Somos todos os dias bombardeados de notícias sobre a crise da Ucrânia, nunca sabemos o que realmente está acontecendo, afinal uma cobertura de guerra não é tão fácil assim.
Há uma frase que define muito bem o papel da mídia na guerra: “A primeira vítima em uma guerra é a verdade”. De um lado temos a mídia russa controlada pelo governo, do outro, controlada por grandes magnatas americanos. Mas afinal, o que realmente está acontecendo na Ucrânia?
A guerra da Rússia x Ucrânia
O presidente Vladimir Putin não acordou de uma hora pra outra e decidiu invadir a Ucrânia para expandir seu território, que pelo visto já é bem vasto. Existe uma série de fatores, que não justificam uma guerra, mas que fizeram Putin agir dessa forma.
Devemos destacar que qualquer conversa séria sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia que não tenha a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e os EUA como centro é perda de tempo. Parece até que não tem ligação, mas foi o EUA que causou as tensões no leste europeu.
A crise ucraniana não tem nada a ver com a Ucrânia. Tem a ver com um país lá na ponta da Europa: a Alemanha. Em particular, com um gasoduto que liga a Alemanha à Rússia , chamado Nord Stream 2. Os Estados Unidos vê o gasoduto como uma ameaça à sua primazia na Europa e tem tentado sabotar o projeto a cada passo. Mesmo assim, o Nord Stream avançou e agora está totalmente operacional e pronto para uso. Assim que os reguladores alemães fornecerem a certificação final, as entregas de gás começarão. Porém, antes disso tudo, a Rússia entrou em guerra com a Ucrânia.
O que motivou a crise da Ucrânia?
O establishment da política externa dos EUA não está feliz com esses desenvolvimentos. Eles não querem que a Alemanha se torne mais dependente do gás russo porque o comércio cria confiança e a confiança leva à expansão do comércio. À medida que as relações se tornam mais calorosas, mais barreiras comerciais são retiradas, regulamentações são amenizadas, viagens e turismo aumentam e uma nova arquitetura de segurança se desenvolve.
Em um mundo onde a Alemanha e a Rússia são amigos e parceiros comerciais, não há de fazer transações de energia em dólares americanos ou estocar títulos do Tesouro dos EUA para equilibrar as contas. As transações entre parceiros de negócios podem ser realizadas em suas próprias moedas, o que deve precipitar uma queda acentuada no valor do dólar e uma mudança dramática no poder econômico. É por isso que o governo Biden se opõe ao Nord Stream.
Opondo-se, então, ao projeto, os EUA decidiu chamar a Ucrânia para participar da OTAN e poder colocar seus mísseis na fronteira com a Rússia.
O problema é que por mais que temporariamente fragilizada, com sua economia em hiperinflação, guerras contra a Chechênia, etc., ainda estamos falando da segunda maior potência militar e com o maior estoque de ogivas nucleares.
Os Estados Unidos e sua OTAN não respeitaram a realidade vigente das zonas de influência, que pode não ser bonita, que pode favorecer autocratas, mas é a representação atual de como o mundo é.
Afinal, na época da URSS, o que teria de errado em um país soberano como Cuba permitir que mísseis soviéticos fossem instalados em seu território? Se não lhe diz respeito, o que os Estados Unidos teriam a ver com isso?
Só que não é assim que política internacional funciona.
Mesmo mais enfraquecida, tendo permitido que 14 novos países aparecessem, ainda estamos falando de uma potência nuclear com poder de veto no Conselho de Segurança. Questão de tempo e ela voltará a intimidar aqueles que se intimidavam antes.
Enquanto isso os EUA — vivendo seu sonho de única superpotência —, tendo vencido na batalha ideológica, desafiaram a realidade que eles mesmos haviam prometido não desafiar: prometeram que a OTAN não se expandiria para além da Alemanha.
Hoje, a OTAN praticamente dobrou seus países membros, e junto com a União Europeia tem agido no sentido de expulsar a Rússia dos assuntos europeus. Ela não sendo uma organização anti-russa que é, já teria sido convidada a ingressar.
Mas sendo um país mais populoso que quase todos os outros membros, seria uma ameaça à liderança americana — que inclusive se beneficia disso não só politicamente como economicamente, ao vender equipamentos bélicos aos seus membros.
A OTAN se expandiu várias vezes desde o fim dos anos 90 e você pode achar qualquer coisa disso, mas na visão russa isto é visto como uma ameaça cada vez mais eminente.
Aliciar Ucrânia, Geórgia, foi visto como a gota d’água. Afinal a Ucrânia até 1991 pertencia diretamente ao mundo russo e deve praticamente tudo a aquele país. Por muito tempo era conhecida como Little Russia. A Rússia surgiu como país também em terras atualmente ucranianas.
O ponto é que ao fazer esse lobby de entrada da Ucrânia à OTAN, os Estados Unidos cruzaram uma linha perigosa: a Ucrânia de fato não é um país vizinho comum da Rússia como os outros. Para eles, ela, historicamente e culturalmente, representa mais que apenas isso.
Pecaram na ousadia e desestabilizaram mais o leste europeu onde sabiam que isso não seria mais tolerado, que não estavam em seu quintal ocidental. Mas ganharam na guerra das narrativas midiáticas, onde a impressão que fica é se tem o bem contra o mal, e em relações internacionais quase nunca é o caso.
Todos os países têm seus interesses, inclusive a Ucrânia.
Achar que um belo dia os russos ao acordarem resolveram do nada invadir a Ucrânia, ou achar que esse pensamento imperialista está restrito a eles e não tem suas justificativas — que novamente, podemos achar mil coisas, mas apenas com seu “hard power” elas fazem-se presentes — é ingenuidade.
Achar que a OTAN é uma aliança de defesa é mais ainda.
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Por Letícia Ferreira – Fala Uninove!