A política e as artes cinematográficas constituem uma relação desde a primeira exibição cinematográfica, realizada pelos irmãos Auguste e Louis Lumière em 1889. A criação do cinema é decorrente de uma série de avanços tecnológicos protagonizados por vários cientistas diferentes, mas foi apenas no final do século XIX que o cinema se tornou presente na vida cotidiana. Desde esse período, sempre houve interesse por partes dos Estados em utilizar-se da grande popularidade do cinema para alcançar as pessoas.
A Indústria Cultural
A política, diferentemente do que é constatado pelo senso comum, tem extrema importância em toda a cultura humana, já que é por meio da política que as sociedades são organizadas, e isso abrange consequências tanto na vida individual quanto na vida pública. Nesse sentido, é viável pensar que o cinema também é influenciado pela política e pelo sistema capitalista vigente, já que a cultura é controlada pela política. Na época do nazismo, por exemplo, o cinema foi um grande aliado da Alemanha ao promover diante dos espectadores uma visão romantizada de Hitler e dos ideais nazistas, de modo que passou a ser comum ver pessoas emocionadas com o poder da guerra e da destruição. O cinema foi responsável por cultivar um sentimento nacionalista em um povo, mesmo que esse nacionalismo fosse responsável pelo extermínio de milhões.
Com o avanço do capitalismo, a política continuou usando o cinema como mecanismo ideológico para alcançar e influenciar as pessoas, porém houve uma alteração na forma como os conteúdos eram produzidos: anteriormente, os filmes provocavam sensações, como o sentimento nacionalista, por meio da romantização de ideologias; posteriormente, os filmes passaram a causar alienação, por meio do enfraquecimento dos ideais políticos.
Os filósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer chamaram de Indústria Cultural o impacto que as artes (o cinema, as artes visuais e plásticas, livros, músicas) passaram a ter na sociedade pós-Segunda Guerra Mundial, e como esse impacto continuou favorecendo os Estados Nacionais, só que de outra forma. A principal questão para Adorno e Horkheimer era: ‘’o que as classes médias e trabalhadoras fazem no seu tempo livre?”, e a conclusão foi que ambas as classes tinham um tempo de lazer tóxico. Ou seja, foi percebido que tanto a classe trabalhadora quanto a classe média passavam grande parte de seu tempo trabalhando e, em meio à exaustão, procuravam nas artes uma forma de relaxar. Quantas vezes o cinema não acabou sendo o principal entretenimento das famílias durante os fins de semana?
O sistema passou a se utilizar desse escape para fortalecer ainda mais a alienação. É importante para a política global – inserida dentro do sistema capitalista – que as pessoas evitem lidar com suas insatisfações, e que a real consciência política seja cada vez mais enfraquecida, porque diferentemente do que acontecia no passado, hoje em dia, as pessoas entendem seus direitos, mas se sentem enfraquecidas em lutar pela manutenção deles.
O entretenimento passou a ser uma indústria: a arte virou uma mercadoria, que é produzida visando apenas o lucro, e é consumida de forma passiva pelas pessoas; não há mais um senso crítico a respeito do que está sendo consumido, e quanto mais a arte se distancia de questões reais e políticas, mais o sistema lucra com a alienação. Os filmes de comédia romântica, por exemplo, marcaram Hollywood por serem os mais lucrativos dentro dos gêneros cinematográficos, porque não há nada que promove maior conforto no público do que uma história de amor com um final feliz.
O ativista político e sociólogo Thiago Torres, durante uma live no Instagram, discorreu sobre o impacto da indústria cultural e como isso poderia afetar as massas:
É notável que o sistema se aproprie da cultura para fortalecer os ideais morais presentes na sociedade, porém a sociedade é composta por diferentes classes, e isso pode ser uma resistência à alienação. Com realidades tão diferentes tendo acesso ao mesmo produto artístico, pode ser que o senso crítico se fortaleça: é impossível pensar que um pobre e um rico, ao verem um mesmo filme de romance, tenham a mesma percepção sobre ele, e essa diferença fortalece a noção de desigualdade, gerando também insatisfação, e quem sabe, mudanças.
Conclusão sobre a relação entre a política e as artes cinematográficas
Para Adorno e Horkheimer, portanto, o poder da mídia e do cinema sobre o público é propositalmente utilizado pelo sistema capitalista e é de extrema importância para que a política continue em pleno funcionamento. Essa relação de manipulação entre os Estados e a cultura é intrínseca ao modo como nós vivemos, porém pode ser alterada com o desenvolvimento do senso crítico. À medida que as pessoas tomam consciência de suas diferenças e da desigualdade que as diferencia, tanto a produção artística quanto o impacto da arte na sociedade passam a ser políticos: a arte volta a ter não somente o papel de entreter, mas, sim, de educar e de politizar as pessoas sobre o que faz elas serem quem são.
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Por Julia Baltazar – Fala! Cásper