e não Marta que têm a mesma quantidade de títulos que eles?

Hoje a Seleção Brasileira Feminina de futebol é uma inspiração para todas as garotas Brasil afora que sonham em ser jogadoras profissionais, elas são a prova de que as mulheres podem chegar lá, como Marta coloca em sua carta:

“Uma parte de fazer com que o jogo seja viável para as garotas, de um jeito que não esteve viável para você.”

As mulheres lutaram pelo seu direito de jogar, então agora é hora de irmos aplaudi-las, e mostrar que a conquista delas não foi em vão.

Então no tal País do Futebol as mulheres jogam com menos, menos salário, menos estrutura e menos público. Jogam não para serem milionárias, porque não serão, não para serem idolatradas, porque também não serão, mas porque amam o esporte, enfrentam o mundo pelo mais puro amor ao futebol. E é também por esse futebol que o Brasil deveria se apaixonar e se orgulhar.

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