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E viveram felizes para sempre? Como o casamento virou uma construção social

E viveram felizes para sempre…”. O final feliz há tempos é objeto de desejo de meninos e meninas que viram príncipes em cavalos brancos e princesas muito bem afinadas dizendo e cantando sobre o amor. Riachos nasciam nos olhos daqueles que se permitiram acompanhar os amores improváveis das novelas que quase sempre acabavam juntos. Ah o amor…

Mas nem sempre foi assim. Aqueles que investigaram o germinar dos afetos nos revelam que, coincidentemente, ele é relativamente jovem. Principalmente, o amor que experimentamos hoje, já distante dos finais felizes e princesas encantadas. Publicamente, olhos já não ousam denunciar vulnerabilidades afetivas. O “para sempre”, entre aqueles que desejam, tende a ser ocultado como o maior dos segredos, nos esforçamos em ser cínicos sobre o amor. 

e viveram felizes para sempre
O final feliz é muito visto em contos de fadas. | Foto: Reprodução.

Nosso cinismo, já diferente das paixões adolescentes das gerações anteriores à nossa, denunciam que o amor, ao menos o amor romântico, não é algo inexplicável e muito menos eterno. Cada geração tem o seu jeito de viver o amor e dar sentido a ele. Mais que o amor mudam-se os casamentos.

Se voltássemos mais ou menos 1600 anos no tempo, conheceríamos São Jerônimo (naquela época só Jerônimo mesmo). Seus aforismos dão os primeiros sinais do que significava o casamento para os homens e mulheres da Idade Média. Para eles, o casamento monogâmico, que ainda se oficializava como realidade (por muito tempo os reis eram poligâmicos), não guardava quaisquer laços de afeto ou sentimento.

Casamentos começam a acontecer diante das necessidades cristãs de regular a sociedade. Nesse período, algumas premissas de São Jerônimo vigoravam, entre elas a impossibilidade de prazer sexual no casamento, disse o santo: “Nada é mais impuro do que amar a mulher como amante”.

Passados os anos, o casamento se tornava oficial e natural, respeitado e praticado entre boa parte da população de elite. No entanto, ainda não era o casamento tal como o conhecemos. Na Idade Moderna, os casamentos se tornaram necessários diante da necessidade de alianças políticas, reforçar a autoridade masculina (já que as mulheres são continuamente tomadas enquanto submissas) e garantir a manutenção de linhagens reais.

Ainda assim, as relações monogâmicas não estavam ligadas por relações afetivas entre os cônjuges. As descrições de Cervantes, no famoso Dom Quixote, melhor em Sancho Pança, descrevem as camadas populares indicando que, ainda que praticado entre as camadas populares, as uniões não se resguardavam tanto das licenciosidades e luxúria.

A repressão cristã sobre o sexo e o prazer, na Idade Moderna, gerou reações principalmente na arte. Nus foram frequentes entre pintores e escultores do período renascentista. Foram frequentes também as represálias da Igreja que deformavam as pinturas e esculturas, cobrindo a nudez delas com folhas de figueiras pintadas ou inseridas nas esculturas.

Os amores já se mostravam maiores que antes, ainda que frequentemente vigiados. Casamentos eram encarados como negócios de longa duração, naquele período, o amor ainda era muito pouco, insuficiente para uma decisão tão importante. Por isso, amores impossíveis como o de Romeu e Julieta foram frequentemente retomados na literatura do período. 

Só mais recentemente, com a Revolução Industrial, que o amor romântico, tal como conheceram nossos pais, germina. As pessoas se tornam mais autônomas, a realidade de baixa remuneração estimulara a vida em comum e a autonomia gerada pelas novas relações sociais tornara as pessoas mais livres nas suas decisões românticas. Importante ressaltar que, para as camadas populares, isso já era praticado há mais tempo, pois para a maioria deles não havia grandes efeitos políticos nos seus relacionamentos.

Hoje em dia, a autonomia do trabalho e da liberdade comportamental e, consequentemente, sexual foi responsável mais uma vez pela modificação do significa o casamento. Hoje, as eternidades são mais curtas e as responsabilidades financeiras e domésticas são compartilhadas. O amor está carregado de cinismo, ao mesmo tempo em que, com tantas liberdades, vez em quando autoriza histórias de amor cada vez mais intensas.  Ao retomar tantas mudanças, ainda fica mais uma questão: como serão os casamentos daqui a mais algumas décadas?

Fonte: PRIORE, Mary Del. Pequena história de amor conjugal no Ocidente Moderno.

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Por Diego Lino Silva – Fala! Universidade Estadual de Feira de Santana

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