El Dorado foi um sonho. Um sonho dourado, ornado de pedras preciosas, que atravessou séculos sem nunca ter sido vislumbrado ou desvendado. Durante o período das grandes navegações e da descoberta do “Novo Mundo”, o continente americano, em toda sua extensão, conheceu a Europa, e toda sua potência, através das incontáveis intervenções e dominações experimentadas por meio dos mais variados exemplares de exploradores advindos de todos os cantos do continente europeu.
Populações nativas foram inteiramente dizimadas durante esse processo; outras, foram dominadas e escravizadas por séculos e, ainda hoje, refletem marcas da violência sofrida por seu povo, cultura e sociedade. No que se refere à América do Sul, ou Latina se incluirmos a porção central do continente americano, a presença europeia foi fortemente marcada por portugueses e espanhóis, embora holandeses ou flamengos, ingleses e franceses fossem visitas constantes e igualmente indesejadas pela população local, que teve sua vida, hábitos, costumes e crenças devassados pelo pensamento eurocêntrico.
Mito de El Dorado
Eduardo Galeano, em As Veias Abertas da América Latina, trata do assunto com a crueza necessária aos juízos mais sensíveis e, inclusive, discute como a ambição europeia foi capaz de arruinar quase que por completo um continente tão vasto, tão rico. El Dorado, cidade incrustada de ouro e pedras preciosas, segundo lendas já repassadas no extinto Império Inca – com algumas variações, dependendo da influência cultural recebida e da localidade – que percorriam o continente de ponta a ponta, foi alvo de dispendiosas expedições auríferas durante muitos e muitos anos.
Existem narrativas que as primeiras investidas ocorreram ainda por volta da primeira metade do século XVI, sob a supervisão da coroa espanhola, nas áreas que hoje correspondem ao México, Equador, Colômbia, Chile, Peru, Guianas, Venezuela e a área do estado de Roraima, no Brasil. Naquela época, a corte espanhola, assim como as famílias mais abastadas, financiaram grandes campanhas em busca da cidade de El Dorado, nunca a encontrando, porém, apesar do testemunho escrito de exploradores da época que afirmavam ter encontrado às margens do imenso Rio Amazonas comunidades nativas vivendo em meio à riqueza sem delas extrair seu verdadeiro valor.
Muitos se dispuseram a desbravar a desconhecida Amazônia, região mítica povoada por amazonas e detentora de imensuráveis tesouros. A lenda de El Dourado atravessou os tempos com investidas fracassadas e chegou ao século XX, até quando se tem notícia, no ano de 1925, momento em que um explorador inglês (mais uma vez um europeu), acompanhado do filho e de um amigo, embrenhou-se nas matas da região que atualmente pertence aos estados de Rondônia e Mato Grosso e nunca mais foi visto.
É possível que tenham sido mortos pelo povo Kalapalo, mas é apenas uma suposição. Outras tantas expedições feitas na mesma localidade também desapareceram sem deixar rastros, rendendo à região a fama de intransponível, e isso é tudo o que sabe.
É curioso que, em pleno século XXI, El Dorado ainda fascine e permeie o imaginário de tantas pessoas. Apesar do avanço da ciência nas suas mais variadas áreas de conhecimento e do constante aprimoramento das tecnologias, que agora tornam o impossível algo simples e quase que corriqueiro, nada se sabe de concreto a propósito da cidade com ruas calçadas por paralelepípedos de ouro maciço ou mesmo a respeito utensílios e acessórios cravejados por diamantes e rubis, tampouco sobre a riqueza onírica que um dia adornou d’ouro o corpo de autoridades e entidades indígenas e que, como um pesadelo opaco, as dizimou.
Sonhar, às vezes, pode custar caro.
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Por Tassia Malena Leal Costa – Fala! Universidade Federal do Amapá