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Crônica: A grande chatice da despedida e o “desabafo lírico”

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Por Isabela Fonseca Cagliari – Fala! PUC

O problema da despedida é que nunca sabemos quando chegará o momento. Sempre queremos acreditar que temos mais tempo do que realmente possuímos.

Na ilusão do tempo, nos perdemos de nós mesmos. Deixamos passar os segundos e, quando notamos, já é tarde demais, o relógio, infeliz instrumento, anunciou em alto e bom som e temos a sensação de que não aproveitamos da maneira que deveríamos ter aproveitado.

Fica a dúvida, a qual perturba o sono dos justos. Talvez nós não tenhamos a capacidade ainda de viver intensamente cada instante como se fosse o último, como diria Chico em “Construção”, ou a vida seja um sopro em que só nos damos conta na hora do juízo final.

A questão é que só percebi quão complexa e complicada era a tal da despedida no último abraço. Só pude ver que havia chegado o momento quando a porta de madeira maciça do apartamento havia sido fechada e trancada ao ritmo das chaves do chaveiro. Que barulho ensurdecedor é o do silêncio!

Não importa o ambiente, o danado sempre arranja um jeitinho de ecoar. Passamos a valorizar até os latidos, as buzinas, os alarmes e as sirenes. Pelo menos nos dão a mera utopia de não estar solto na solidão.

Nesse minuto, eu diria que gostaria de ver a fechadura se mexendo, de observar, vagarosamente, a já citada porta feita de caule de árvore sendo aberta; pediria apenas um abraço, bastaria ou, ao menos, é o que desejaríamos acreditar que sim.

A grande chatice da despedida é que ela não vem com aviso prévio, mas sim, vem a cavalo, com os trotes e tudo o mais. Como eu queria que os sábios tivessem explicado tim-tim por tim-tim a agonia da saudade.

“E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?”. E agora Drummond é tarde demais. Apego-me à trágica tentativa de aliviar o sentimento por meio da escrita e, nem assim, o vazio no peito continua intacto.

E agora, Drummond? Agora não existe mais agora, esse tempo já passou, virou passado, recebeu alcunha de museu. Era para ser poesia, depois, crônica. Transformou-se, sofreu metamorfose, em “desabafo lírico”, o novo gênero literário liderado por aqueles que sofrem e o guardam em uma gaveta velha com a tintura desbotada.

A vida é assim. A vida é como ela é. Entre chegadas e partidas, vivemos, respiramos e somos. O que somos? Não sei. Deixo essa bola mirada ao gol para o primeiro que quiser dar o lance inicial. O que nos resta é viver e saber que estamos em uma montanha-russa de altos e baixos. Nem sempre no topo, nem sempre no final do poço.

É um jogo de tabuleiro que, no “game over”, ganhando ou perdendo, o importante é a aventura vivida durante a partida jogada. Nunca foram os fins, como juraria Maquiavel; sempre foram os meios.

Entre encontros e despedidas é preciso viver. Através de um “desabafo lírico”, despeço-me das letras, espaços e palavras formadas, meus grandes e fieis companheiros, para superar a grande chatice da despedida.

O problema da despedida é que nunca sabemos quando chegará o momento. |Foto: Isabela Cagliari.

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