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Dara Yurgan e os desafios das mulheres na política

Embora haja a discussão sobre a eficiência do tipo de representação de “presença”, ou seja, aquela em que mulheres devem ser representadas por mulheres na política, é certo que se não for suficiente esse tipo de representação, é necessário criar espaços plurais de discussões e tomadas de decisões.

Estabelecer um compromisso com esta luta é necessário, em que as mulheres sejam respeitadas e reconhecidas como portadoras de valores sociais, intelectuais e políticos.

A seguir, conheça a história de Dara Yurgan da Fonseca Ramos Fernandes.

Dara Yurgan - mulheres na política
Dara Yorgan fala sobre mulheres na política guineense. | Foto: Montagem/ Acervo Pessoal

Entrevista com Dara Yurgan – mulheres na política

1. Quem é Dara Fonseca Fernandes? Pode nos contar um pouco sobre sua trajetória profissional?

Nasci no hospital Simão Mandes, cresci e estudei nas escolas da capital, numa primeira fase na escola publica e intermédio no privado. Mas quando saí da Guiné-Bissau, em 1998, no último navio português que transportou refugiados de Guerra, andava no liceu Agostinho Neto.

Em Portugal, ingressei na escola secundaria Quinta das Flores em Coimbra, onde estudei na área científico-natural que incluía a biologia, a química e as ciências naturais de uma forma geral. Mais tarde entrei através do ingresso geral (dito exame nacional, contingente geral) no Instituto Superior de contabilidade e administração de Coimbra ISCAC para o curso de Gestão das Organizações. Mas, mais tarde licenciei-me em Gestão de Empresas pois, devido a reestruturação acadêmica do processo de Bolonha, o curso mudou de denominação.

Logo a seguir, consegui um estágio profissional na área de contabilidade e auditoria. Fim do estágio, trabalhei na área de faturação da Portugal Telecom e depois fui para Inglaterra trabalhar na área de auditoria operacional e financeira. Depois de 2 anos, voltei para Coimbra onde estava o meu marido e o meu filho, fui trabalhar para uma empresa de automóveis na área de administração e finanças e depois fui para Lisboa (em termos profissionais) trabalhar numa empresa que era o sonho desde o tempo da formação, na área de segurança e saúde no trabalho mais especificamente em faturação, controlo interno e financeiro do Departamento. Também em Lisboa tive a chance de me formar mais enquanto ativista e assumir o meu feminismo e também o meu ser Político. Portanto depois dessa passagem tomei a decisão de regressar a Bissau e fazer política, no e para o MADEM-G15. 

2. O que significa ser mulher na atual conjuntura guineense?

Significa ser o espelho do sacrifício, o saco de pancadas, mas que, no entanto, é a mais inteligente e mais capaz. Na conjuntura atual na Guiné-Bissau, existe uma regra bastante patente se for pão dou ao homem, se for arroz dou a mulher, porque ela vai arranjar água, sal e lume para cozinhar o arroz. Portanto a mulher aparece como o elo do sacrifício, mas é a que tem maior versatilidade e resiliência, talvez a sociedade está na fé de que “para as batalhas mais difíceis enviam-se os melhores soldados”. Não encontro outra explicação. 

3. Como confrontar a cultura machista tão presente na nossa sociedade?

Eu acredito que o Feminismo é uma boa “arma”, mas também sei que é preciso esclarecer primeiro a sociedade sobre este conceito e forma de luta. A nossa sociedade está muito vincada em termos da cultura do machismo e a meu ver, esse vínculo não se pode mais dissolver com campanhas de sensibilização, esse vínculo anula-se com a forma de organização que o homem determinou que seria a ferramenta social e educacional mais permanente e eficaz, o Direito (a Lei). Ou seja, devemos nos recorrer a lei para dissolver esse vínculo e depois podemos fazer campanhas de sensibilização para dissuadir o incumprimento da lei.

4. Compreendemos que a participação das mulheres na política é extremamente importante, porque nos permite mudar o sistema de dentro para fora. Além disso, os processos eleitorais, de modo geral, nos dão a oportunidade de eleger um governo mais representativo, que considere melhor nossa agenda econômica. Você poderia fazer uma breve análise da situação dos processos políticos africanos e da participação das mulheres?

Não passa longe do que eu disse anteriormente, a transformação tem de começar por ser mais “coerciva” a partir da lei só mais tarde é que a política entra. Posso dar um exemplo; a Guiné-Bissau é um dos poucos países do Mundo que tem em vigor a lei da paridade política, no entanto como essa lei não abrange a esfera jurídico nenhuma organização política o cumpre e o esforço das mulheres esgota-se aí porque pediu a ocupação de uma posição onde está o problema, mas não ocupa o lugar onde esta a solução.

É preciso uma mudança profunda de mentalidades sobre o papel da mulher na sociedade para depois podermos incentivar a entrada de mulheres no campo judicial e só mais tarde com o cumprimento da lei poderemos equiparar a entrada das mulheres nos lugares de decisão. Na África e na Guiné-Bissau de uma forma particular, a elaboração e a aprovação da lei por si só, prova não ser a solução. Mas sim o “forcing” sob seu cumprimento.

Penso ser mais imediato regular e agir sobre a entrada e permanência das meninas nas escolas e o posicionamento das mulheres nos tribunais e nas forças de segurança do que a entrada no parlamento ou no governo, que são órgão importantes, mas no neste contexto não serão eficazes a curto prazo. Nenhuma greve feminista ou de dita greve de sexo, foi feita com o objetivo de as mulheres estarem nas posições de decisão, mas sim com o objetivo de levar os homens a tomarem as decisões que as mulheres queriam ou que faziam diferença nas suas vidas. Portanto, em sociedades africanas, as mulheres resolveram os seus problemas de formas que marcaram a história e tiveram sucesso, pois atingiram os objetivos, logo as mulheres na Guiné-Bissau têm que perceber que o machismo resolve-se atacando o ego porque é aí a sua origem, o Ego. 

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Dara Yurgan fala sobre os desafios de ser mulher em Guiné-Bissau. | Foto: Acervo Pessoal

5. Quais são os tipos de mudanças na política e na sociedade que acontecem quando as mulheres ocupam lugares de poder?

É a situação de comparação das nossas vidas domésticas. As sociedades Mundiais caminham a um passo acelerado na questão de a mulher desempenhar os papeis tradicionalmente deixado ao homem e o vice-versa está a uma velocidade mais lenta, portanto, isso prova a versatilidade da mulher e que é manifestamente maior que a do homem.

O fato da mulher não ter o “orgulho masculino”, que neste caso seria feminino, leva-nos a uma maior abertura de diálogo e faz-nos ser melhores ouvintes na hora de tomar decisões. Depois é instintivo uma mulher pensar no tempo, com certeza, já ouvimos o meme de “quando discutes com uma mulher ela vai buscar a memoria de 10 anos atras”. Isso mostra como a nossa capacidade de análise chega ao passado e ao futuro e, portanto, naturalmente as decisões femininas são mais completas.

Quando uma mulher toma decisões, muda a condição direta de vida da sociedade no seu todo. Posso dar alguns exemplos para a Guiné-Bissau, se o supremo tribunal tivesse uma chefia feminina ou corpo maioritário feminino que pressionasse para a efetiva aplicação da lei da paridade sobre todos os entraves, provavelmente o percurso da décima legislatura seria diferente, porque foi prematuramente terminada também de baixa produção laboral por causa dos posicionamentos fundamentados no machismo estrutural. 

6. Em sua opinião, por que vemos tão poucas mulheres ocupando cargos políticos?

Na minha opinião existe pouco número de mulheres a ocupar cargos políticos por efeitos da pressão social vinda de uma sociedade machista. A política projeta a pessoa e ao tornar-se figura publica uma mulher fica muito exposta nesta sociedade, que além de estruturalmente machista, é caracterizada pela baixa escolaridade e um alto nível de corrupção logo são questões que afetam a mulher de forma negativa e torna-se um fator dissuasor de persecução de uma carreira política.

Claro que vou referir com muita dor, o palco de ofensas públicas a que a política guineense foi transformada em 2015 e da mesma forma aos assédios sexuais nos partidos, no ambiente político ou de trabalho que continua a ser um tabu em debates políticos.

7. Qual o papel dos partidos e suas lideranças nessa exclusão?   

É o papel da responsabilidade de inclusão. Os líderes políticos precisam demonstrar o respeito pela lei da paridade e empenhar toda a sua vontade no seu cumprimento. A isto tenho de adicionar o papel do eleitor/militante que faz parte da sociedade, e que deve pressionar a sua liderança política no sentido de respeitar todas as leis vigentes no país incluindo e essencialmente aquele que traz a Guiné-Bissau um renome Mundial em termos de vanguarda e inovação, essa é a lei da paridade.

As lideranças políticas precisam aparecer como embaixadores da paridade quanto mais não seja porque a maioria dos votantes são mulheres no caso da Guiné-Bissau. Toda a sociedade tem que fazer pressão para ter um partido político sem históricos de incumprimentos e a bem dizer “o Líder deve ser o primeiro a dar o exemplo”.

8. As falhas nas políticas sociais atrapalham esse engajamento das mulheres na política?

Sem dúvida que sim. As políticas sociais estão ligadas á família no seu todo e a mulher é a fonte da vida, portanto, a falta de políticas ou o mau desempenho das políticas sociais afeta o engajamento das mulheres na política.

Os fatores que mencionei acima (o machismo, a baixa escolaridade, as ofensas e o assédio) afetam os valores da família em toda extensão, por isso, provavelmente as políticas sociais, na área da educação, na área da saúde, da agricultura e do investimento particular deveria ser o ponto de partida para incentivar uma sociedade a cumprir com as políticas e leis especificas da equidade do gênero.

Como uma mulher consegue se engajar numa atividade voluntária como a política se a sua família não está a receber o retorno do Estado como ela sacrificou a vida toda para que fosse possível? Eu não consigo engajar na política se tenho um filho adolescente que não está a seguir os estudos, a fazer um curso de línguas ou a preparar para escolher uma profissão no futuro, mas está nas bancadas e becos a conviver com os amigos sem nenhuma perspectiva para o futuro? A má condição social é a primeira forma de excluir as mulheres. 

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Dara Yurgan fala sobre a falta de inclusão feminina na política. | Foto: Acervo Pessoal

9. Qual a sua opinião a respeito de desempenho das mulheres na política?

Comparativamente aos homens, as mulheres desempenham melhor o seu papel político. Mas é preciso referir que individualmente todas as mulheres na política têm ou tiveram um superior hierárquico masculino com uma agenda machista mesmo que não tenha consciência disso.

Depois disso também tenho noção que quando vou avaliar o desempenho das mulheres frutos de uma sociedade estruturalmente machista, é preciso considerar um teto social para esse desempenho, que é justamente a mentalidade machista (porque as mulheres também expressam essas estruturas do machismo). Portanto, perante tantos condicionalismos e limites, posso dizer que o desempenho da mulher é positivo e cada vez mais positivo, mas, no entanto, ainda afastado do caminho que lhe pode fazer com que seja tão bom quanto o de alguns homens na nossa praça política. Se analisarmos as barreiras que os homens colocam as mulheres, vamos perceber que para a nossa ascensão foi necessário um desempenho positivamente avaliado, aliás os homens com a mesma barreira simplesmente desaparecem, desmotivam e escolhem vias menos próprias.

10. Mesmo com as cotas, o que falta para as mulheres efetivamente participarem da vida política e serem eleitas?

Referi acima que na África e na Guiné-Bissau em particular, a questão da equidade do gênero não se vai resolver tanto com a criação das leis, mas sim com a coercividade associada ao seu cumprimento os partidos políticos manifestaram vontade em cumprir com a lei das cotas, mas deduzindo que não lhes iria acontecer nada acabaram por incumprir.

Portanto, o incumprimento da lei das cotas reside na impunidade generalizada. Por este cenário podemos deduzir que falta o Forsing para o cumprimento da lei, se dissiparmos a ideia da impunidade na sociedade vamos ter uma maior participação das mulheres na política, todos os aspetos dissuasor que mencionei são crimes tipificados e o próprio machismo também é revestido de uma serie de crimes por isso se a lei funcionar será meio caminho andado.  

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Dara opina sobre a eficácia das cotas. | Foto: Acervo Pessoal

11. Em sua análise, qual a saída para termos mais igualdade de gênero num país que ainda lida com a desigualdade salarial entre homens e mulheres, como se fosse algo satisfatório e normal?

Sinceramente a desigualdade salarial não é um problema de resolução imediato na Guiné-Bissau, existem muitas outras questões ligadas ao gênero, que já aqui foram referidas e que se revelam mais imediatos, até porque se resolvermos as questões já tratadas pelo resto do mundo a questão da igualdade salarial virá por inerência pois o resto do Mundo já está na fase de resolução da desigualdade salarial.

A saída mais imediata para a questão da equidade de gênero é fazer um referendo que obriga o parlamento a rever todas as leis da Guiné-Bissau e tentar atualizar com os atuais tratados e convenções mundiais. Quando vemos na Guiné-Bissau, uma ONG a incentivar a participação feminina no concurso por si lançado, mas as empresas estatais a esconderem os concursos através da pouca divulgação por forma a que a corrupção prevaleça nós damos conta que a ONG não está a promover a participação feminina cumprindo alguma obrigação legal da Guiné-Bissau, mas sim cumprindo as leis e convenções Mundiais. Reafirmo, a solução está no extermínio da impunidade.

12. Os espaços de poder ainda são um lugar predominantemente masculino? Como isso tem mudado ou deveria mudar?

Para responder a essa pergunta vou ter de fazer uma comparação que pode traduzir-se em autoelogio e quero ressalvar a minha modéstia. Como eu participo na política é em mim que tenho de tirar o exemplo daquilo que acho que cada vez mais as mulheres estão a revelar e por isso participam em maior número na vida política nacional. Como em tudo é necessária resiliência, e neste caso tem de ser em dose extra, é necessária uma família cheia de exemplos, a minha mãe e a minha tia e minha avó que me educaram, hoje não se afirmam como feministas, mas para mim são as primeiras feministas que conheci educaram-me para a independência, resiliência, dedicação e trabalho.

Depois provavelmente é necessário um marido feminista que siga e torça pelo sucesso da esposa seja em que área ela estiver. E, portanto, no meu pensar estamos na geração de feministas na Guiné-Bissau e cada vez mais sentimos o impacto e a diferença que essa geração de mulheres está a fazer na nossa sociedade. Esta mudança acontece na política e ao mesmo tempo no social e ainda em termos temporais também. Ao mesmo tempo a geração de feministas se preocupa em causar impactos na vida política da Guiné-Bissau está através de ativistas sociais a lutar para impactar também na sociedade e de igual forma que essas ativistas sociais trabalham com meninas e adolescentes para também impactar no futuro. Portanto, conscientes ou não gradualmente o amor dos papas para com as filhas (há mais mulheres que homens na sociedade, logo há mais homens que têm filhas do que filhos) está a permitir as mulheres estudarem mais, participarem mais e serem consequentemente mais independentes.   

13. Qual convite você deixa para as mulheres que serão impactadas pela sua mensagem?

Se existe algo que a mulher consegue construir e dar a este mundo e que faz bem a todos, é o Amor. Temos de perceber que é o amor de pai para as filhas, de maridos para as esposas e das mães para a sua família que vai mudar para melhor todas as sociedades. Para atingirmos a real equidade temos de dar amor e trabalhar com disciplina e versatilidade. As mulheres devem dar amor e continuar a trabalhar como guerreiras que sempre foram, a equidade chegará dentro daquilo que é a realidade e a cultura Africana e assim estará em perfeita consonância com os nossos valores e as inovações mundiais. 

Temos que dar Amor!

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Por Benazira Djoco – Fala! UNIESP PB

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