Recentemente, por volta do dia 29 de maio, mulheres de todas as idades começaram a expor no Twitter, uma rede social, casos de assédio, abuso psicológico e violência sexual sofridos por elas. São os chamados “exposeds” (significa “expostos”), os relatos dessas mulheres divulgados com o objetivo de dar visibilidade a esses casos e encorajar outras a falarem sobre o que passaram.
A violência contra a mulher (e cabe aqui dizer que existem vários tipos de violência: moral, física, patrimonial e sexual), infelizmente, é algo presente na vida de muitas e ocorre todos os dias. E sempre foi assim. Estamos inseridos em uma sociedade extremamente machista em que a cultura presente é a do estupro, na qual comportamentos sutis ou explícitos silenciam ou relativizam a violência sexual contra a mulher. Por conta disso, além dessas situações acontecerem o tempo inteiro, muitas mulheres não as entendem como erradas.
Uma mulher que realizou o exposed no Twitter e não quis se identificar na entrevista, relatou que não sabia que sofria abuso sexual na época que passou por isso.
Fui submetida a esta situação por mais de 8 meses, me causou sérios problemas, comecei a engordar loucamente, senti por muito tempo medo do toque de qualquer pessoa. Parei de sair, pois tinha medo de encontrá-lo. Quando já não estava indo mais à escola, comecei a pesquisar sobre o assunto e entendi que o que tinha acontecido não era culpa minha, nem vitimismo, eu entendi que fui brutalmente abusada por um longo período.
Além disso, ela conta que a grande repercussão do movimento e o apoio dos amigos lhes deram coragem para falar sobre isso abertamente.
Violência contra as mulheres e seus efeitos
Com essas histórias se proliferando e sendo compartilhadas a todo momento, a mulher se identifica e passa a entender que o que ocorreu ou ocorre com ela não é certo. Dessa maneira, é provável que se sinta com mais coragem para falar sobre algo tão horrível em seu cotidiano.
O leitor pode se perguntar o porquê desses relatos em vez de uma denúncia oficial. A Pesquisa Nacional de Vitimização (2013) verificou que, no Brasil, somente 7,5% das vítimas de violência sexual registram o crime na delegacia.
Um estudo realizado pelo Washington Post mostrou a relação entre as subnotificações, denúncias, condenações e falsas denúncias de estupro.
- Em rosa claro: Estupros não reportados às autoridades;
- Em marrom claro: Estupros reportados às autoridades;
- Em marrom escuro: Estupros que foram a julgamento;
- Em vermelho: Número de condenados;
- Em preto: Número de falsas denúncias de estupro.
A questão é muito complicada quando a palavra da mulher é colocada contra a do homem, nossa estrutura social defende o homem na grande maioria das vezes e a mulher segue lutando todos os dias para que a sua fala seja considerada.
Ademais, expor qualquer tipo de abuso não é fácil, a nossa sociedade não impulsiona a vítima a realizar a denúncia. Por esse motivo e muitos outros, como o medo do agressor, inúmeros casos não são denunciados e, quando são, muitas vezes, os desconsideram.
Isabelle Murollo, estudante de engenharia de 18 anos, não postou seu relato nas redes sociais, mas compartilhou e apoiou o movimento. Ela comenta sobre essa questão.
O processo inteiro é bem difícil: admitir para si mesma que uma situação como essa já aconteceu com você, parar de se culpar, tratar das consequências psicológicas e traumas, se sentir confortável para se abrir com outras pessoas, entender que quem fez isso é, sim, culpado, ter coragem de contar sua história em uma rede social para centenas de desconhecidos e, em alguns casos, ter a coragem de expor o agressor. Eu admiro muito todas as mulheres que fizeram isso e dei, e dou, meu total apoio.
Ela também conta que só se deu conta de que determinadas situações sofridas por ela foram assédio após ler os diversos relatos no Twitter.
“Agora, estou em casa, mas antes eu pegava um trecho de trem para ir e voltar da faculdade e já passei por situações de assédio simplesmente horríveis (…)”.
97% das brasileiras com mais de 18 anos afirmaram que já passaram por situações de assédio sexual no transporte público, por aplicativo ou em táxis, segundo pesquisa dos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, com apoio da Uber.
“Sempre que ando na rua, seja indo para a faculdade, seja perto de casa, eu sinto olhares maldosos de homens de todas as idades, ouço buzinas e, às vezes, até ouço frases que me deixam desconfortável ou até com medo…”, Isabelle complementa.
53% das adolescentes e jovens brasileiras convivem com medo diário de assédio, segundo uma pesquisa realizada pela ActionAid.
Como aluna de engenharia, ela percebe a diferença de incentivo e valorização que é imposta para homens e mulheres nesse campo de trabalho, outra característica que contribui para diversos cenários horríveis. Comenta também que alguns de seus colegas não possuem empatia, não se mostram abertos a esses debates e não gostam de falar quando esse assunto surge. Ou ficam quietos, ou replicam com falas sem sentido.
Outra consequência de todo esse pensamento é o feminicídio, o homicídio praticado contra a mulher em decorrência do fato de ela ser mulher ou em decorrência de violência doméstica.
Em um levantamento realizado pelo G1, o Brasil teve um aumento de 7,3% no número de casos de feminicídio em 2019, em comparação com 2018, com base em dados oficiais.
Um levantamento realizado pelo Datafolha, aponta que, entre os casos de violência, 42% ocorreram no ambiente doméstico. Após sofrer uma violência, mais da metade das mulheres (52%) não denunciou o agressor ou procurou ajuda.
Esse grave problema está em todo lugar, acontece com a grande maioria das mulheres e é um assunto que não recebe a devida atenção. As mulheres são educadas para tomar cuidado com todas as suas atitudes, roupas e falas. Seja dentro de casa ou na rua. Isso é totalmente errado, não são as mulheres que precisam mudar seu comportamento para não sofrerem. São os homens que devem se educar para não cometerem nenhum tipo de violência, para entenderem que não é não, que se a mulher não estava em condições de consentir não significa de jeito algum que ela deu permissão para qualquer coisa, entre várias outras coisas.
Tudo que é “pequeno” se torna um problema gigante, então, sim, a piada machista que você faz e todos os amigos em volta dão risada contribuem para a cultura do estupro. Você não acreditar no relato de uma mulher que sofreu violência favorece o machismo. O assobio, as cantadas com cunho sexual, toques inapropriados, qualquer coisa que a mulher não te deu permissão é violência, sim! Já chega de arranjar desculpas para quem comete esses crimes. Não dá mais para viver com medo e em alerta o tempo inteiro.
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Por Manuela Montez do Rio – Fala! Cásper