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A falta de liberdade artística pode indicar o declínio de uma sociedade?

A arte proporciona o benefício do desenvolvimento cultural, apesar disso, ela é subvalorizada nas políticas públicas e seletiva no reconhecimento e visibilidade social. O poder dessa Instituição surge da capacidade de destruir verdades construídas e questionar órgãos de poder, uma vez que a produção cultural tem um papel fundamental na construção da identidade do sujeito, fazendo-se necessário o entendimento e bom uso desse poder simbólico. 

Arte como mercadoria
O conceito de arte vem mudando ao longo dos séculos. | Foto: Unsplash.

Arte como mercadoria

Por certo, a arte na atual sociedade líquida que nos encontramos vem moldando os seus valores com base no mercado. Por sua vez, devido à sua grande influência em todas as gamas sociais, o mercado vem uniformizando todas as representações artísticas com o intuito de formar uma arte meramente utilitária, exercendo controle sobre o que integra o pensamento alienado, e censurando o oposto. A limitação da arte é prejudicial para a capacidade cognitiva, intelectual e cidadã de um povo, uma vez que não garante os mecanismos para o questionamento do sujeito.

Através da análise do pensamento kantiano, podemos inferir que as ideias produzidas pela nossa razão correspondem a uma realidade externa, ou seja, o ser dogmático corresponde àquele sem pensamento crítico. Nesse ínterim, a arte surge como ferramenta da emoção para trazer o indivíduo à sua maioridade, induzindo-o ao esclarecimento. Entretanto, a sua função é impedida pelos interesses de mercado e a censura institucional, a exemplo temos o caso da fala do presidente Jair Bolsonaro sobre o seu desejo de “filtrar” as produções da Ancine.

Ademais, vale ressaltar o quanto a produção cultural global é elitista ao delimitar o que é e o que não é considerado arte. As consequências das discussões acerca das produções artísticas “inferiores” e “superiores” são facilmente observadas no corpo social, gerando um ideal excludente de aceitabilidade de determinadas manifestações culturais. Para melhor entendimento dessa problemática, temos o comparativo entre os poemas eróticos de Gregório de Matos, exemplo de literatura culta e valorizada e do outro lado temos o Funk, gênero musical cada vez mais marginalizado. É possível inferir o interesse de manter a periferia longe da produção artística de qualidade, reservando-a para o espaço noturno ou da rua. 

O princípio de orientação na contemporaneidade é a comercialização em detrimento do conteúdo. Somos incentivados a defender a reprodução mecânica das obras de arte, ou seja, a manutenção do consentimento acrítico da cultura. Desse modo, o declínio social é observado quando percebemos a afinidade da produção cultural com os interesses de mercado através da sobreposição dessa ideologia de consumo sobre a liberdade de expressão do artista, a fim de garantir uma arte não reflexiva e pouco representativa, evitando o debate público que levante discussões pertinentes para o desenvolvimento da sociedade civil. 

Como é possível pensar em liberdade artística quando estamos inseridos nesse contexto? Ela se torna impossível em uma lógica de Indústria Cultural que vê a arte como mercadoria de circulação rápida. Infelizmente, vivemos em um momento da valorização da visão mercadológica da arte em detrimento do seu caráter contemplativo e reflexivo. 

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Por Vitória Prates – Fala! Cásper

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