Editoras independentes se fortalecem em meio à crise das grandes livrarias e ao desinteresse crescente dos brasileiros pelos livros.
Em 2018, a Livraria Saraiva fechou 20 de suas lojas espalhadas pelo território brasileiro. A Livraria Cultura, também em 2018, precisou entrar com um pedido de recuperação judicial para tentar evitar sua falência. Segundo a pesquisa “Retratos da Leitura do Instituto Pró-Livro”, 30% da população brasileira nunca comprou um livro.
Mas qual é a relação entre essa crise que as grandes redes de livrarias estão sofrendo com o crescimento das editoras menores e independentes? Com a diminuição da popularidade de livrarias que tem seus produtos massificados – vários livros parecidos que agradam o leitor – crescem as livrarias menores já existentes e surgem novas no lugar das que fecharam.
Existe um preconceito com livros de editoras pequenas por parte das grandes livrarias, mas ocorre uma maior aceitação de editoras independentes no catálogo das menores que estão surgindo e crescendo.
Qual é o segredo para esse crescimento em meio à crise que das grandes redes de livrarias e do declínio do hábito de ler? Em busca de respostas, fomos entrevistar três protagonistas deste novo cenário.
Nós batemos na porta de um escritório no 16° andar de um edifício comercial e fomos atendidas por Lizandra com sua camisa branca, óculos e brincos pequenos. Antes de realizarmos a entrevista, nos sentamos ao redor da pequena mesa na frente da janela com uma bela vista de Pinheiros e conversamos com as três mulheres presentes na sala.
Lizandra Magon de Almeida, Nicolle Mahier e Michelle Henriques falaram conosco sobre algumas partes da realidade de trabalhar em uma editora, incluindo ter de lidar com pessoas que não cumprem prazos. Lizandra nos oferece um café e começamos a entrevista sobre ela, a Pólen, sua própria editora independente, e sobre os livros e editoras em geral.
Editoras independentes são relativamente menores, que pensam mais no conteúdo que querem produzir do que com o lucro que podem alcançar. Elas tendem a lançar uma maior diversidade de livros de uma forma menos massificada.
Segundo Lizandra, a Pólen é uma editora independente porque depende somente do dinheiro dela, não existem investimentos vindos de fora. Além disso, a Pólen também tem a possibilidade de, por focar mais no produto, “fazer uma maior quantidade de livros em uma tiragem menor”, para “sentir” o que os leitores gostaram ou não, e quais livros podem ser feitos em uma maior quantidade.
Bebel Abreu, criadora da Bebel Books, nos contou que em uma editora independente existe mais espaço para ousadia, é possível encontrar nos livros publicados por elas um estilo mais livre e diferente, o que é um risco ao qual as editoras maiores não podem se sujeitar.
Por deixarem de ter uma curadoria, afirma Bebel, as grandes livrarias viraram “uma coisa banal”. Segundo ela, essas estão em crise porque não souberam se gerir, porque “gastaram milhões nessas megastores que não tem muita alma”. Ao perceberem que todas as livrarias vendem os mesmos livros, os consumidores tomam a decisão de buscar “alternativas mais baratas, como a Amazon, a Submarino” e não ir até a loja física.
Uma outra questão é o relacionamento com concorrentes de maior porte. Assim como qualquer empresa, as editoras precisam ter uma relação com os autores dos livros que publicam, mas esse contato varia dependendo do tamanho da editora.
Nas menores, é muito mais comum um relacionamento próximo com a pessoa que escreveu o livro, a Pólen, por exemplo, gosta “de fazer o melhor livro possível para o autor e com o autor”, ou seja, a editora e o escritor sempre trabalham juntos, conversando e trocando comentários entre si.
Quando fomos entrevistar Lizandra, ela e as outras pessoas que trabalham lá estavam no processo de reedição da coleção “Feminismos Plurais”, coordenada pela filósofa Djamila Ribeiro. E ela nos contou que, para esse relançamento, além da comunicação constante e da maior liberdade e inclusão da autora no processo – assim como de todos aqueles que publicam pela editora – ambas as partes investiram dinheiro.
Fora as diferenças existentes no relacionamento funcionário-empresa, também é possível observar um contraste entre o ambiente de trabalho de uma editora independente e de uma maior. Quando questionadas sobre isso, Lizandra e Bebel responderam com termos diferentes, mas que seguem a mesma linha, flexibilidade e liberdade para a primeira, e independência e dinamismo para a segunda. Por trabalhar sozinha, Bebel nos diz que pode fazer o que quiser, pois a única pessoa que tem que agradar é ela mesma, o que “traz uma agilidade muito maior na hora de fazer as coisas”.
Ambas possuem uma autonomia maior, o que as permite escolher os livros que querem publicar, criando um equilíbrio entre aqueles que vão vender mais e podem alcançar um público maior, e aqueles que são projetos um pouco mais pessoais, que podem não atingir tantas pessoas, mas que elas querem publicar porque acham importante.
Um dos motivos que fizeram com que Lizandra decidisse criar a Pólen foi sua dificuldade em lidar com rotinas, não gostar de fazer a mesma coisa todos os dias. Ela percebeu que, com sua própria editora, poderia escolher entre várias funções para preencher seus dias, “um dia a gente está traduzindo, o outro editando, fazendo projeto gráfico, viajando para ir fazer feira e vender livro, eu gosto de poder variar meu dia”.
Outro fator que pode ser apontado é como o produto, nesse caso o próprio livro, pode ser afetado quando se trabalha com uma editora maior ou uma menor. Como já mencionado anteriormente, existe uma distinção no processo gráfico – número de exemplares produzidos – e no conteúdo dos livros. Mas segundo Nathália Thaise, uma leitora assídua de livros tanto de editoras grandes quanto independentes, não existe uma diferença perceptível entre eles, “as editoras independentes podem ter livros maravilhosos e livros ruins, assim como podem as editoras grandes.”
Lendo Menos ou de Forma Diferente
O crescimento das pequenas editoras também se deve ao fato de que os leitores brasileiros precisam, cada vez mais, ter sua atenção cativada por um livro para que o leiam, e essas editoras têm isso em mente, pensar em um produto que seja diferente e atrativo.
Bebel diz que as pessoas estão lendo menos porque tem muitas outras demandas, “acho que hoje em dia as redes sociais ocupam muito a cabeça das pessoas por exemplo”, e acabam gastando tempo com “uma coisa que não existia antes”, então acha que “o livro está disputando espaço com outros tipos de entretenimento e comunicação”.
Mas os brasileiros também estão lendo de maneira diferente, com as possibilidades das publicações digitais, como ebooks e audiobooks, eles passam a ter uma experiência diferente da que teriam ao ler um livro físico. Para Lizandra, se uma ferramenta serve para fazer algo chegar no maior número de pessoas possível, então é algo útil, portanto, se esse tipo de publicação digital faz com que mais gente tenha acesso a livros, é uma boa opção.
Ter vários livros em um aparelho só, que é pequeno e portátil, é muito interessante, como nos conta Bebel, quadrinhos e livros de arte não funcionam muito bem no digital, mas “para livros com texto, de literatura, é uma possibilidade maravilhosa”. Além da leveza e da portabilidade, a facilidade de se criar um canal de comunicação entre escritor e leitor é muito grande, o que não é tão comum com os livros no papel.
Uma alternativa para se ter essa interação entre quem escreve e quem lê o livro físico é o que as editoras pequenas e independentes fazem e o que as grandes editoras estão começando a perceber que precisam fazem. Lizandra nos conta que é muito importante ir à feiras de livros e que a Pólen “conta muito com o autor para ter uma divulgação e ter uma rede legal”, ou seja, é necessário se aproximar cada vez mais do público e ter um relacionamento que permite a criação de uma discussão para receber feedback e fazer livros que agradem o leitor.
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Por Karolyne Oliveira e Laura Okida – Fala! Cásper