A Música Popular Brasileira (MPB) teve um grande reconhecimento e destaque nos anos 70. Influenciados e atingidos diretamente pela repressão e censura dos vestígios da ditadura militar, confira a seleção de músicas que retratam a resistência política e social por parte dos artistas durante este período.
Músicas brasileiras que marcaram os anos 70
Sangue Latino – Secos & Molhados
Lançada em 1973 e escrita por João Ricardo e Paulinho Mendonça, a canção de Secos & Molhados fez parte do álbum de estreia da banda. A composição de Sangue Latino alude à liberdade e a condição latino-americana de existência, como no seguinte trechos:
E o que me importa é não estar vencido
Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos,
Meu sangue latino, minha alma cativa
A performance do grupo também é marcante e atemporal. Além de Sangue Latino, que foi considerada pela revista Rolling Stone como uma das maiores músicas brasileiras de todos os tempos, músicas como O Vira também tornaram-se uma das mais tocadas nos anos 70. Vale a pena conhecer a banda!
Nine out of Ten – Caetano Veloso
Expoente do MPB, Caetano Veloso é uma das figuras mais emblemáticas do cenário musical brasileiro. A década de 70, em especial, foi marcante para o artista e para todo o movimento que viria a ser reconhecido como “Tropicalismo”.
Além de músicas como Sampa – uma homenagem à cidade de São Paulo, canções como a do álbum Transa, lançado em 1972, também devem ser mencionadas. Exilado em Londres, o álbum foi gravado no local e lançado em território brasileiro quando o artista retornou para o país.
A canção Nine out of Ten, composta em inglês, fala sobre os “anos de ouro” e o sentimento de, enfim, se sentir livre e vivo, “muito vivo”, nas palavras de Caetano. Em entrevista ao Jornal do Brasil, sobre o álbum e a canção:
Foi Transa que me deu coragem de fazer os trabalhos com A Outra Banda da Terra. Tem a Nine out of Ten, a minha melhor música em inglês. É histórica. É a primeira vez que uma música brasileira toca alguns compassos de reggae, uma vinheta no começo e no fim. Muito antes de John Lennon, de Mick Jagger e até de Paul McCartney. Eu e o Péricles Cavalcanti descobrimos o reggae em Portobelo Road e me encantou logo. Bob Marley & The Wailers foram a melhor coisa dos anos 70. Gosto do disco todo. Como gravação, a melhor é Triste Bahia. Tem o Mora na Filosofia, que é um grande samba, uma grande letra e o Monsueto é um gênio. Me orgulho imensamente deste som que a gente tirou em grupo.
Apenas Um Rapaz Latino Americano – Belchior
Composta para o álbum Alucinação (1976), a faixa é reconhecida como uma das mais populares de Belchior. A canção foi composta durante a Ditadura Militar e traduz o sentimento do povo brasileiro e principalmente da classe artista, que era constantemente censurada e vista como oposição ao sistema vigente durante esse período.
Confira trecho da letra, que retrata a vivência de Belchior durante o regime:
Eu sou apenas um rapaz latino-americano
Sem dinheiro no banco sem parentes importantesE vindo do interior Mas sei que tudo é proibido
Aliás, eu queria dizer
Que tudo é permitido até beijar você no escuro do cinema
Quando ninguém nos vê Não me peça que eu lhe faça uma canção como se deve
Correta, branca, suave, muito limpa, muito leve
Sons, palavras, são navalhas
E eu não posso cantar como convém
Sem querer ferir ninguém Mas não se preocupe meu amigo
Com os horrores que eu lhe digo
Isso é somente uma canção
A vida realmente é diferente
Quer dizer
Ao vivo é muito pior
Cálice – Chico Buarque & Milton Nascimento
A canção escrita por Chico Buarque e Gilberto Gil, em 1973, marcou história no cenário musical brasileiro. Através de críticas e metáforas, a letra é, até hoje, considerada uma das principais referências quando debatemos sobre o regime militar no Brasil. Ela, inclusive, foi censurada em seu lançamento inicial. Confira um trecho da canção:
Como beber dessa bebida amarga?
Tragar a dor, engolir a labuta?
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa?
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força brutaPai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangueComo é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
O “cálice”, aqui, vai bem além de seu sentido literal. Interpretando através de seu contexto histórico e social, percebemos que a palavra “cálice” foi usada como sinônimo para “cale-se” (censura), no caso, o ato de ficar em silêncio e se calar perante muitas das injustiças que o povo brasileiro vivenciou nesse período.
A palavra, em sentido figurado, também pode ser lida como “sofrimento moral e humilhação”. Escute a música:
Sociedade Alternativa – Raul Seixas
O hit Sociedade Alternativa fez parte do álbum Gita, de Raul Seixas, lançado em 1974. Expressando ideais filosóficos e que tangem à liberdade, podemos perceber, na letra, inspiração de bases teóricas de autores como Aleister Crowley. Confira um trecho:
Se eu quero e você quer
Tomar banho de chapéu
Ou esperar Papai Noel
Ou discutir Carlos Gardel
Então vá
Faça o que tu queres pois é tudo da lei
Da lei Viva! Viva!
Viva a sociedade alternativa! (Faz o que tu queres, há de ser tudo da lei)
Viva! Viva!
Viva a sociedade alternativa! (Todo homem, toda mulher, é uma estrela)
Viva! Viva!
Viva a sociedade alternativa! (Viva! Viva!)
Viva! Viva!
Viva a sociedade alternativa!
Além de Sociedade Alternativa, outros hits de Raulzito marcaram década, como Gita e Maluco Beleza. Rompendo os padrões morais até então presentes em sociedade, o artista revolucionou e abraçou a juventude ao almejar a liberdade em suas composições.
Extra: Panis et Circencis – Os Mutantes
A canção foi gravada em 1968, mas merece espaço quando pensamos em músicas dos anos 70. Os Mutantes ainda permanecem no topo como uma das bandas mais populares e reconhecidas de nosso País – tanto nacional quanto internacionalmente. Seus membros de formação original, como Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, continuam nas paradas musicais.
A música Panis Et Circenses é de autoria de Caetano Veloso e Gilberto Gil e foi interpretada pela banda em um arranjo de rock psicodélico, marcando o álbum de estreia dos Mutantes. Confira trecho da letra:
Eu quis cantar minha canção iluminada de sol
Soltei os panos sobre os mastros no ar
Soltei os tigres e os leões nos quintais
Mas as pessoas na sala de jantarSão ocupadas em nascer e morrer Mandei fazer de puro aço luminoso um punhal
Para matar o meu amor e matei
Às cinco horas na avenida central
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrerMandei plantar folhas de sonhos no jardim do solar
As folhas sabem procurar pelo sol
E as raízes procurar, procurar Mas as pessoas da sala de jantar
Essas pessoas da sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
Lançada durante a ditadura militar no Brasil, a letra é interpretada de maneira crítica, onde “panis et circenses” pode ser traduzida como o velho e conhecido “pão e circo”. A política é caracterizada por atos populistas, como os vivenciados durante a República Romana, onde eram realizados eventos e espetáculos em troca do silêncio e voto do povo. Ali, não havia liberdade para escolher seus representantes. Escute a música:
No contexto brasileiro – além da crítica ao regime militar – a canção também é interpretada como um grito às mudanças e valores culturais e estéticos, que, naquele momento, estavam sendo vivenciados de modo intenso pela juventude.
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Por Tainara Fantin – Fala! Unioeste