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Como surgiram os circos de horror? Veja a história por trás

Quando se fala em circo, a imagem que vem à cabeça normalmente é de felicidade, muitas cores, palhaços divertidos, acrobacias e números de mágica com coelhos fofos. No entanto, nem todos os circos da história corresponderam a esse ideal. Os circos de horror, ou “freak shows”, eram aqueles que tinham como atração principal pessoas com deficiências ou qualquer característica considerada diferente. A prática teve seus primeiros registros conhecidos na Europa do século XVII e ganhou muita popularidade entre os anos de 1840 a 1940, quando teve seu fim por não condizer mais com ​os valores culturais do momento.

circos de horror
Freak show em Rutland, Vermont, 1941. | Foto: Reprodução.

Os primeiros relatos conhecidos sobre os circos de horror

Lazarus e Joannes Baptista Colloredo foram dois irmãos gêmeos siameses nascidos em Gênova, na Itália, no ano de 1617, conhecidos por ganharem a vida em turnês pela Europa exibindo sua condição em “freak shows”. Segundo descrições do anatomista Thomas Bartholinus no século XIX, Lazarus possuía uma estatura normal e, contradizendo expectativas, um comportamento bastante cortês. Ele cobria seu irmão com uma capa durante grande parte do tempo e o protegia muito, mais do que a si mesmo. 

circos
Lazarus e Joannes Baptista Colloredo. | Foto: Anomalies and Curiosities of Medicine, 1896.

Ocorrida dois séculos depois, a história de Sarah Baartman choca até hoje. Nascida na África do Sul em torno de 1789, acredita-se que ela assinou um contrato com um cirurgião e um empresário ingleses para participar de espetáculos em Londres, onde mostraria seu corpo, que chamava a atenção por ser fora do padrão europeu. A maneira como os “empresários” de Baartman a tratavam horrorizou ativistas da época e fez com que eles fossem processados judicialmente, porém declarados inocentes.

Segundo Rachel Holmes, autora de A Vênus Hotentote: vida e morte de Saartjie Baartman, o show incluía dança e música, e Sarah bebia e fumava muito. Mesmo após sua morte precoce, aos 26 anos, sua exploração continuou cruelmente por vários anos. Foi feito um molde de gesso de seu corpo e seu esqueleto, cérebro e órgãos genitais ficaram em exposição no Museu do Homem de Paris até 1974, somente devolvidos a pedido de Nelson Mandela, em 1994. 

A popularização

Há relato de shows e feiras que utilizavam pessoas como entretenimento em vários períodos da história, porém, segundo o historiador John Woolf, esses eventos não eram tão populares e carregavam um estigma de serem vulgares e turbulentos. Foi durante a Era Vitoriana, no século XIX, que os shows de horror se tornaram realmente populares em toda a Europa e globalmente. Phineas Taylor Barnum ficou conhecido como um dos precursores do segmento ao fundar o Museu Americano de Barnum, o qual misturava espetáculos circenses com as bizarrices dos “freak shows”. Muitas das atrações criadas por Barnum foram também grandes farsas, como é o caso da famosa Sereia Feejee, um torso de macaco costurado em um rabo de peixe que foram apresentados como os restos mortais de uma suposta sereia.   

Um de seus personagens mais famosos da cena foi Charles Stratton, também conhecido como General Tom Thumb ou “a menor pessoa que já andou sozinha”. P.T. Barnum conheceu Charles em Connecticut, no ano de 1842, e ao perceber o sucesso que ele fazia ainda criança entre o público, levou-o até o Palácio de Buckingham para apresentá-lo à Rainha Vitória. A dupla obteve sucesso ao entreter a corte, logo Barnum e todo o movimento dos shows de horrores haviam atingido seu pico de popularidade, e eram um fenômeno agora encontrado em todo lugar, a todo momento. 

Sereia Feejee
“Sereia Feejee”. | Foto: Reprodução/Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de Harvard.

O declínio

No início do século XX, o cenário dos “freak shows” vitorianos começou a sofrer transformações. Os avanços da medicina trouxeram diagnósticos às condições dos performers, que deixaram de parecer tão surreais aos olhos do público.

Além disso, após o grande número de soldados que retornaram da Primeira Guerra Mundial com alguma deficiência, não parecia mais um consenso popular rir de assuntos como esse. Somado a todo esse contexto, a indústria cinematográfica, o rádio e a televisão se tornaram formas de entretenimento muito mais preferidas pela população, fazendo com que os circos de horror fossem praticamente extintos em torno do ano de 1950. 

Os circos de horror na atualidade

Hoje, nos Estados Unidos e em muitos outros países, a utilização de corpos humanos para exibições que não sejam científicas é ilegal. Porém, os shows de horrores não foram esquecidos e ainda despertam a curiosidade de muitos. O antigo parque de Coney Island, localizado em Nova York, é um dos poucos ao redor do mundo que tenta manter parte dessa história viva, de maneira mais digna. Criado por Dick Zigun, o Coney Island Circus Sideshow conta com performances não mais constrangedoras, mas puramente artísticas e com a premissa de celebrar a diversidade. O espetáculo possui também apresentações circenses com fogo e espadas, dança burlesca e teatro vaudeville

Coney Island Circus Sideshow
Coney Island Circus Sideshow. | Foto: Reprodução.

Os “freak shows” vitorianos acabaram se tornando um tema de inspiração constante também na cultura pop. No festival britânico de música e arte, Glastonbury, surgiu o The Circus of Horrors, uma performance que combina elementos do rock com o visual steampunk e horror. O grupo deu tão certo que está na ativa há mais de 25 anos e chegou até as semifinais do programa Britain’s Got Talent.

As referências estão muito presentes ainda na indústria do audiovisual. Uma das mais famosas foi a quarta temporada da série de terror American Horror History, que teve várias inspirações em histórias de pessoas reais. Esses são alguns dos vários exemplos de como algo negativo do passado foi ressignificado culturalmente. Hoje, os artistas que estão no ramo dos circos de horror não mais o fazem por obrigação e necessidade, mas pela arte. 

circos de horror atuais
The Circus of Horrors. | Foto: Reprodução.

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Por Leticia Negrello Barbosa – Fala! UFPR

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