Mais da metade dos estudantes considera impossível um retorno seguro da Escola ao modelo presencial em 2021
Beatriz Ribeiro é aluna de História da Arte da Escola de Belas Artes (EBA), da UFRJ, desde 2017. Ela relembra que muitas vezes se deparou com falta de água nos ateliês e colegas desmaiando por conta da má ventilação. Para ir ao banheiro, lavar as mãos e até beber água, era necessário se deslocar para outros lugares mais distantes.
Como evitar de colocar a mão no rosto, estar sujo de tinta? Vai ser difícil usar máscara e higienizar as mãos, que é o básico exigido nesse retorno presencial.
A crise na Escola de Belas Artes da UFRJ
No dia 29 de outubro, a UFRJ e os demais institutos federais do Rio de Janeiro foram intimados pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região a retornar ao ensino presencial em até quinze dias. Mas para essa retomada, a EBA enfrentará desafios que vão além da pandemia. A unidade sofre com a falta de salas de aula disponíveis e o prédio da Reitoria se encontra em condições adversas.
Em entrevista para a Agência Brasil, o deputado federal Marcelo Pereira, autor da liminar, revelou que o risco da evasão escolar foi determinante para essa decisão. A tendência é que ela possa afetar cerca de 80 mil estudantes no estado e 25 mil apenas na cidade do Rio de Janeiro.
Um levantamento feito pelo Centro Acadêmico da Escola de Belas Artes mostra que 51% dos estudantes consideram inseguro retornar às atividades presenciais nessas condições. Mas, 33,4% afirmam que voltariam caso os protocolos de biossegurança sejam garantidos.
Em resposta ao Diretório Central de Estudantes, a Reitoria da UFRJ afirmou que acionou a Procuradoria Federal para recorrer da liminar. Porém, após o prazo de quinze dias, se o recurso for negado ou ficar em aberto, a universidade será obrigada a retornar imediatamente.
Desde o incêndio de 2016, que afetou o oitavo andar do edifício Jorge Machado Moreira, a Escola depende de salas emprestadas por outras unidades para receber os 13 cursos.
Durante a sua graduação, Beatriz já teve mais aulas na Faculdade de Letras do que na Reitoria, onde a Faculdade de Arquitetura divide os espaços com a Belas Artes. “A gente sempre passa por essa questão de ser uma ‘EBA Cigana’. Ficamos sempre mudando de lugar e esperando sermos acolhidos”, disse.
Em abril, o segundo andar do prédio, onde a Procuradoria da universidade ficava localizada, foi tomado pelas chamas. O acesso às escadas principais foi afetado e o terceiro pavimento teve que ser interditado para obras, o que inviabilizou o uso de dez salas. Caso as aulas presenciais retornem ainda este ano, será necessário ao menos 23 espaços arejados e amplos disponíveis.
Hoje, setores como a direção, as coordenações dos cursos e toda a administração da unidade estão concentrados em um espaço na Biblioteca da Faculdade de Letras. As salas de aula também são compartilhadas com o Centro de Tecnologia e o Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza.
O edifício Jorge Machado Moreira, uma referência arquitetônica do Movimento Moderno, ainda sofre as consequências da manutenção precária. Goteiras, a estrutura à mostra, janelas quebradas e materiais perdidos por conta de enchentes se tornaram uma rotina.
Os ateliês são repletos de materiais inflamáveis, como a própria tinta usada nas aulas de pintura. Localizados no final do prédio, as janelas desses espaços possuem grade, o que também dificulta a evacuação de pessoas caso haja um novo acidente.
Eu tenho medo de não voltar para casa algum dia. Todos os incêndios até agora foram uma sorte de não ter muitas pessoas no local. Parece que as pessoas estão esperando acontecer uma tragédia com todo mundo dentro do prédio.
contou Beatriz
Em 2021, a UFRJ conta com um orçamento de 299,1 milhões, 20% a menos do que o valor aprovado em 2020. Do total, 152,2 milhões aguardam a votação de emendas no Congresso Nacional e 41,1 milhões estão bloqueados pelo Governo Federal. Com um repasse cada vez menor, a quantia poderá pagar despesas como água, luz e limpeza.
Além disso, de um total de 124 docentes (adjuntos e substitutos), quase metade apresenta fatores de risco. Quanto aos 58 técnicos-administrativos, apenas 26 não se enquadram nesse grupo (tabela 1). O GT de Planejamento ao Retorno Presencial da Escola de Belas Artes construiu planos de ação para que os servidores retornem às atividades em segurança.
Entre os requisitos, estão oferecer o material básico de higiene e proteção – máscaras, álcool em gel 70%, sabonete – assim como atendimentos agendados e com o horário reduzido. O documento segue as recomendações do Guia de Biossegurança da UFRJ.
Para a professora Rogéria de Ipanema, do curso de História da Arte, é necessário reunir todo o corpo universitário antes de chegar a uma decisão: “Nós precisamos de uma plenária representada pelo DCE e os dois sindicatos [Sintufrj e Adufrj] para um debate sobre o retorno. Eu sou favorável de voltarmos ao presencial, sairmos do universo virtual e também do modelo híbrido. Mas, para isso, as condições precisam ser compartilhadas e ouvidas.”
A falta de perspectiva de uma volta segura desanimou aqueles que acabaram de chegar na universidade. É o caso da Alicia Beninca, aluna do segundo período de Comunicação Visual – Design, que estava na esperança de cursar as atividades práticas no modelo presencial ainda este ano.
Os professores foram tentando puxar os alunos e adaptar o máximo que eles puderam, mas tem coisas que não tem como substituir, como laboratórios, oficinas e equipamentos da faculdade.
Para seguir com as atividades práticas, os docentes precisaram ser criativos e ir além do modelo convencional de aula por videoconferência. A professora Martha Werneck, do curso de Pintura, contou que uma das alternativas foi demonstrar as atividades em seu ateliê particular.
Entendemos que a pintura depende não das palavras, mas das ações. Quando você pinta para um estudante e ensina a partir do material dele, ele entende o que você quer dizer com as palavras.
Mas a professora percebeu que mesmo assim, o rendimento não foi suficiente: “as turmas que estão chegando agora tiveram muitas dificuldades e avançaram com elas. Muitas pessoas desistem no meio do caminho porque acham que não vão dar conta, trancam a disciplina, até por não ter um espaço para produzir em casa”.
Com as portas fechadas desde o início da pandemia e a falta de recursos, a comunidade ainda teme o que vai encontrar quando retornar aos espaços físicos. A professora Rogéria de Ipanema reforça a necessidade de continuar na luta mesmo com todos esses obstáculos.
Fazer parte de uma universidade pública é de uma importância imensa para o desenvolvimento do próprio país. No particular, a arte tem um tamanho dentro disso. Ela tem a condição de fazer um tratado sensível para as expressões de qualquer área, de qualquer ciência da sociedade.
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Por Ana Clara Galante – Fala! UFRJ