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Entenda como Nú Barreto transforma matéria-prima em arte

Em entrevista, Nú Barreto, artista guineense discorre sobre sua vida e suas vivências. Confira!

Nú Barreto
Barreto Desequilibre. | Foto: Thierry Caron/Paris.

Entrevista com Nú Barreto

Nú Barreto, conte como nasceu seu gosto pelas Artes Plásticas? E quem te influenciou?

NB: No meu caso, a história traçou o meu destino de uma forma particular. Sou o único a seguir a carreira de artista plástico, da parte da família materna como paterna.

Desde a tenra infância, o desenho foi um companheiro amado e inseparáveis fomos. A minha infância foi a todo o custo um encanto de bandas desenhadas, onde aproveitava para aprender o desenho copiando simultaneamente as imagens. Também garroto, sempre trazia comigo uma atração de cavalos com carroças de cowboys que enfeitava a sala da minha adorada tia, a irmã mais velha da minha mãe. Recuperava tudo quando vinha visitar a irmã. Era um jogo de ida e vinda dos bonequinhos. Foi engraçado! Assim aprendi, pois serviam de modelos a rabiscar.

Realço também uma luxuosa contribuição do meu falecido irmão, embora foi de curta duração. Éramos dois irmãos com dois estilos gráficos antagônicos. Adorava a sua forma precisa e certa de desenhar, o que não era o meu caso. Foi, para mim, um espelho que me serviu de referência.

Confesso que havia pouca abertura ao mundo fora na minha infância. Isso não facilitava o processo de aprendizagem e o desenvolvimento. O pintor luso-guineense (Augusto Trigo), que era o único e mais conhecido, tornou uma referência a todos os que amam a arte plástica. Os artistas tais como Francis Bacon, Lucien Freud, Rembrandt, Paula Rego, Willem De Kooning, Jean Michel Basquiat… são maravilhas descobertas tardias.

Fale um pouco sobre quando você decidiu viver de arte. Quais foram os desafios que encontrou nesse período e qual a sua visão sobre o mercado, considerando a cena atual da arte contemporânea?

NB: Seria uma retórica explicar de novo o tão conhecido desafio de viver da sua Arte. Como sempre digo: “Viver da Arte é uma Arte”. Não escapei a linhagem. Abracei a carreira artística numa altura em que talvez a melhor solução deveria ser uma outra opção, pois sozinho e sem meios de subsistência, num país estrangeiro, o resultado esperado, só poderia ser uma catástrofe.

A minha opção à Arte/Fotografia foi um dos desacordos profundos que originou um distanciamento e abandono ao lar familiar. Os maiores ou principais desafios foram a falta de rede de contatos para exercer uma profissão digna de fotógrafo que havia sonhado. Não tendo esse apoio de lado nenhum, tive que solucionar e enfrentar um desafio de substância.

É tão vasto falar da cena da arte contemporânea hoje, pois vivemos um novo desastre que assola o mundo e, obviamente, a Cultura é a mais impactada. É uma cena em constante evolução, propondo novo gostos e novas práticas, tendo uma espécie de globalização da atividade. É notável, mas ainda ficam muitos à margem.

A cena atual proporcionou muitas aberturas, mais ebulições e muitas atividades comerciais, mas deverá se questionar das utilidades excessivas, pois tão seletivas ainda permanecem para certas configurações. O poder monetário tende sobrepor sobre a criatividade. O que fragiliza a liberdade criativa. Mas o artista resiste.

Como é a sua arte de uma maneira geral e o real papel da arte no desenvolvimento de um país?

NB: Distingo-me como sendo um artista plástico crítico da sociedade. O meu trabalho envolve problemáticas sociais e o comportamento dos “Seres” ditos “Humanos”. Nenhum país no mundo terá a ousadia de confessar viver separadamente da Cultura. Por mais fechado que se possa considerar, a Arte será intrinsecamente ligada aos seres. É extremamente notório em cada Ser, a dimensão representativa da sua própria cultura, partindo do pressuposto, só temos é que reconhecer e aproveitar essa única forma ou maneira de se conviver harmoniosamente. Tem a Arte um papel determinante na nossa sociedade. Uma riqueza a preservar.

Tem alguma história curiosa que você se lembra em relação a sua vida artística?

NB: As histórias tenho tantas, mas esta curta, com o meu tio, acho que prevalece por ter um carácter de percepção de duas gerações que se cruzam: Quando anunciei ao meu tio, o desejo de estudar a fotografia, abandonando a engenharia informática, desejou-me um bom apetite em comer sanduíche, porque os fotógrafos/artistas, sendo pobres ou miseráveis, só comem sanduíches (isso, quando houver). Respondi: Obrigado, comerei.

A segunda história acontece em Smithsonian/ Washington DC. Não tendo feito a reserva para ter acesso à visita do museu, não me deixaram entrar. O mesmo museu fez aquisição de uma grande obra minha tempos depois, acabei sendo o primeiro artista guineense e entre os raros artistas luso ou africanos na coleção do conceituado museu. 

Quais foram os principais desafios que você vivenciou ao longo da sua carreira?

NB: Persisto dizer que o maior desafio de qualquer artista é se confrontar com a sua própria existência como tal. Não tem nada fácil ou invejável dessa monótona vida de esperar a boa vontade do consumidor/ colecionador/ comprador. Mas é uma boa confrontação na construção de um artista dedicado e de dura carapaça.

A persistência é uma da virtude de qualquer artista que se respeita, como se diz, pois não faltam barreiras ou obstáculos à cada passo. Da minha experiência, confesso que sempre agarrei num foco principal e avançar, considerando obviamente os visíveis obstáculos. Mostrei os meus trabalhos, sempre onde aceitos foram e nunca insisti onde não sou bem visto ou bem-vindo. Também nunca funciona. O certo é que só o destino e o sincero empenho levem ao caminho certo.

Que arte você costuma fazer e expor? O que inspira esses cenários fantásticos?

NB: Sou um artista plástico. Uma denominação aos artistas multifacetas. Na minha escritura artística, é normal encontrar pinturas, desenhos e fotografias. 

Como sobreviver de arte num país como a França? E qual a responsabilidade do artista como um ser público, como se coloca frente à realidade?

NB: A França é um palco cultural de renome internacional. É bem certo. Um ponto de encontro funcional e necessário. Hoje em dia, a globalização criou outros espaços decisivos que debilitaram esse renome. Embora os USA ainda permaneçam um campo obrigatório para qualquer artista no mundo, o mundo asiático não adormeceu e provam que o dinamismo criativo envolvido, cria e criou riquezas palpáveis. É um espaço que, hoje, se deve adicionar quando se fala da Arte Contemporânea.

Sobreviver da Arte é uma Arte, como sempre afirmo. É realmente uma batalha incessante, nunca ganha, por mais conceituado ou realizado que seja o artista. A visibilidade é o maior obstáculo na existência de qualquer um de nós. São caminhos atropelados na minha andança de artista. Agora considero-me um privilegiado, porque tenho condições que me permitem uma visibilidade, tenho uma liberdade criativa e um espaço amplo onde me exerço. Mas nunca fácil foi e nem ganho ainda é. É uma batalha incessante.

Hoje, tenho uma galeria conceituada representando as minhas obras no mundo fora, mas nem sempre assim foi. O artista nunca deixa de ser o eixo de ligação na sociedade. Deve o artista ser instruído e bem formado, para a sociedade aproveitar do seu saber. Nenhuma sociedade funciona sem a valência cultural. É imperativo considerar a preciosa função de um artista numa sociedade. O papel é primordial. Não é dado a todos o desastroso sofrimento, mas ali se forja o valor da dita sociedade. Um dos flagrantes exemplos, a Itália e a Renascença.

Quais são os seus projetos atuais no campo da arte?

NB: Como devia a cedência de oportunidades a outros artistas na minha galeria, Galerie Nathalie Obadia, em 2020, só tinha feiras de artes programadas. Tanto assim que só conseguimos participar em duas em janeiro, Art Genève/Suisse e a 1:54 ArtFair-Marrakech/Marrocos. Em março, foi o início do pandêmico período que ainda assola o mundo, e tudo foi cancelado. Havia uma programação do Art Basel-Suiça, Art Basel Hong Kong, Art Basel Miami, a Fiac, Art Brussels e a Frieze Art Fair. A minha agenda 2021 está ainda preenchida com uma exposição coletiva no quadro do projecto Afrique 2020/2021-Rouen/França, uma outra coletiva itinerante intitulada “Europa,Oxalá”, sob a curadoria principal do António Pinto Ribeiro. Acolhem a exposição o African Museum Tervuren/Bélgica, MUCEM-Musee des Civilisation de l’Europe et de la Méditerranée-Marseille/France e o Centro Internacional de arte José Guimarães-Guimarães/Portugal. No quadro do projeto “Desangolar”-Luanda/Angola, preparo uma exposição individual numa residência de três meses prevista em setembro. Existem projetos ainda não concluídos que não merecem destaque, mas o 2021 está preenchido.

Nas suas obras, nota-se a influência da textura dos materiais. Como explicaria essas influências?

NB: No meu caso, são influências exigidas pela necessidade criativa. Tento abstrair qualquer aparência estética sem teor explícito. Na minha arte, não deixo lugar à fantasia, porque entendo ser de uma extrema importância o conteúdo, antes do simples aspecto decorativo. Não que o decorativo não tenha uma função expressiva. São aspectos distintos. Explicar uma influência não me parece anódina à interpelação, mas estou na ideia de que a confrontação com realidades e exercícios ou práticas, acabam por priorizar tentativas em moldar a sua escritura artística, adaptando ou simplesmente respondendo um engajamento.

Que tipo de impacto o seu trabalho procura causar no pública? Que conselho daria a um jovem iniciante a artista plástico?

NB: É bem claro que o impacto nunca é direto, ou seja, repentino, mas gostaria que as minhas obras (nesse caso), ajudassem a uma melhor compreensão entre os Seres e que o mundo seja menos feroz e árduo a todos. Pelo menos, essa será permanentemente a minha essência. Uma contribuição para um mundo melhor. A essência de qualquer artista. 

Aos principiantes, o caminho por onde já passei e conheço os traços ou rastros, talvez o melhor conselho é serem livres, pertinentes, que a perseverança tem recompensa. Nada se faz sem trabalho, ou seja, nunca se chega ao topo sem suor. Acreditem no vosso poder.

Para concluir, acrescentava as ensinadas palavras do Saramago: “O Velho não pode o que sabe, O Jovem não sabe o que pode”. 

obras de Nú Barreto
Barreto Pasmo. | Foto: Thierry Caron/Paris.

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Por Benazira Djoco – Fala! Uniesp Centro Universitário

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