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Opinião: Os perigos do coletivismo de direita

“Quando a política pretende ser redentora, promete demais. Quando pretende fazer a obra de Deus, não se torna divina, mas demoníaca.” (Bento XVI)

“Nas ideologias modernas, os objetivos suplantaram os princípios.” (David Koyzis) 

O coletivismo de direita, enquanto uma cosmovisão política, vem crescendo cada vez mais no Brasil, começando a adquirir contornos perigosos para os rumos da nação. Contudo, ainda estamos longe desse movimento ser considerado como extremamente grave, mas justamente por esse motivo devemos nos preocupar agora, antes que crie raízes sólidas e se consolide no espaço público. Mas no que consiste o coletivismo em crescimento?

Ele está intimamente relacionado com o ideal de que o indivíduo deve ser sacrificado em prol do Estado, da Nação, dos partidos políticos. Surge como uma reação aos ideais do materialismo dialético e aos seus valores sociais, mas mantém os anseios autoritários do mesmo, pois coloca no Estado e nos líderes do governo a responsabilidade para promoção do suposto “bem comum”; sacrificando para tal, o indivíduo, as liberdades civis e até mesmo a própria noção de constitucionalismo. 

É compreensível que muitos cidadãos tenham desenvolvido afeições pelo movimento ideológico supramencionado, pois o brasileiro tomou consciência das consequências negativas do socialismo. A população brasileira adquiriu uma compreensão acerca dos males holísticos do materialismo histórico, da luta de classes e do intervencionismo estatal. Entretanto, o problema reside na solução que estamos procurando. 

Demos um passo para fora do socialismo, mas poucos reconheceram que ainda estamos com os pés firmemente plantados nas ideias coletivistas, sem saber o que são, ou quais são as suas consequências. Não basta entender que o socialismo é uma ideologia destrutiva.¹

O problema do movimento contemporâneo da direita reside num ponto primordial: a idolatria do Estado, cujas concepções tendem a reduzir a prática e exercício do “Bem comum” a uma tarefa única e exclusiva do poder público. O chamado “coletivismo de direita” é uma completa abolição do liberalismo político e das liberdades civis. 

A extrema direita procura livrar a educação, a economia e o direito das amarras da cosmovisão materialista, mas, ao mesmo tempo, mantém as pretensões despóticas do autoritarismo estatal e até mesmo reduz a responsabilidade pela renovação moral da sociedade ao Poder Público, achando que as mudanças irão ocorrer bastando o Estado estabelecer uma determinação normativa de corte de verbas para cultura.

Eles reclamam do controle da mídia e da academia pela esquerda, mas não têm interesse em permitir a liberdade pessoal e econômica, e sim em restringir a liberdade em nome da nação, do Estado, dos laços de sangue, terra, trono e altar.²

O coletivista de direita é anticomunista, não porque promove uma  defesa da liberdade civil e dos pilares morais da política, mas sim por uma paixão pelo conflito, pela afeição ao dualismo maniqueísta.  Ele reclama do controle da esquerda nas instituições de ensino, mas não age em conformidade com os pressupostos da ética das virtudes e da vida intelectual para transformar a realidade, porque só se preocupa em estabelecer rivalidades na esfera pública e social. 

“O diferente na extrema direita e na tradição de pensamento que ela representa é que ela não é de esquerda em sua visão política e cultural (…), e ainda assim é totalitária ao buscar o controle total da sociedade e da economia e exigir poder estatal ilimitado. (…) O segredo para entender o fascismo é este: ele preserva as ambições despóticas do socialismo ao mesmo tempo que retira seus elementos politicamente mais impopulares. Numa atmosfera de medo e ódio, ele garante à população que é capaz de manter suas propriedades, religião e fé – desde que todos estes elementos sejam canalizados num grande projeto nacional sob uma liderança carismática muito competente.” (TUCKER, 2019).

Jeffrey Tucker enumera quatro grandes motivos que explicam a ascensão do coletivismo de direita; são eles: a psicologia de grupo, o dualismo maniqueísta na esfera política, o fomento das chamadas “religiões políticas” e o neorrevanchismo. Quanto ao primeiro fator, o autor afirma que o caráter implacável da força dos movimentos coletivistas reside na reunião de indivíduos que compartilham das mesmas ideias, ressentimentos e angústias e sonham dos poderes e resultados que poderiam alcançar caso unissem esforços em prol de um ideal. Na maioria das vezes, o grupo procura identificar um “bode expiatório” (uma espécie de inimigo que deve ser combatido a qualquer custo) e começa a criar uma ilusão segundo a qual a prosperidade da nação só será possível mediante uma revolução a favor da derrocada desses inimigos.

O problema da psicologia de grupo, já apontava Viktor Frankl, consiste no sacrifício da individualidade de seus membros e da restrição fútil do sentido da vida aos propósitos de um determinado coletivo. Sendo assim, não há mais felicidade individual, mas a felicidade coletiva; não há individualidade própria, mas a identidade do grupo. 

Para Frankl³, a ascensão do coletivismo está relacionada com a completa perda de um significado para a vida, de um propósito que propicie a realização pessoal. É muito fácil cair nas armadilhas do fanatismo e dos totalitarismos quando o indivíduo abre mão de sua responsabilidade na construção de seu próprio Ser e passa a ser um instrumento da tirania da maioria. 

O outro fator consiste nas chamadas “religiões políticas”. Trata-se de um conceito desenvolvido pelo pensador Eric Voegelin4 (1901-1985). Seguindo a linha de pensamento do autor, as ideologias políticas contemporâneas estão cada vez mais se aproximando de uma perspectiva essencialmente gnóstica acerca da realidade. Os membros das mais variadas concepções políticas tendem a se considerar portadores de um “conhecimento especial” capaz de desvendar os mistérios de toda estrutura social e solucionar os diversos problemas que assolam uma nação. Entretanto, devemos nos lembrar que “[O responsável por fazer] do Estado um verdadeiro inferno foram justamente as tentativas de torná-lo um paraíso” (Friedrich Holderlin). Acerca das religiões políticas, Bento XVI5 comenta: 

A religião política não possui nenhuma verdade. Baseia-se na canonização do costume contra a verdade. Essa renúncia e até mesmo resistência à verdade (…) quer dizer que o bem do Estado é preferido ao valor da verdade.

Talvez o fator que mais esteja em destaque na política brasileira seja o dualismo maniqueísta. Trata-se da famosa ideia “se você odeia os antifascistas esquerdistas, não há outra posição a não ser um apoiador da extrema direita”. Em tempos como estes, parece que a política da prudência, como diria Russel Kirk, nos deixou ou simplesmente foi esquecida. Sendo assim, os coletivismos ganham mais forças. 

O neorrevanchismo é uma espécie de rancor com a chamada “ordem espontânea”. Friedrich Hayek afirmava que a sociedade costuma ser o resultado de milhões de pequenos atos racionais de interesse próprio que são canalizados numa ordem aleatória, não planejada, mas que no fim, consegue harmonizar os mais variados interesses, promovendo o bem comum e o bem estar geral. Trata-se de uma concepção que vem desde a tradição liberal de Adam Smith, segundo a qual o mercado e a livre iniciativa seriam capazes de garantir a harmonia das vontades em prol da ordem pública através das relações de comércio.

“Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos próprios interesses. Apelamos não à humanidade, mas ao amor-próprio, e nunca falamos de nossas necessidades, mas das vantagens que eles podem obter” (Adam Smith). Contudo , os coletivistas enxergam diferente. 

(…) A mentalidade da extrema direita considera tudo isso algo sem inspiração e nada inspirador. A sociedade, para eles, é criada pela vontade de grandes pensadores e líderes com visão ilimitada do que se pode ser. O que vemos em ação na sociedade é o resultado do planejamento intencional e consciente de alguém, de cima para baixo. (TUCKER, 2019, p.167)

É até mesmo engraçado ver nos movimentos de extrema direita a tendência em achar que a atuação do Estado é a solução para os problemas da nação. “O governo cortou verbas para cultura, logo, não teremos mais estímulo ao marxismo” ou “O governo estabeleceu uma lei de liberdade econômica, logo teremos menos intervencionismo estatal”.

Veja, não estou criticando a legitimidade de tais medidas governamentais, mas a tendência em achar que tais medidas resumem o bem comum e a cosmovisão majoritária de uma nação. Mais engraçado ainda é saber que as mudanças realizadas pelo governo atual podem ser simplesmente esquecidas e abandonadas pelo próximo governo. Por este motivo, a direita precisa se mobilizar para atuar com bom senso nas instituições de ensino, nos meios de comunicação, na cultura e nas associações  da sociedade civil.

A mudança de uma cosmovisão para outra não é expressa pela gestão pública do Estado, mas por uma atuação conjunta dos indivíduos por meio do diálogo e da prudência nas associações voluntárias; frisando as liberdades individuais, a liberdade de comércio e a necessidade de um espaço público que não caia nas armadilhas da bajulação política, do messianismo e da conivência cega aos governantes. 

Por mais que a direita tenha obtido sucesso nas eleições de 2018, não significa que o liberalismo ou conservadorismo tornaram-se a visão política majoritária. É nítida a influência do materialismo dialético na pedagogia, no direito, na cultura e nos meios de comunicação; esferas essas que são determinantes para auferir qual cosmovisão é de fato a majoritária.

Portanto, o governo atual pode atuar o quanto quiser promovendo políticas públicas, cortes de verbas para alguns setores, redução de gastos; tudo isso poderá não ser útil a longo prazo se a direita quiser uma mudança de mentalidade verdadeira e profunda. Mais uma vez, a reflexão proposta pelo presente texto não consiste em discorrer acerca legitimidade das atuais políticas governamentais. Particularmente, tenho grande apreço pelas medidas econômicas que estão sendo tomadas pelo governo, pois eram extremamente necessárias. 

Nesse quesito, a extrema direita é um desserviço para a promoção do liberalismo e do conservadorismo. Basta perguntar para um arquétipo do típico “bolsonarista”, quem é o pai do chamado “conservadorismo”? Quais são os princípios do conservadorismo expostos por Russel Kirk? A resposta será óbvia.

Portanto, tais movimentos de extremos realizam uma verdadeira banalização da Ação Política, elevando a ignorância a uma virtude. Acham que manifestações escrachadas resumem a esfera de atuação política.  Buscam no conflito pífio com a esquerda uma forma de satisfação própria; procuram no escândalo uma maneira de promover um coletivismo nefasto. 

Retomando, outro erro dos coletivistas direitas, já supramencionado, consiste em achar que o Estado atuando com base na cosmovisão “direitista” é sinônimo de transformação e renovação da visão de mundo da sociedade. A extrema direita fica presa a um ideal arcaico de nacionalismo militarista (herança de alguns pensadores como Georg Hegel, Johann Fichte, Thomas Carlyle, John Ruskin, Carl Schmitt e Giovanni Gentile) e se esquece da cultura e da influência no âmbito acadêmico e educacional. Como ressalta Yago Martins, a democracia brasileira é sempre uma alternância de cosmovisões no poder, ou seja, medidas adotadas pelo poder público hoje, mesmo sendo boas, podem ser desfeitas no amanhã. 

A mais dura verdade é que nos acostumamos com um tipo específico de organização democrática, a democracia totalitária – um tipo de democracia que não é nada mais do que uma ditadura da maioria, que impõe a vontade daqueles que tiveram mais poder de voto contra os que foram minoritários em cada eleição. Como cada ideólogo político deseja impor sua visão de organização social sobre todos, existe uma libido dominandi (vontade de poder) em cada eleitor, desejoso de que seu candidato transforme a realidade em algo melhor, ainda que isso signifique controlar ainda mais a vida de todos. (…) Nós morremos de medo de quem vai ser o próximo candidato eleito à presidência porque sabemos que uma vez assumindo o posto, este homem terá o poder de escolher e dominar nossas vidas privadas.

Portanto, o que realmente importa é o trabalho das associações civis voluntárias na promoção de uma cosmovisão de defesa da liberdade de espírito, da liberdade de mercado, da prudência e dos princípios morais elementares para o crescimento de uma nação, em contraposição aos ideais da “imaginação totalitária” de muitos. As políticas públicas não representam o único critério para auferir a renovação da mentalidade de uma sociedade.

Não obstante a defesa do conservadorismo pelo ceticismo político e pelas mudanças graduais na sociedade, o coletivista de direita defende mudanças abruptas na esfera social. É até mesmo comum ouvir de alguns o clamor pelo retorno da ditadura militar. Certamente, os contornos por trás da extrema direita são extremamente semelhantes às chamadas ideologias  gnósticas ou religiões políticas.

Vale ressaltar que o ideal segundo o qual “circunstâncias excepcionais” justificam lideranças autoritárias provém de um pensador nazista chamado Carl Schmitt, “o jurista do nazismo”. Portanto, achar que os estragos provenientes do marxismo devem ser combatidos com a consolidação de um autoritarismo não somente vai de encontro a toda tradição liberal e conservadora, como também procura trazer do túmulo um pensamento essencialmente totalitário. 

Concluindo, o atual coletivismo representa um perigo para o espaço público e para consolidação da Ação Política, pois não apresenta um desejo ardente pela ética das virtudes nem pelo autêntico e legítimo bem comum aristotélico, mas se contenta meramente com a oposição conflituosa aos partidos socialistas, através da cultura da bajulação, da conivência cega a um líder, valendo-se para isso de uma “ideologia gnóstica” totalitária. 

Talvez um dos indícios mais notáveis de que vivemos na era dos extremos seja o fato de que os assuntos do cotidiano se resumem a aspectos de políticas partidárias. Sobre o assunto, Christian Brially, coordenador do Núcleo de Ética e cidadania da Universidade Presbiteriana Mackenzie: 

Em minha singela opinião, penso que uma das mais evidentes comprovações da extensiva e ostensiva dominante interferência do Estado na vida comum do brasileiro é o fato de que, via de regra, as temáticas políticas e estatais ocupam grande espaço, às vezes, como a única pauta das simplórias conversas do cotidiano. Obviamente a necessidade e a importância do tema são imprescindíveis, contudo, poderíamos nos dedicar, também, a temas mais nobres e sublimes – há vida além da política partidária. Desejo o dia em que as mentalidades e o imaginário do povo brasileiro seja ocupado por tópicos vários e essenciais; que o Estado seja menor em extensão material e intelectual.

Por fim, se quisermos verdadeiramente promover uma mudança legítima na sociedade, sejamos verdadeiros com nossa cosmovisão, lutando pelo Sumo Bem nas mais variadas esferas da vida humana, seja nas instituições de ensino, na família, nas relações de emprego e outras. Creio que o segredo para o combate do materialismo consiste num exercício constante e holístico da Verdade, e não na mera redundância na esfera política. 

“O homem veraz corresponde à sua situação metafísica de homem (…) Compreende a responsabilidade que todo o homem tem, como pessoa espiritual, em face da verdade, e que se traduz na necessidade de reproduzir a realidade nas suas declarações; compreende a solenidade inerente a qualquer afirmação, dado que nas suas afirmações o homem é chamado a dar testemunho da verdade.” (D. Von Hildebrand)

Fontes:

¹ LIMA, Raphael. Apresentação à edição Brasileira da obra “Coletivismo de Direita: A outra ameaça à liberdade” de Jeffrey Tucker, Editora LVM, 2019.
² TUCKER, Jeffrey. Coletivismo de Direita: a outra ameaça à liberdade. São Paulo: Editora LVM, 2019.
³ FRANKL, Viktor E.  O sofrimento de uma vida sem sentido. São Paulo: É realizações, 2015.
4 Para mais informações acerca do autor, a leitura da obra “Reflexões autobiográficas” se faz extremamente necessária. VOEGELIN, Eric. Reflexões autobiográficas. São Paulo: É realizações, 2008.
5 RATZINGER, Joseph. Liberar a Liberdade: fé e política no terceiro milênio. Editora Paulus, 2019.

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Leonardo Leite – Reaviva Mack – Universidade Presbiteriana Mackenzie

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