Por Julia Pestana – Fala!PUC
O amor não se decompõe
Ela ia todos os dias viver a manhã de 57 anos. Sua pele já desgastada era vulnerável a luz do novo sol. Suas rugas demonstravam tudo menos preocupação, e seu único objetivo naquele domingo rotineiro era que o perfume se exalasse na lápide fria. Seus passos eram curtos e sem pressa. Suas mãos tremiam, fazendo com que pétalas caíssem a cada esquina. Seus dedos eram finos e delicados, chamando a atenção para um deles, com um anel brilhante e preservado por 57 anos.
Chegava a frente de um longo portão, em um lugar com longas árvores, decompondo longas vidas em curtos espaços do destino de quem é vivo. Andou um caminho já decorado e parou em frente ao amor. Suas pernas ficaram trêmulas, então apoiou-se a pedra. Ela se fez chuva e deixou molhar as flores nunca antes recadas por lágrimas. Colocou as que trouxe ao lado de outra igual, porém que já estava murcha. Suas bochechas finalmente se coram. Se levantou da vida que nunca parou. Completava 57 anos ao lado dele, mesmo que algo que os separava se chamava uma tal de “vida”. Retornou seu trajeto e as flores a esperam no próximo domingo.
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