O mundo enfrenta um inimigo comum, invisível e desconhecido que vem preocupando líderes nacionais e instituições sanitárias e que, embora seja evidente o início da diminuição de casos em países considerados os mais atingidos pela Covid-19, continua alcançando números estarrecedores e alarmantes.
É fato que a pandemia surgiu na China em meados de dezembro de 2019, mais especificamente na cidade de Wuhan, na província de Hubei, no leste chinês, e se propagou de uma forma excessivamente rápida até atingir a grande maioria das nações do planeta. Desde então, diversas universidades e centros de pesquisa disponibilizam-se em estudos relacionados ao desenvolvimento, o mais rápido possível, de uma vacina eficaz e universal que possa frear o avanço do coronavírus.
Porém, deve-se ficar atento a um tipo de discriminação intrínseca na pandemia que, diante de tamanho problema de saúde, vai se fortalecendo principalmente nas redes sociais: a xenofobia contra os chineses.
Mas, antes de tudo, o que é xenofobia?
Xenofobia, em um conceito mais direto e plausível, é o preconceito contra pessoas de determinado país ou cultura acobertado pelo discurso de ódio de superioridade étnica, cultural ou religiosa. É segregacionista e, muitas vezes, é utilizada violência física e verbal contra as vítimas.
Atualmente, a principal manifestação da xenofobia a nível mundial é a intolerância contra imigrantes árabes e africanos na Europa, latino-americanos, nos Estados Unidos, e venezuelanos, no Brasil.
Qual a relação entre ela e a pandemia?
Milhões de pessoas (principalmente de países ocidentais) acreditam que a China é a grande ‘vilã’ e ‘culpada’ pelo alastramento do vírus em escala global. Apesar de não existir uma comprovação científica, algumas teorias políticas e econômicas pregam que o novo coronavírus foi criado em laboratório, com o auxílio do governo chinês, para implementar uma nova ordem mundial e, dessa maneira, tornar a China a principal potência do mundo.
Para vários estudiosos e historiadores, o vírus é a arma principal em uma possível guerra biológica, que poderá desencadear em uma Terceira Guerra Mundial e colocar o mundo em um rumo catastrófico nas próximas décadas. O que impulsiona a discriminação contra a população chinesa é a propagação de ideias de ‘culpa dos chineses’ por parte de líderes e influenciadores de países que possuem uma certa relevância internacional.
Questionamentos direcionados à cultura chinesa
Uma das diversas formas na qual é possível observar, na prática, a xenofobia são os questionamentos feitos por uma grande parcela do mundo ocidental em relação à cultura (principalmente alimentar) da China. A maioria das nações da América, Europa e boa parte da África estranham e repudiam a maneira como os asiáticos, de uma forma geral, se alimentam.
A gama alimentar chinesa é repleta de insetos e animais silvestres devido às crenças milenares de que esse tipo de alimentação é mais completa e saudável. O pico dessa discussão se deu devido à revelação de que o novo coronavírus surgiu após um cidadão chinês ingerir um morcego na região de Wuhan e, em seguida, alcançar o mercado de pescados da cidade.
Essa questão entrelaça-se com o conceito de ‘etnocentrismo‘, que consiste na sobreposição de uma cultura sobre a outra através de ideias impostas indiretamente durante a construção social de um indivíduo, fazendo com que ele adote a sua cultura e realidade como a ‘certa’ e ‘moderna’, e as demais como ‘incorretas’ e ‘ultrapassadas’. A xenofobia funciona como uma subdivisão do racismo estrutural, ou seja, é um crime grave contra os direitos básicos de um ser humano.
Publicações polêmicas de integrantes do governo Bolsonaro impulsionadas por Donald Trump
No início do mês de abril, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou, em seu Twitter, uma fala que polemizou a nível global:
Geopolíticamente, quem podeLá saiL foLtalecido, em teLmos Lelativos, dessa cLise mundial? PodeLia seL o Cebolinha? Quem são os aliados no BLasil do plano infalível do Cebolinha paLa dominaL o mundo? SeLia o Cascão ou há mais amiguinhos?
Pode parecer estranho, mas a fala do ministro ironizava a dificuldade que os chineses possuem em pronunciar palavras com a letra ‘R’ no português (por uma questão de fonética e costume, eles acabam por trocar o som do ‘R’ pelo ‘L’). Devido a isso, a publicação ainda comparou o modo como eles falam com o personagem Cebolinha, da famosa história em quadrinhos Turma da Mônica, de Maurício de Souza.
O principal combustível desses discursos é o alinhamento ideológico do governo Bolsonaro com o presidente norte-americano Donald Trump. Anos antes da explosão da pandemia, os Estados Unidos e a China já travavam uma verdadeira guerra econômica e de influência. Em consequência, de modo natural, as duas nações trocam farpas quase diariamente.
Aproveitando-se da crise de saúde, Trump destilou ameaças contra os aquirrivais. Em uma dessas falas, dita no fim do mês de abril, o norte-americano disse que a Casa Branca tem diversas teorias do surgimento do vírus e que o mundo logo saberá a verdade escondida sobre a crise, além de ter em mente o que aconteceu no Instituto de Virologia de Wuhan, apontado por ele como o marco zero da pandemia.
Vale ressaltar que a xenofobia não surgiu junto ao novo coronavírus. Ela vem arquitetando-se sorrateiramente em discursos banalizados e fantasiados como ‘liberdade de expressão’.
A indignação seletiva é outro ponto que deve ser abordado diante desse cenário. Em 1918, explodia no mundo uma pandemia causada pelo vírus Influenza: a Gripe Espanhola. Apesar do nome, há indícios de que esta tenha surgido no campo de concentração militar norte-americano durante a primeira grande guerra mundial.
Estima-se que a Gripe Espanhola tenha sido fatal para cerca de 50 milhões de pessoas ao redor do mundo e, até hoje, não houve qualquer retratação por parte do governo norte-americano sobre a pandemia do Influenza. Então, por que, mesmo com uma taxa assustadora de mortes no início do século XX devido à Gripe, os Estados Unidos não foram alvos de ataque por outros países como a China é atualmente? Apenas mais um dos questionamentos que o momento pandêmico trouxe ao mundo.
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Por Raul Holanda – Fala! UFPE