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A ignorância e a falta de ética que têm perturbado corpos femininos

Há uns dias, presenciei em minhas redes sociais uma inquietação a respeito de um grupo de Facebook recentemente encontrado. Foi constatada uma página denominada “Festa no IML”, que circulavam memes e publicações fazendo insinuações eróticas de corpos femininos e apologia à necrofilia (perversão e desejo sexual mórbido por cadáveres). A situação veio à tona quando um casal denunciou os grupos que incentivavam essa prática. Foi relatado que circulavam fotos de partes íntimas das vítimas e até mesmo exposições de momentos já ocorridos, envolvendo ereções e violências sexuais por parte dos legistas responsáveis. Além disso, grupos de WhatsApp também faziam parte desse tipo de situação.

Assim que me deparei com essa notícia, veio-me o sentimento de repulsa, ansiedade e medo. É muito doloroso pensar que os corpos femininos são sexualizados e objetificados até mesmo em seus momentos de descanso, sem poder sequer se despedirem desse mundo terreno sem um pouco de paz e respeito. 

A necrofilia é uma prática que acontece desde o Egito Antigo. Por muitos anos, para desestimular o costume na sociedade, egípcios mantinham os corpos femininos decompondo de dois a quatro dias antes de serem levados para os embalsamadores, a fim de evitarem o ato. A lei foi declarada após ter acontecido inúmeras vezes esse tipo de violência antes de embalsamarem e/ou mumificarem mulheres. 

Hoje em dia, cometer vilipêndio (ato de fazer com que alguém seja humilhado) de cadáveres é considerado crime contra o respeito aos mortos, podendo ter pena de um a três anos de detenção e multa. 

Na sociedade patriarcal e machista em que estamos inseridos, pensar em gênero feminino é associar diretamente em um simples objeto de prazer e satisfação. Saber que, mesmo com as nossas vidas tiradas ou acidentalmente acabadas, somos estupradas e violentadas por pessoas que se sentem no direito de fazê-los, trazendo um sentimento de tristeza e inquietação. Será que estamos mesmo seguras? Nossos corpos são apenas corpos, ou não se passam de apenas um desígnio de prazer? 

Com essa realidade escancarada, posso afirmar meu sentimento de descontentamento por saber que a violência praticada já é tão normalizada, que não é uma surpresa isso acontecer. E acontece há tempos. Acontece nos olhares maliciosos que recebemos na rua, no motorista que se sente no direito de passar a mão em nossas pernas, no estupro que ocorre dentro de relacionamentos e fora deles.

A objetificação de nossos corpos é tão enraizada que, mesmo mortas, somos estupradas. Nascemos para servir e prover prazer. Somos visualizadas com olhares sexuais e violentadas por sermos quem somos. É imensurável pensar na dor dos familiares de uma vítima que esteve nessas condições. Além de sofrerem pela perda do ente querido, também precisam passar pelo luto da violência cometida e do desrespeito por parte desses homens. 

Ao considerarmos todas essas informações, podemos chegar em uma simples conclusão. Nossos corpos não são, de fato, apenas corpos. São objetos, meios e justificativas de prazer. E estamos muito longe de sentirmos proteção e segurança. Talvez esse cenário demonstre a gravidade e a profundidade do problema. 

“Toda depilada, nossa que peitão, baita de uma gostosa” foi o comentário feito pelos agentes funerários a respeito de uma menina de 24 anos que havia morrido por suicídio. Isso só demonstra o quão irrelevante é o valor de nossa vida e a nossa presença. Isso só relata a força do pensamento machista e depreciativo perante a mulher.

De fato, não há tempo para consertarmos uma sociedade. Nós temos pressa por revolução.

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Por Giulia Freitas – Fala! Cásper

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