Como a mudança de hábitos causada pelo isolamento social afetou o mercado editorial brasileiro
De acordo com o Ministério da Economia, em 2020, as atividades artísticas, criativas e de espetáculos foram as mais impactadas pela pandemia no Brasil. Com cinemas, teatros e livrarias fechados, tanto o mercado quanto a população em isolamento tiveram que se reinventar e procurar soluções criativas para superar esse período. Já este ano, o avanço da vacinação e a reabertura do comércio trouxeram resultados positivos para o mercado editorial brasileiro.
Como a pandemia impactou no consumo e na produção de livros
De acordo com dados do Painel do Varejo de Livros no Brasil, em comparação ao ano anterior, o setor teve um crescimento surpreendente de 38,38% no volume de livros comercializados, além de um aumento de 28,46% no faturamento. Mais do que a recuperação do mercado, esses números revelam que, durante a pandemia, o brasileiro voltou a se interessar pela leitura já que, ficando mais tempo em casa, a população demandou mais elementos de lazer, incluindo o consumo de livros.
Esse crescimento pode ter sido desencadeado pela mudança de um hábito. Para os leitores mais tradicionais, a experiência de ir à livraria e ter o prazer de escolher um livro físico é insubstituível. No entanto, quando essa experiência foi negada pelos lockdowns, a alternativa mais buscada pelos consumidores foi a compra de livros online, em sites de editoras e livrarias ou nos famosos marketplaces – como Amazon, Mercado Livre e Estante Virtual. O presidente da plataforma de autopublicação de livros Clube de Autores, Ricardo Almeida afirma que “todos os negócios baseados em comércio eletrônico cresceram de maneira substancial. Especificamente no segundo semestre do ano passado, mais ou menos 80% de todo comércio eletrônico brasileiro se concentrou dentro de marketplaces. Isso mudou hábitos.”.
Outro fator decorrente da pandemia foi o aumento da produção literária, já que muitos autores encararam esse momento como uma oportunidade para se lançar no mercado. Ricardo Almeida reflete que não há ninguém que não tenha uma história para contar. Segundo ele, existiam dois grandes gargalos no mercado editorial – escrever um livro e então publicá-lo. Agora, com a possibilidade de publicação online, a única (e maior) dificuldade é escrever.
A autora gaúcha Íris Ribeiro – que já atua no mercado editorial com livros publicados no Brasil e em Portugal – optou por lançar de forma independente seu primeiro romance, O Desencantado Mundo das Fadas, no formato de e-book. Escrito em parceria com a sobrinha Natália Frazza, o livro narra a história de uma jovem que, em um momento de desespero, pediu às fadas para que a levassem ao seu reino. No entanto, quando teve seu desejo atendido, levou um choque ao se deparar com a realidade – o mundo das fadas era cruel e sombrio, totalmente oposto ao que ela imaginava.
Para o lançamento do livro, Ribeiro seguiu a tendência do período pandêmico e apostou em uma live realizada pela plataforma Google Meet, no dia 15 de maio. A autora considerou a experiência muito gratificante e acredita que o isolamento social contribuiu para acelerar o processo criativo.
A humanidade sempre aproveitou momentos de angústia para gerar uma explosão cultural. Segundo Ricardo Almeida, “momentos de angústia são obviamente péssimos, mas eles têm esse efeito colateral que é como uma válvula de escape para gerar uma produção cultural intensa. E a gente tá vivendo isso agora.” O Clube de Autores, por exemplo, teve um grande aumento de escritores, um grande aumento de livros sendo publicados. A gente tem hoje um pouco mais de 40 livros publicados todos os dias.”, conta Almeida.
O isolamento trouxe inspiração também para o advogado e escritor Schleiden Nunes Pimenta. A pandemia trouxe para ele um turbilhão de ideias, medos e insatisfações que contribuíram para impulsionar seu processo criativo: “Preso dentro de casa, a escrita serviu, mais do que nunca, como um meio de exercitar a liberdade”. Este ano, Pimenta publicou dois livros – o romance A bruxa de Paris, pela Cartola Editora, e a novela De volta à Recoleta, pela Editora Caravana. Enquanto este foi financiado pela própria editora, A bruxa de Paris foi um projeto realizado por meio de financiamento coletivo, que contou com lives promovidas pela editora e muita divulgação nas redes sociais. Segundo ele, o financiamento coletivo se mostrou um processo muito desgastante nos primeiros dias, mas com a força da editora e dos amigos a meta foi alcançada logo no primeiro dia.
A bruxa de Paris acompanha a misteriosa Florence, uma garota sem família, avessa às tecnologias e que só sai de casa à noite. De acordo com o autor: “é um livro de encanto e de estranhamento, com características distópicas e, apesar da fantasia, com um pouco de crítica social”. Pimenta decidiu disponibilizar seus lançamentos em ambos os formatos, pois, embora seja adepto do livro físico, ele reconhece a importância do e-book nos dias atuais.
A rapidez e o baixo custo de se produzir um livro digital são grandes atrativos para o formato que, por causa disso, pode ser repassado para o consumidor a um preço mais acessível. Em abril, o jornalista e professor Roberto Nicolato lançou seu terceiro romance, Pacto, por meio de recursos do programa de apoio e incentivo à cultura da prefeitura de Curitiba e da lei Aldir Blanc. Por ser um projeto financiado por órgãos públicos, o romance inovou ao ser disponibilizado para download gratuito. Pacto narra a trajetória de Ana, Júlio e Gabriel, estudantes universitários do interior de Minas Gerais que vivem no final da década de 1970, em plena ditadura militar. Com esse período de efervescência cultural e política do fim do regime como pano de fundo, os três universitários fazem um pacto de se encontrarem vinte anos depois, na praia de Copacabana, Rio de Janeiro. Esse reencontro, ocorrido na virada do milênio, é marcado por um acerto de contas com o passado, muitas desavenças e um final trágico.
Além de divulgar pelas redes sociais, Nicolato também entrou no mundo das lives para promover seu livro. Ele realizou três encontros digitais sobre a época da ditadura, conversando com sobreviventes do regime, estudantes universitários e com o escritor e também jornalista Luiz Ruffato, que escreveu o prefácio do livro. Para Nicolato, o isolamento social proporcionado pela pandemia contribuiu para a escrita do romance, pois lhe deu o tempo, a concentração e o envolvimento necessários para a empreitada.
De acordo com o jornalista, a escrita pode ser considerada um processo terapêutico, porque “você está envolvido com a história, com outro universo, e também até pra uma questão de curar um pouco essa solidão, esse afastamento do convívio. A gente acaba vivendo outras histórias. Pelo menos até agora tem sido uma forma de catarse.”. O Pacto ainda está disponível para download e pode ser baixado por meio do perfil do Instagram do jornalista.
Já a escritora e jornalista Luciana Romagnolli, paranaense residente em Minas Gerais, aproveitou a introspecção do momento pandêmico para produzir um livro de poesias. O mistério de haver olhos, publicado em junho pela editora Quintal Edições, é uma coletânea de poemas que a autora escreveu antes da pandemia, e que, ao visitá-los, percebeu que se encaixavam com o momento atual. Segundo Romagnolli, “a pandemia também, ao me colocar mais dentro de casa, de certa forma desencadeou um processo de escrita mais intenso e me fez olhar para esse material e arriscar dar a ele uma forma de livro. Até porque, especialmente no ano passado que a gente estava muito sem futuro, eu entendi isso como uma possibilidade de reinvenção, de recomeço, de questionar o que a gente gostaria de colocar no mundo, e eu gostaria de colocar um livro de poesia. E fiz isso.”.
O lançamento de O Mistério de Haver Olhos também foi realizado online, com uma live pelo canal do YouTube da editora. Romagnolli considera que atualmente há um “cansaço” do mundo virtual, já que a divulgação por plataformas digitais se tornou muito popular, mas isso não impediu o sucesso do lançamento do livro. “Achei muito interessante o evento em si, porque a gente criou para ele também um vídeo-poema. A gente conseguiu criar essas outras formas de apresentação do trabalho, foi uma experiência muito positiva, teve um público bacana, foi possível fazer um encontro bonito”. Em breve, o livro estará disponível em formato de e-book, mas já está disponível gratuitamente na versão de audiobook, narrado pela performer Grace Passô, nas plataformas de áudio e no YouTube.
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Por Giulia Michelotto – Fala! UFPR