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Lições éticas e políticas do Venerável Fulton Sheen

Fulton Sheen foi um dos grandes nomes da História da Igreja do século XX, sendo muito conhecido pela sua grande capacidade na oratória e na publicação de notáveis obras acerca de Teologia, Ética e Política. Nasceu na cidade de El Paso, no estado de Illinois. Foi ordenado bispo em 1966 e exerceu tal cargo na diocese de Rochester . Era conhecido pela sua grande devoção e piedade prática, sendo que seus maiores objetivo e propósitos de vida consistiam na realização diária de uma hora diante do Santíssimo Sacramento e na celebração semanal de uma Missa em homenagem a Nossa Senhora. Vale ressaltar que Fulton Sheen era um excelente acadêmico e demonstrou uma enorme capacidade de produção literária.

quem foi Fulton Sheen
Fulton Sheen. | Foto: Reprodução.

“Em 16 de julho de 1925, defendeu sua tese de doutorado em Filosofia sobre Santo Tomás de Aquino. Sua tese foi publicada em livro, nos Estados Unidos e na Inglaterra, sob o título God and Intelligence. Impressionado com o trabalho do jovem estudioso, ninguém menos que G. K. Chesterton escreveu a introdução da obra. No ano seguinte, a Universidade de Lovaina conferiu-lhe o Prêmio Internacional de Filosofia “Cardeal Mercier”, sendo o primeiro americano a ganhar esse prêmio, que era concedido uma vez a cada década.” [1].

Além de sua vocação religiosa, Sheen foi professor na Catholic University of America, em Washington D.C.. Contudo, seu desejo primordial era a pregação e a exposição do Cristianismo para os fiéis. Devido à sua crescente popularidade, foi convidado para dirigir um programa de Rádio chamado The Catholic Hour (A hora católica).

“Diante de seu êxito missionário, o Cardeal de Nova York, Francis Spellman, indicou-o para o episcopado. Então, em 11 de junho de 1951, aos 56 anos, ele foi ordenado bispo em Roma. Em fevereiro de 1952, como bispo auxiliar de Nova York, ele estreou na televisão o programa Life is Worth Living (A vida vale a pena), que se tornou extremamente popular, chegando a alcançar a audiência de 30 milhões de pessoas em horário nobre.”[2].

Não obstante as adversidades ocasionadas pela Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria, o bispo nunca deixou de exercitar a virtude da esperança e nunca se afastou de sua missão de encorajar as pessoas no caminho das virtudes e da fortaleza. Enfim, Fulton Sheen foi um grande intelectual e pregador, cujas preciosas lições se fazem extremamente necessárias para os dias contemporâneos. Vamos analisar algumas de suas ideias centrais, tendo em vista promover uma breve aproximação com seu pensamento.

Ideias centrais de Fulton Sheen

1- “Se não viveres segundo aquilo em que acreditas, acabarás a acreditar naquilo que vives”

“O pensamento em questão procura frisar e ressaltar a necessidade da perseverança e do exercício constante de nossos valores éticos, nunca nos conformando com a conjuntura em que vivemos. As adversidades são instrumentos para nosso crescimento no caminho das virtudes e do Sumo Bem. O exercício prático da Verdade representa um valor moral inegociável, pois o conformismo nos leva a aceitar com passividade o mundo em que vivemos, com toda sua maldade, com todos os seus vícios e injustiças. Como diria Antonin Sertillanges, ‘A verdade também é uma defesa; fortifica-nos, alegra-nos, com ela, consolamo-nos de nós mesmos e dos outros, sua descoberta é uma recompensa, sua manifestação é uma nobre vingança nos tempos de contradição’.”[3].

2- “Liberdade que ignora a diferença transcendental entre o bem e o mal acaba por negar a própria liberdade (…) Nunca serás feliz se a tua felicidade depender somente daquilo que tu desejas”

Fulton Sheen estabelece que a liberdade não é meramente a possibilidade de realização simplista dos nossos desejos e satisfações, ou seja, não se resume a “vulgar existência animal do homem”, mas encontra-se intimamente relacionada com uma perspectiva virtuosa e deontológica da vida humana. Não há verdadeira liberdade sem a contemplação da Verdade, sem o exercício contínuo do Sumo Bem e da caridade. A dependência dos prazeres pessoais não passa de uma ilusão, de uma mera escravidão. Como diria Boécio, em sua clássica obra A consolação da filosofia, “A natureza dos bens humanos implica uma grande dose de angústia, pois ou nunca chega na totalidade ou nunca subsiste perpetuamente.” 

“Não estou lutando por uma liberdade que signifique que eu tenho o direito de fazer o que eu quero, mas por uma liberdade que significa que tenho o direito de fazer o que devo fazer. O dever pressupõe a lei; a lei pressupõe a inteligência; e a inteligência pressupõe Deus”[4].

3- “Os princípios morais não dependem dos votos da maioria. Errado é errado mesmo se toda gente estiver errada. Certo é certo mesmo se ninguém estiver certo (…) os números podem decidir apenas acerca duma rainha da beleza, não acerca da justiça. A beleza é uma questão de gosto, mas a justiça não tem gosto. A Justiça é sempre justiça mesmo que ninguém tenha justiça; e a injustiça é sempre injustiça mesmo que todos sejam injustos”. ( A vida de Cristo – Fulton Sheen)

A Verdade não é passível de alteração pela vontade da maioria ou pelo grau de adesão aos seus preceitos. A dimensão axiológica dos padrões que definem o certo e errado não podem depender da maioria, caso contrário, atrocidades cometidas pelo nazifascismo poderiam ser consideradas moralmente legítimas em sua época, contudo, em nome do Bem e da Justiça, pessoas lutaram contra os regimes totalitários e deram suas vidas em prol da continuidade da liberdade.

O heroísmo de um indivíduo está em sua capacidade de sofrer em nome do Bem e de permanecer no caminho da justiça apesar de todas as dificuldades. Como diria Ortega y Gasset, o homem nobre não limita suas escolhas aos desejos e vontades das massas.  “Somente para os que praticam a verdade, e não para os que a pregam ou a ouvem, vem a recompensa da coroa” ( Fulton Sheen)

4- “Nós tornamo-nos naquilo que amamos. Se amarmos o básico, tornamo-nos no básico. Mas se amarmos o que é nobre, tornamo-nos nobres”

Fulton Sheen resgata a concepção ética segundo a qual o que nos molda é o comprometimento do nosso coração. “Pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará seu coração” (Mateus 6:21). A grande problemática é se aquilo que amamos é realmente digno de nosso amor. Não é necessário muito esforço para alcançar um esclarecimento acerca da dignidade do objeto do amor. Como diria Winston Churchill, “Todas as grandes coisas são simples. E muitas podem ser expressas numa só palavra: liberdade; justiça; honra; dever; piedade; esperança.”

5- “De fato, para evitar que cheguemos a conhecer-nos a nós mesmos, fugimos do silêncio e da solidão. Para que a nossa consciência não nos acuse de maneira insuportável, procuramos afogá-la em entretenimento, distrações e barulho. Se nos encontrássemos a nós mesmos nos outros, nós os odiaríamos”

Aqui há uma verdadeira exposição acerca da natureza do autoengano e dos mecanismos que nos valemos para fugir do conhecimento de nós mesmos. O verdadeiro autoconhecimento exige uma profunda meditação, pautada na atitude de deixar-se atrair pela beleza de uma verdade, como diria Santa Teresa de Jesus. A contemplação é a postura exigida para refletir acerca de nossas falhas e faltas.

Não existe conhecimento próprio em meio à superficialidade e vulgaridade do entretenimento hedonista e das distrações do mundo. “E a mim parece que jamais chegaremos a conhecer a nós mesmos se não procurarmos conhecer a Deus; contemplando Sua pureza, veremos nossa sujeira; considerando Sua humildade, veremos o quanto estamos longe de ser humildes” (Santa Teresa de Jesus).

6- “O único modo de demonstrar amor nesse mundo é através do sacrifício”

Como diria Santa Teresa de Jesus, a coragem em sofrer muito ou sofrer pouco está sempre na proporção do amor. Não há amor sem compromisso, sem sacrifício. Amor autêntico é uma decisão de doação e não meramente um sentimento próprio de satisfação. Para Lewis, existem quatro “amores”: afeição, amizade, eros e caridade. Os três primeiros são amores naturais, ao passo que a caridade seria o amor ideal. É possível ainda distinguir entre Amor-doação e amor-necessidade. O Amor doação tem semelhança com o amor divino, ou seja, resplandece a caridade e beleza das virtudes. Pois bem, Lewis irá explicar acerca dos quatro tipos de amor.

Afeição é capacidade de amar aquilo que não tem atrativos. Trata-se de amar os inamáveis; englobando o perdão, a necessidade e a doação. Amizade é o amor menos instintivo e o menos ciumento, tendo como marcas distintivas a espontaneidade e liberdade entre os indivíduos entrelaçados por esse tipo de relação. Amizade é o instrumento que Deus se vale para mostrar as pessoas a beleza dos outros. Já o Eros é o estar apaixonado e envolve a sexualidade, sendo o mais perigoso dos amores, pois tende a transformar a paixão em uma religião e, todo amor natural que se transforma em um deus, transforma-se em um demônio.

A caridade, por sua vez, é o amor a que Fulton Sheen se refere. Ela envolve o amor-doação e se baseia, primeiramente, no Amor incondicional que Deus teve por nós. A caridade se funda no desinteresse e transcende os limites das debilidades humanas. No nosso âmago, todos precisamos da caridade, de um comprometimento mútuo capaz de suportar os defeitos individuais. A caridade é a rainha de todas as virtudes. 

“(…) É importante notar que se trata de um princípio básico da moral católica, que deve orientar todas as nossas ações, tornando-as verdadeiramente virtuosas. De maneira muito concreta, se vemos alguém que dá esmola a um necessitado, e o faz por interesse, por vaidade, aquele ato, que pode ser bom em si, não é virtuoso; socorrer o próximo em suas necessidades só será virtuoso se tiver sua finalidade em Deus. Dessa forma, as coisas mais simples e cotidianas da nossa vida — como um objeto que pegamos no chão ou um cumprimento que damos a alguém — podem ser uma oportunidade de amar a Deus de todo o coração; nenhuma ocasião é desperdiçada a uma alma enamorada de Deus (…) O segundo mandamento, “semelhante a esse”, é o amor ao próximo como a si mesmo. E para compreendermos esse mandamento, lembremo-nos das palavras de São João: “amamos, porque Deus nos amou primeiro” (1Jo 4, 19). Deus me amou! E se Ele me amou, devo amar-me por amor a Ele, e corresponder ao Seu amor amando-O num lugar muito objetivo: o próximo, porque “aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê”. [5]

7- “Singular espécie de paraíso esse, que é inaugurado pelo morticínio, pelo exílio e pelo confisco; estranha espécie de paraíso esse, que espera estabelecer a fraternidade pregando a luta de classes, e estabelecer a paz praticando a violência. Estranha espécie de paraíso esse que tem de recorrer ao temor e à tirania para impedir que alguém “escape” dele.” (Comunismo: o ópio do povo)

Fulton Sheen nos alerta acerca dos perigos das ideologias políticas que prometem uma espécie de “paraíso terrestre”  mediante a solução dos problemas estruturais da sociedade. Contudo, para alcançar tal objetivo, violam uma série de direitos e garantias fundamentais e acabam por mergulhar a vida política da nação num mar de autoritarismos e pretensões despóticas.

Na realidade, as chamadas “religiões políticas” explicam de forma muito coerente a ascensão dos regimes totalitários do século XX. “O principal responsável por fazer do Estado um Inferno foram justamente as tentativas de torná-lo um Paraíso” (Friedrich Holderlin). Quando a política deixa de ser considerada a “arte do possível” e passa a ser vista enquanto um instrumento de transformação da sociedade, do Estado e da própria natureza humana, as pretensões despóticas se tornam um perigo iminente e potencialmente destrutivo.

8- “Tolerância se aplica a pessoas, não a princípios. Intolerância se aplica a princípios, não a pessoas”

“A tolerância não se aplica à verdade ou a princípios. Sobre estas coisas devemos ser intolerantes e, para este tipo de intolerância, tão necessária para nos despertar do jorro sentimental, faço um apelo. Este tipo de intolerância é o fundamento de toda estabilidade.”[6].

9- “O princípio primordial da educação é formar o homem. Se da vida não extrairmos um sentido, ter-se-á malograda a educação. A vida é suportável sem futebol, sem grêmios, sem cinema (..) nunca, porém falte um princípio de coordenação e de avaliação de valores, para essas e outras atividades.” (Visões de Mundo em conflito- Fulton Sheen)

Se para nossas vidas não há um propósito maior do que nós mesmos, então não há um verdadeiro significado para nossas ações. O sofrimento é oriundo da ausência de perspectiva e sentido para nossas atitudes. “Sofrimento de certo modo deixa de ser sofrimento no instante em que encontra um sentido, como o sentido de um sacrifício” (Viktor Frankl). Por mais que busquemos os prazeres do mundo, ainda seremos tomados pelo tédio. Somente um propósito maior, um objetivo maior que nossa mera existência individual, é capaz de dar ao homem um sentimento de realização plena.

10- “É por isso que uma era de licença carnal é sempre uma era de anarquia política. Os fundamentos da vida social são abalados no mesmo instante em que os fundamentos da vida familiar são destruídos” (Angústia e Paz – Fulton Sheen)

“Os homens estão preparados para a liberdade civil na proporção exata de sua disposição a controlar seus próprios apetites com cadeias morais… A sociedade só pode existir se um poder de controle sobre a vontade e os apetites for colocado em algum lugar; e quanto menos houver dentro de nós, tanto mais haverá fora de nós. Pois está ordenado na eterna constituição das coisas que os homens de mente destemperada não podem ser livres. Suas paixões forjam suas próprias algemas.” (Edmund Burke)


[1]https://padrepauloricardo.org/episodios/veneravel-fulton-sheen

[2]https://padrepauloricardo.org/episodios/veneravel-fulton-sheen

[3] SERTILLANGES, Antonin D.  A vida Intelectual. Editora Kirion, 2019.

[4] SHEEN, Fulton. Orações para tempos de Guerra. Eclessiae Editora, 2019.

[5]https://padrepauloricardo.org/episodios/o-mandamento-da-caridade

[6]Fulton J. Sheen, Old Errors and New Labels. New York, NY: The Century Company, 1931.

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Leonardo Leite – Reaviva Mack – Universidade Presbiteriana Mackenzie

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