“Quem tem fome, tem pressa”. A frase do sociólogo Betinho pode facilmente ser aplicada à situação do Brasil em tempos de isolamento social. Replicada inúmeras vezes, o recorte de classe pode ser um dos pilares para entender por que a quarentena está sendo tão difícil de se aplicar no país. Mas esse não é o único motivo, já que classes mais altas também têm duvidado do contágio – e até mesmo da existência – do novo coronavírus.
Com mais de 44 mil casos confirmados apenas no Brasil, o Ministério da Saúde vem reiterando a importância de permanecer em casa. Afinal, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já destacou, diversas vezes, a importância e os efeitos de se manter dentro de casa – especialmente para o grupo de risco, como pessoas com doenças crônicas e idosos.
Em documento assinado por membros do Ministério, incluindo o até então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, alguns especialistas se reuniram para reforçar o isolamento em prol do combate à Covid-19, além de divulgar um panorama sobre o futuro do vírus no país.
Vários modelos matemáticos mostraram que o vírus estará circulando potencialmente até meados de setembro, com um pico importante de casos em abril e maio. (…) O isolamento social é uma medida que deve ser sugerida precocemente, a fim de achatar a curva epidemiológica com o menos impacto econômico possível.
Reitera o documento
Porém, por que mesmo com a mídia, a internet e diversas personalidades públicas falando sobre o momento de quarentena a porcentagem de pessoas seguindo, de fato, parece estar diminuindo? Uma das palavras-chave seria, de fato, economia.
Desemprego e informalidade
Atingindo 11,9 milhões de brasileiros e estabelecendo uma porcentagem de 11,2% no mês de janeiro, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego no país não poderia prever o que aconteceria nos próximos três meses. O novo coronavírus, que ainda era um fantasma assombrando a China, não dava sinais de pousar em solo brasileiro, mas atingiu em cheio as famílias mais pobres no mês de março.
Vale lembrar que a relação entre desemprego e a busca pela informalidade – como comércio ambulante e abrir uma pequena empresa – é praticamente direta. Ao mesmo tempo, outras opções, como serviços de aplicativo – Uber, iFood, entre outros -, parecia ser a melhor ideia de “trabalhar no próprio horário” e ainda colocar comida na mesa.
Mas como se manter em casa quando seu único sustento se baseia no movimento das ruas, na circulação de dinheiro – e, principalmente, de pessoas? Em conversa com o portal Exame, o fundador da organização social Gerando Falcões, Edu Lyra, questionou sobre o assunto.
Como a gente consegue vencer a Covid-19 sem permitir que as pessoas morram de fome na favela?
Ao mesmo tempo, classes mais pobres já foram apontadas como as que mais sofrerão impactos diretos e indiretos da pandemia. Isso porque, além das dificuldades básicas de de prevenir do novo vírus – como saneamento básico, por exemplo – famílias com renda entre 0 a 2 salários mínimos ainda deve ter a renda 20% mais afetada que a média do restante das famílias. O dado foi apontado pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, da Universidade Federal de Minas Gerais.
Fake news
Por outro lado, o brasileiro tem enfrentado um vírus tão letal quanto a Covid-19: as fake news. Protagonistas do cotidiano do país desde o período eleitoral em 2018, as notícias falsas vêm mudando o formato, a disseminação, mas nunca a veracidade.
Dessa vez, a taxa de letalidade e até mesmo a existência do coronavírus são questionadas – desde a sua epidemia em Wuhan, na China, até uma teoria conspiratória de que a doença seria uma arma biológica que saiu do controle.
O fato é: não existe isolamento para essas pessoas quando sequer um vírus existe – ou mata. E isso não é um argumento específico de determinada classe social – muito pelo contrário – atinge todas as camadas sem dó e preocupação dos danos que causa.
Bolsonaro x Ministério da Saúde
E já que se fala em presidente da República, a relação conturbada entre ele e o até então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, contribuíram para uma instabilidade nos dados sobre o isolamento social no Brasil. Antes da exoneração de Mandetta do cargo, não só os depoimentos das figuras públicas eram divergentes, como também as atitudes.
Enquanto o Minstério da Saúde se mostrava incisivo na importância de seguir o isolamento social e, principalmente, evitar aglomerações, Jair Bolsonaro comparecia a manifestações, eventos e até mesmo ia para locais públicos, onde reunia grupo de fãs e apoiadores.
O conflito entre os dois representantes de órgãos públicos se deu, principalmente, após uma entrevista de Mandetta concedida ao Fantástico, exibido pela Globo. Na conversa, inclusive, o então ministro falou sobre as projeções do coronavírus nos próximos meses, mas também sofre a dificuldade em estabelecer, majoritariamente, o isolamento social no Brasil.
Nós não experimentamos no Brasil até agora o lockdown, o fechamento total. Nós estamos com diminuição social, importante, chegamos a ter uma diminuição expressiva, relaxamos, estamos em torno de 50%, 55%. Chegamos a ter 70%.
Disse Mandetta ao Fantástico
Questionado sobre o afrouxamento da quarentena, Luiz Henrique Mandetta citou as fake news, a problemática que envolve a economia atual e as divergências no governo.
Acho que é um conjunto, somatória, acho que tem muita gente que gosta da internet, que vê na internet alguma fake news dizendo que isso é uma invenção de países para ganharem vantagem econômica. (…) Quando você vê as pessoas entrando em padaria, entrando em supermercado, fazendo filas (…), encostadas, grudadas (…), isso é claramente uma coisa equivocada.
Eu espero que essa validação dos diferentes modelos de enfrentamento dessa situação possa ser comum e que a gente possa ter uma fala única, unificada. Porque isso leva o brasileiro à uma dubiedade: ele não sabe se escuta o ministro da Saúde, se ele escuta o presidente, quem é que ele escuta.
Complementa Mandetta
No mundo, mais de 196 mil pessoas já foram vítimas do novo coronavírus. Países europeus como a Itália, que subestimaram a letalidade do vírus, rapidamente se tornaram o epicentro da doença – atualmente concentrado nos Estados Unidos, com 923 mil casos.
Enquanto isso, o número de infectados já passou dos 2,79 milhões. No Brasil, 26 mil pessoas já se recuperaram da Covid-19, enquanto mais de 3 mil foram vítimas do novo vírus. Vale lembrar que, no último dia 24 de abril, o país quebrou o infeliz recorde de 357 novas mortes em apenas 24 horas.
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Por Samantha Oliveira – Fala! UFPE