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Laboratório de Leituras: iniciativa ganha prêmio Paulo Freire

Iniciativa de professoras da FAETEC ganha Prêmio Paulo Freire através do ensino integrado de literatura e ciências humanas.   

Em uma pequena sala de aula em formato retangular, alunos e professores se sentam ao redor de mesas alinhadas umas ao lado das outras. Ao fundo, a imagem preta e branca da escritora Conceição Evaristo ecoa a mudança trazida para a escola, através de um grupo de professoras que reinventaram o ensino de literatura.

De forma igual, todos falam, com microfone e atenção daqueles que ali estão. Não há palco, e nem quadro branco. Apenas as vozes e os conhecimentos de ambos os lados. O Laboratório de Leituras é um projeto de educação interdisciplinar, que atualmente reúne as disciplinas de literatura, história, sociologia e filosofia. A intenção da iniciativa é incorporar o conhecimento sobre literatura às outras diversas áreas do conhecimento.

 Professoras, visitantes e a escritora Conceição Evaristo, em 2017 no evento sobre amor urbano (Imagem extraída do Facebook)
Professoras, visitantes e a escritora Conceição Evaristo, em 2017 no evento sobre amor urbano (Imagem extraída do Facebook)

O projeto teve origem em 2016 e, de início, se resumia a reuniões entre as professoras e alguns alunos, que se encontravam para debater temas e autores específicos. Hoje, “o Laboratório de leituras é um espaço de resistência. Ele personifica tudo que há de diferente no organismo da escola. Não é somente um lugar de convivência com propósitos pedagógicos, mas também, escolhido como espaço de acolhimento pelos alunos.

Eles esperam que nos preocupemos com seus conflitos no mundo contemporâneo. Sintoma claro de que a escola não dá conta de uma demanda que se acumula há anos no seu espaço”, conta a coordenadora do projeto, Ana Lígia Matos. Professoras, visitantes e a escritora Conceição Evaristo, em 2017 no evento sobre amor urbano (Imagem extraída do Facebook). Em 2018, O Laboratório de Leituras entrou oficialmente na grade curricular de forma experimental, e hoje atua em quatro turmas diferentes.

A iniciativa conta com bolsas de iniciação científica, concedidas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro — FAPERJ. Ao entrar no segundo ano do ensino médio, todos os alunos da escola estão aptos a concorrer pelas vagas, desde que não tenham reprovado em alguma disciplina. A partir de então, os estudantes selecionados auxiliam na programação das aulas e, também, na produção do evento que ocorre todo final de ano, a ocupação cultural. Anna Beatriz Nunes, de 20 anos, foi uma das alunas que fizeram iniciação científica no Laboratório de Leituras.

Ela afirma que é muito difícil conseguir a atenção de crianças que nunca sequer tiveram contato com livros, e que o Laboratório é uma alternativa interessante para mudar essa realidade.

Quando ouvi a proposta do Laboratório, eu não entendi muito bem como poderia funcionar. Quer dizer, ensinar português e geografia durante uma mesma aula e ainda conseguir que os conteúdos fizessem uma conversa com literatura? Achei que era loucura. Mas acredito que no fundo o que realmente me causou um estranhamento foi encontrar professores dispostos a mudar sua didática para tentar algo novo. A experiência acabou sendo maravilhosa e o ambiente se tornou descontraído. Uma aula simples se tornava uma experiência de outro mundo. Eu vi alunos que aprenderam o conteúdo proposto sem nem perceber.

 Bolsistas e voluntários do Laboratório de Leituras, em 2019 (Imagem extraída do Facebook)
Bolsistas e voluntários do Laboratório de Leituras, em 2019 (Imagem extraída do Facebook)

Maria Eduarda, de 17 anos, foi aluna do projeto em 2018. No ano seguinte, ela deixou a FAETEC para entrar em outra instituição de ensino. A adolescente admite sentir “falta de tudo”.

Eu enxergava a literatura como uma coisa muito chata e pesada. Mas, nas aulas, as professoras traziam a literatura em forma de música, poemas, trechos de livros e tudo encaixava perfeitamente com o que está rolando no mundo. Eu percebi que a literatura é uma das formas mais bonitas e sinceras de lidar com a realidade ao nosso redor.

O projeto é motivo de discordâncias no ambiente escolar. Ainda existe muita resistência por parte do corpo docente que, apesar de apoiar a iniciativa, não se dispõe a entrar para o time de educadores. Até mesmo aqueles que decidem fazer parte da equipe encontram dificuldades para entender a dinâmica proposta.

Há uma certa resistência por parte dos professores que chegam ao Laboratório quando percebem que terão de abrir mão de uma pedagogia conteudista. É difícil dialogar com outro saber, já que a aula é sempre dada em dupla, ou melhor, é sempre um professor de literatura acompanhado de outro ligado a outra área de conhecimento. Porém, é bem gratificante quando, ao longo do ano, ele vai perdendo esse apego demasiado pelo seu saber e vai se deixando levar pela necessidade e interesse do aluno pelo texto, sem preocupação de deixar a sua marca pessoal. Entendendo cada vez mais que é necessário criar espaço de escuta e de voz para o aluno.

Finalizou Ana Lígia.

Maria Eduarda sentiu muita diferença no ensino das matérias ao mudar de escola. Ela disse que a iniciativa a surpreendeu, e que evoluiu muito ao longo do seu único ano enquanto aluna do curso técnico de edificações. Afirma, também, que mal sabia o quanto ainda precisava aprender sobre a sociedade em que vive, e até mesmo sobre si mesma.

É com esse tipo de aula, com esse formato didático e aberto, que nós, alunos, sentimos mais vontade em aprender. É um grande espaço onde podemos ser nós mesmos, expor nossas ideias, pensamentos e críticas. É uma formato de aula onde realmente somos impulsionados a pensar.

Apesar do desejo em expandir a atividade para outras unidades, as professoras encontram entraves estabelecidos pela própria FAETEC. Ana Lígia conta que, apesar de ter conhecimento do trabalho executado no Laboratório, a instituição não demonstra interesse em aprofundar o desenvolvimento dessa nova dinâmica. “É curioso que é uma rede de escolas, cujas unidades não se conhecem entre si, o que dificulta expandir a proposta para outras unidades”, finalizou a professora. 

A iniciativa também é responsável por trazer diversas pautas identitárias para o ambiente escolar. Em 2017, com o tema “Amor urbano”, foi iniciada a tradição das ocupações culturais. No ano seguinte, já bolsista do Laboratório de Leituras, Anna Beatriz ajudou na montagem do evento, que, desta vez, propôs um debate sobre corpo e território, além de questões como feminismo, racismo e LGBTfobia. Segundo a ex bolsista,

é relevante debater esses assuntos porque é na escola onde geralmente acontece o primeiro contato com o preconceito e a desigualdade. São muitas pessoas com realidades diferentes convivendo em um mesmo espaço. Pessoas que não compartilham da mesma opinião, que não tiveram o mesmo processo de formação e criação. É na escola que você se ‘descobre negro’, porque até então você não tinha consciência que seu tom de pele mudava alguma coisa sobre quem você é ou pode ser. É pra escola que as crianças levam a LGBTfobia que ouvem em casa. É na escola que você aprende que quando se é mulher você já está a cinco passos atrás na corrida por qualquer tipo de oportunidade.

Para ela, a escola representa um espaço de formação política e social, ao que completou:

É impossível formar um cidadão consciente e politizado sem abrir espaço para esse tipo de discussão na escola. É importante possibilitar a conversa entre todos os tipos de grupos, dos marginalizados aos privilegiados. É importante que o jovem cidadão tenha em mente que a luta por direitos é uma luta de todos e que a mudança não se faz sozinha.    

Da entrada da sala iluminada, repleta de imagens da escritora Conceição Evaristo, gritou a poeta Valentine: “Poetas VIVOS”. Era 24 de setembro e Direitos humanos foi a aposta da última ocupação, agora em 2019. Os alunos vinham a passos apressados, segurando seus telefones para capturar os momentos de intervenção poética, como uma forma de perpetuar o presente. Quase sempre os bolsistas, uniformizados com camisetas pretas, subiam as escadas e, lá de cima, olhavam perplexos.

As paredes não pareciam suficientes para conter todas as pessoas que ali estavam. Neste mesmo espaço, agora com as mesas guardadas no galpão ao fundo, todos assistiram intervenções literárias e recitais de poesias. “Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos. Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços”, o poema de Drummond ressoou ao final da apresentação da música “Cálice”, símbolo de resistência durante a Ditadura Militar, cantada pelos bolsistas.    

Anna Beatriz retornou à escola para reviver suas memórias:

As pessoas sempre dizem que o país tem que mudar, que a situação está crítica e que de certa forma tudo está ‘indo pelo ralo’. Mas o que quase ninguém percebe é que a mudança tem que começar na própria população. Nossos problemas são estruturais, começaram durante nossa formação e nunca mais pararam. Quantas vezes na nossa história o povo deixou de lutar e reconhecer sua voz justamente por não compreender seus direitos? Conhecer os direitos humanos e ser capaz de identificar quando alguém tenta tirá-los de você é importantíssimo.

Diz a estudante.

Ela defende que o Laboratório é um espaço de escuta, em que os alunos têm liberdade para afirmar seus ideais. De acordo com ela,

Quando você entende a realidade em que vive e que o modo como você é tratado está errado, você já está a meio caminho para mudar isso. A insatisfação move montanhas e o ser humano. Reconhecer os seus direitos, seus deveres e o processo de formação da sociedade atual é uma importante ferramenta para mudar a organização social em que vivemos. Todos nós fazemos política, conscientes ou não disso. Não tem jeito de fugir disso, o que podemos fazer é lutar que que ela seja feita de modo igualitário e inclusivo”

O projeto vem crescendo nos últimos anos. Em 2019, o Laboratório de Leituras conquistou o Prêmio Paulo Freire, concedido pela Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj). A primeira edição do prêmio teve mais de 150 candidaturas aceitas, e a iniciativa campeã foi anunciada no dia 11 de outubro. Antes disso, o Laboratório de Leituras estabeleceu uma parceria com o Laboratório da Palavra, núcleo literário da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo a coordenadora, Ana Lígia, a parceria é interessante, mas pouco diante do que acredita que a universidade tem a oferecer para o ensino básico.

As oficinas literárias e discussões pedagógicas que fazemos juntos já estimulam alunos e professores a buscarem caminhos alternativos para desestabilizar a relação entre ensino/ aprendizagem.

Finalizou

O laboratório deu voz aos alunos e segue ensinando que é dever deles ocupar qualquer que seja o espaço. Acho que a escola nunca mais vai ser a mesma porque os alunos já não são os mesmos. A visão que eles têm do mundo agora é completamente nova.

Acrescenta a antiga bolsista.
Bolsistas e professoras do Laboratório de Leituras, em 2019 no evento sobre direitos humanos (Imagem extraída do Facebook)

Me tornei mais politizada, mais consciente sobre o poder da fala e da ação. Querendo ou não, todo mundo vive em algum tipo de bolha e o projeto estourou a minha.

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Por Ana Flávia Pilar – Fala!UFRJ

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