Um marco para o gênero coming of age (amadurecimento). O longa Você Nem Imagina da Netflix é mais uma aposta da plataforma nessa temática. Apresenta a construção, e também o amadurecimento, dos amores; romântico, fraternal e familiar.
Durante a narrativa, conhecemos Ellie Chu (Leah Lewis), uma jovem quase formada no ensino médio, natal de Xuzhou, China, mas moradora de Squahamish, uma pequena cidade nos Estados Unidos. A protagonista mora com o pai viúvo em frente aos trilhos do trem, e ganha a vida vendendo trabalhos para os colegas.
Por mais tímida que pareça, Ellie tem um talento para conversação e também mostra aptidão para ciências humanas, o que nos leva ao pontapé inicial da história, Paul (Daniel Diemer), um atleta gentil de sua escola, pede ajuda com a escrita de uma carta de amor para Aster (Alexxis Lemire), a partir desse momento, somos inseridos em um carismático triângulo amoroso.
Particularmente, as expectativas em relação à produção eram altíssimas, ainda que marcadas pela desconfiança. Nos últimos anos, a Netflix vem investindo na temática adolescência, quando estamos falando de séries, ela frequentemente acerta, como em Atypical, I Am Not Okay With This e Never Have I Ever, quando o assunto são os filmes, a plataforma tende a cometer diversos equívocos, a exemplo de The Kissing Booth e o roteiro problemático marcado pelo sexismo e Sierra Burgues is a Loser por perpetuar rivalidade feminina, assédio e cyberbullying.
Superficialmente, a trama apresentada é clichê, como estamos falando de um conteúdo já supersaturado, é compreensível esse diagnóstico. Contudo, somos introduzidos a um universo cheio de potencialidades, ainda que, pouco desenvolvidas com todas as nuances merecidas. O público não consome ideias, mas, se bem construída, a obra fugiria de maneira tranquila das sagazes trivialidades e entregaria um belíssimo romance LGBTQIA+.
Nos últimos tempos, é cada vez mais cobrado uma maior representatividade nas produções artísticas. Se o público já está saturado de filmes de romances adolescentes heterossexuais, em contrapartida, ele ainda clama pela presença de personagens LGBTQIA+ nesse gênero. Trata-se, realmente, de um filme encantador, ainda que raso.
Com uma tela preta de pano de fundo, somos introduzidos a citações que vão desde Platão: “O amor é apenas o nome do desejo e da busca pelo todo.” a da própria protagonista: “O amor é complicado, horrível, egoísta…e ousado.” Esses momentos ajudam a dividir a história, passando do momento cético de Ellie em relação à paixão até a constatação da sua complexidade e importância com o desenvolvimento do primeiro amor. Esse artifício vem a ser a melhor forma de conduzir a obra, já que todas elas tratam do amor, tese principal do filme.
O trio principal se contrapõe em diversas escalas, por exemplo, no que tange à religião, Ellie apresenta um caráter cético, Paul é marcadamente religioso e Aster é apontada como ainda em dúvida sobre suas crenças, mas os protagonistas se conversam quando o assunto é a confusão da juventude e o constante aprendizado sobre a vida.
Vale ressaltar uma reflexão levantada pelo longa vem a ser a relação com a Internet na atualidade, e em como esses ambientes possibilitam a construção de imagens irreais, já que, assim, buscamos mostrar versões melhoradas e adaptadas de nós mesmos.
Os poucos olhares trocados por Ellie e Aster demonstram uma grande química das atrizes, assim, facilitando a construção do carinho do público pelo casal.
O filme apresenta momentos louváveis, como a apresentação de Ellie no show de talentos da escola, a pintura de Aster no muro da cidade e o primeiro encontro das duas.
Entretanto, é curioso observar que a construção do Paul (Daniel Diemer) é mais efetiva que a da própria Ellie Chu (Leah Lewis). À medida que a história se desenrola, as ações dele não são vazias – como sentimos em alguns momentos com os outros companheiros de cena, a exemplo do relacionamento de Aster e Trig (Wolfgang Novogratz) -, mas sim, tem consequências em sua personalidade, as mudanças comportamentais ou ideológicas proporcionam o enriquecimento desse personagem.
O melhor momento a ser destacado trata-se de quando Paul tenta beijar Ellie e a protagonista recusa o ato, quando o amigo deduz que é por causa de Aster, ele diz: “É um pecado. Você vai para o inferno.’’, mas, pouco depois, somos levados à cena em que Paul percebe a importância da sua amizade com Ellie, no discurso público feito na Igreja, ele concluí: “(…) Andei pensando como seria horrível ter que fingir ser outra pessoa. Sempre achei que só havia um jeito de amar. Um jeito certo. Mas tem mais. Mais do que eu imaginava. E nunca quero ser o cara que deixa de amar alguém por amar do jeito que quer.” Provando o desenvolvimento de seu admirável arco dramático.
Outrossim, somos imersos na tentativa da trama de desenvolver diversos núcleos dramáticos, como a influência cristã, florescimento da sexualidade na juventude, a arquitetura de uma boa amizade, relação familiar distante, o prestígio da literatura, arte e filosofia na vida da protagonista e do seu interesse amoroso, Aster Flores, e como tudo isso se relaciona em uma logística de cidade interiorana. Infelizmente, a obra não consegue trabalhar todas essas narrativas de maneira aprofundada. O longa, ainda que com toda a sensibilidade no olhar, perde seu brilho ao abstrair-se de muitas dessas ideias, que seriam muito bem-vindas à trama.
Visto isso, é importante ressaltar o modo louvável em que a diretora Alice Wu filma a história, garantindo bastante personalidade à obra, por meio de cores soturnas, enquadramentos específicos e o próprio cenário.
Claramente, é um filme que clama por uma sequência. Esperamos uma próxima obra mais bem trabalhada no que tange aos conflitos rasos apresentados em Você Nem Imagina.
Sinopse e trailer oficial
Quando Paul (Daniel Diemer), um atleta da escola pediu para Ellie Chu (Leah Lewis) escrever uma carta de amor por ele, ela não imaginava que virariam amigos. E pior, que ela se apaixonaria pela crush dele.
FICHA TÉCNICA: Você Nem Imagina (ORIGINAL NETFLIX)
Título Original: The Half Of It
Duração: 104 minutos
Lançamento: 1 de maio de 2020
Distribuidora: Netflix
Dirigido por: Alice Wu
Classificação: 12 anos
Gênero: Drama, Romance
País de Origem: EUA
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Por Vitória Prates – Fala! Cásper