*Nota: Nesta quinta-feira (24), a Rússia invadiu a Ucrânia e entrou, oficialmente, em guerra com o país. Por todo o território ucraniano, ataques aéreos e bombardeios foram flagrados. Os ataques, atualmente, ocorrem em zonas urbanas e longe dos centros militares do país. A Otan declarou que está se preparando para responder aos ataques. Diversas sanções econômicas foram impostas à Rússia.
A recente escalada da tensão entre Rússia, Ucrânia e Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) é motivo de alerta para uma possível guerra no Leste Europeu. A qualquer momento, a crise, motivada principalmente pela possível entrada dos ucranianos na aliança militar internacional, pode se tornar uma guerra com potencial para gerar instabilidade em todo o mundo.
Na última segunda-feira (21), a situação se agravou ainda mais, após Vladimir Putin reconhecer a independência de duas regiões separatistas pró-Rússia na Ucrânia – as províncias de Donetsk e Luhansk. O presidente russo assinou o documento com a decisão durante um anúncio televisionado e, mais tarde, ordenou o envio de “forças de paz” para essas áreas.
Em resposta imediata, Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, assinou ordem executiva que impõe sanções financeiras às regiões ucranianas favoráveis à Rússia. A partir de agora, está proibido o comércio, financiamento e investimento entre americanos e as duas regiões separatistas que Putin reconheceu independentes. Ainda fica vedada a entrada nos EUA de indivíduos que tenham Donetsk e Luhansk como destino de origem.
Na última semana, a tensão já era alta. Biden afirmou estar convencido de que a Rússia invadiria a Ucrânia nos próximos dias. O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, por sua vez, havia sugerido que o resultado do cenário poderia ser a “maior guerra na Europa desde 1945”, em entrevista à BBC.
Neste exato momento, cerca de 190 mil soldados russos já estão na fronteira com a Ucrânia, segundo números oficiais de inteligência dos EUA.
Para entender melhor toda a situação, abaixo estão pontos-chave a serem considerados.
Por que Rússia, Ucrânia e Otan estão em crise?
No entendimento de Vladimir Putin, a expansão territorial da Otan rumo ao Leste da Europa é uma ameaça para a Rússia. Em dezembro do ano passado, Moscou apresentou uma lista de exigências aos EUA e à Otan, nas quais estavam previstas a garantia de que a Ucrânia nunca entraria na aliança e a redução da presença militar nas regiões oriental e central do continente europeu. As propostas não foram aceitas.
Apesar de não ser membro da Otan, a Ucrânia é considerada uma parceira importante da organização, com reais possibilidades de ingresso no futuro.
Para Putin, esta entrada seria como ultrapassar uma linha vermelha. Em um pronunciamento recente, o líder russo afirmou:
Imagine que a Ucrânia se torne membro da Otan. Carregada com armas, com sistemas de ataque modernos, assim como Polônia e Romênia. Quem a deteria?
A Rússia também está preocupada com as novas aquisições bélicas da Ucrânia, que incluem drones de ataques turcos e podem servir contra os separatistas no Leste.
O estado de alerta para uma possível invasão da Rússia ao território ucraniano está aceso desde novembro do ano passado, quando o Kremlin passou a deslocar tropas e equipamentos em direção à fronteira.
O que é a Otan?
Afinal, o que realmente é a Otan? Pois bem, é a Organização do Tratado do Atlântico Norte. Criada em 1949, ela – também chamada de Aliança Atlântica – é uma aliança militar que nasceu durante a Guerra Fria.
Naquela época, o seu objetivo era combater o avanço do comunismo após a Segunda Guerra Mundial. O principal benefício entre os seus membros é o princípio da defesa coletiva, presente no seu artigo 5°. De acordo com ele, em caso de ataque a um país aliado, todos os outros devem se considerar agredidos:
As partes concordam que um ataque armado contra uma ou mais delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque contra todas elas e, consequentemente, concordam que, se ocorrer tal ataque armado, cada uma delas, no exercício do direito de legítima defesa individual ou coletiva reconhecida pelo Artigo 51 da Carta das Nações Unidas, ajudará a parte ou as partes atacadas, tomando imediatamente, individualmente e em conjunto com as outras partes, as medidas que julgar necessárias, inclusive o uso de força armada, para restaurar e manter a segurança da região do Atlântico Norte.
A primeira, e única vez, em que o artigo 5° foi invocado aconteceu após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos.
Quando o tratado foi assinado, no dia 4 de abril de 1949, havia 12 países fundadores, dentre Estados Unidos, Canadá, França e Reino Unido. Atualmente, o número de aliados chega a 30.
São eles: Albânia, Bélgica, Bulgária, Canadá, Croácia, República Tcheca, Dinamarca, Estônia, França, Alemanha, Grécia, Holanda, Hungria, Islândia, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Montenegro, Macedônia do Norte, Noruega, Polônia, Portugal, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Turquia, Reino Unido, Estados Unidos.
Em reação à fundação da Otan, os soviéticos criaram, em 1955, uma aliança militar. Conhecida como Pacto de Varsóvia, ela era formada por países comunistas da região leste da Europa. Todavia, o Pacto foi extinto em 1991, em contexto com o fim da União Soviética e a queda do Muro de Berlim.
A Otan, no entanto, não deixou de existir, e pelo contrário: antigos membros do Pacto de Varsóvia se tornaram membros da aliança ocidental. A sua política de portas abertas para novos países, desde que sejam cumpridos objetivos políticos, econômicos e militares, é o que também possibilita a entrada da antiga república soviética Ucrânia à organização. E o que preocupa a Rússia.
Como está a fronteira hoje?
O clima é extremamente tenso. A inteligência dos EUA estima que, agora, tenham cerca de 190 mil soldados russos cercando a Ucrânia. A Otan também já alocou dezenas de milhares de militares nos arredores da região, que, segundo ela, “são forças robustas e prontas para o combate”.
Rússia e Ucrânia já vivem momentos agressivos há alguns anos, com a troca de presidentes favoráveis ao Ocidente e a Moscou. Em 2013, o governo ucraniano desistiu de assinar um acordo de cooperação com a União Europeia (UE), que poderia resultar na sua entrada ao bloco. Os conflitos locais consequentes disso levaram à queda do então presidente Viktor Yanukovich, favorável ao Kremlin, e à morte de quase 10 mil pessoas, em um intervalo de dois anos.
O ano de 2014 foi marcado pela anexação da Criméia para a Rússia. Depois, em 2015, foi acordado o Protocolo de Minsk, que determinará um cessar-fogo na guerra no Leste da Ucrânia.
Kiev e os separatistas pró-Rússia têm se acusado de violações ao cessar-fogo desde a última semana. Observadores da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) registraram cerca de duas mil infrações do tipo somente no último sábado (19). O governo ucraniano informou que dois de seus soldados haviam sido mortos.
Nesta segunda-feira (21), a Rússia afirmou ter matado cinco pessoas durante uma tentativa de violação da fronteira russa a partir da Ucrânia. Kiev, no entanto, classificou o informe como “fake news”, negando a presença de forças do país em Rostov, local onde teria acontecido o conflito.
Putin, nessa mesma segunda (21), reconheceu a independência de Donetsk e de Luhansk, duas regiões separatistas do Leste da Ucrânia. Com isso, a tensão – já bastante elevada – na região tende a subir ainda mais.
De um lado, o líder russo ordenou, após o reconhecimento de independência das regiões separatistas de Donetsk e Luhansk, o envio de “forças de paz” para os locais. Do outro, os EUA já impuseram sanções, e mais países do Ocidente devem fazer o mesmo nos próximos dias.
Os EUA, há meses, dizem que a Rússia está buscando um pretexto para justificar uma invasão à Ucrânia.
E se houver invasão?
Seria um “ato grande de insensatez”, assim define o veterano de duas guerras Andrew Bacevich. Em entrevista recente ao GLOBO, Andrew, que também é historiador e presidente do centro de pesquisas de políticas públicas Instituto Quincy, diz acreditar em um acordo diplomático. Mas também vê que ações isoladas na fronteira podem ser suficientes para iniciar uma guerra.
Não há dúvidas quanto às terríveis consequências que uma invasão acarretaria para Rússia, Ucrânia e Otan – esta última, vale lembrar, envolveria mais 30 países. Além disso, uma guerra no Leste Europeu desestabiliza todo o mundo, envolvendo mortes, crises econômicas e grande fluxo de refugiados.
Separatistas pró-Rússia já exigiram a evacuação de civis na região do Leste da Ucrânia, acusando o planejamento de ações militares contra as autodeclaradas repúblicas separatistas. Kiev nega qualquer ofensiva.
Apesar de ambas as partes estarem com forças militares posicionadas para o conflito, a preferência é pela adoção de sanções e pressões políticas.
Os países membros da Otan podem determinar medidas contra a Rússia, e inclusive a Putin, em caso de invasão, como cortar o acesso dos bancos russos ao sistema internacional de pagamentos e limitar a exportação.
Os russos, em contrapartida, são grandes fornecedores de energia para a Europa, ofertando cerca de 40% do gás do bloco da UE. Há o temor de que o abastecimento vindo da Rússia possa ser afetado por pressão política e causar crises nos membros da Otan.
Haverá acordo?
Até o momento, não existe uma conclusão diplomática. No entanto, existem esforços de ligações, reuniões e a tentativa de cúpulas para que as tensões não ocasionem uma guerra no Leste Europeu.
O presidente francês Emmanuel Macron anunciou, no último domingo (20), que os líderes Joe Biden e Vladimir Putin haviam concordado, a princípio, com uma reunião de cúpula na tentativa de resolver a tensão na fronteira da Ucrânia. No entanto, de acordo com comunicado emitido pelo Palácio do Eliseu, na França, não houve a definição de uma data.
A Casa Branca confirmou que havia concordado com a iniciativa diplomática, mas ressaltou que não haverá encontro caso a Rússia decida invadir o território ucraniano.
Nós estamos sempre prontos para a diplomacia. Também estamos prontos para aplicar consequências diretas e severas caso a Rússia escolha a guerra. E, hoje, a Rússia parece continuar com os preparativos para uma invasão de grande porte na Ucrânia, daqui a pouco tempo.
afirmou Jen Psaki, secretária de Imprensa dos EUA
Em Kremlin, o porta-voz Dmitri Peskov comentou que “falar sobre planos concretos para organizar reuniões de cúpulas é prematuro”.
O que a Ucrânia deseja?
Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, afirmou que o mundo não está preparado para “pagar o preço” de mais uma Guerra Mundial. O seu pronunciamento pela paz foi realizado durante a Conferência de Segurança, realizada na Alemanha, na última sexta-feira (19).
O presidente ucraniano também disse que as sanções contra a Rússia devem ser tornadas públicas antes que ocorra uma invasão ao seu país.
A entrada da Ucrânia para a Otan é improvável no momento, sobretudo por conta da falta de confiança dos membros no governo de Kiev. Enfrentar a Rússia também não é uma opção bem avaliada, visto a diferença significativa entre as forças militares. Posto isso, especialistas defendem uma posição mais neutra do país durante a crise.
A tensão no Leste Europeu afeta o Brasil?
Mesmo que o Brasil não vá a uma eventual guerra, os impactos – como econômicos – podem ser sentidos. O presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL) até esteve na Rússia e se encontrou com Vladimir Putin durante a última semana. Entretanto, a viagem não teve relação com a crise na Ucrânia.
Atualmente, o Brasil somente possui o status de aliado militar extra-Otan dos EUA, concedido pelo governo de Donald Trump. No ano passado, já na gestão do presidente Joe Biden, o país declarou apoio para que o Brasil pudesse virar parceiro global da aliança no futuro.
Durante o último fim de semana, a Embaixada do Brasil na Ucrânia recomendou, em comunicado, que os brasileiros presentes no país redobrem a atenção e evitem idas para Donetsk e Luhansk, as duas províncias separatistas pró-Rússia. Também alertou para a possibilidade de cancelamentos ou adiamentos de voos internacionais nesta próxima semana.