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Sr. Pichador, não piche, eu doo

Você já deve ter visto placas que pedem aos pichadores e grafiteiros que não sujem muros e paredes e garantem que aquele local contribui com instituições beneficentes. Mas será que elas são verídicas? Para tentar descobrir o que está por trás desses avisos peculiares espalhados pela cidade, os três lados dessa história deram sua versões – grafiteiros, proprietários e instituições que supostamente recebem as contribuições.

O que é fato e o que é ficção nas placas que tentam afastar os grafiteiros com avisos de doações.

Legenda: Placa em hotel na Lapa, Zona Oeste de São Paulo.

Você já deve ter visto placas que pedem aos pichadores e grafiteiros que não sujem muros e paredes e garantem que aquele local contribui com instituições beneficentes. Mas será que elas são verídicas? Para tentar descobrir o que está por trás desses avisos peculiares espalhados pela cidade, os três lados dessa história deram sua versões  – grafiteiros, proprietários e instituições que supostamente recebem as contribuições.

Colocamos a placa e não picharam mais, não. Às vezes vêm só uns moleques e passam aquele giz de cera, mas a gente limpa”, afirma José dos Santos Vieira, 68 anos, zelador de um edifício comercial no bairro da Bela Vista há 43 anos. Ele disse que a placa havia sido colocada há cerca de 5 anos e que, antes disso, o local era sempre pichado. Pedi para que, se possível, me mostrasse os comprovantes da doação.

Muito simpático e solícito, me convidou a entrar no hall do prédio. “Tem que deixar sempre exposto aqui [o comprovante], porque sempre aparece alguém pra ver se tem a doação”, informou, ao mostrar o recibo de 100 reais doados a uma associação de franciscanos no centro de São Paulo.

Sr. José é zelador do mesmo edifício há 43 anos e acredita na eficácia das placas.

Um hotel na Lapa exibe, em letras garrafais, uma placa no muro alto: “Senhores pixadores (sic), este estabelecimento contribui com a instituição de caridade GRAACC”. Abaixo, o telefone da referida entidade. Entrei em contato a fim de saber se alguma lista de doadores poderia ser disponibilizada.

Uma funcionária informou que esse tipo de informação era sigiloso e que, se eu quisesse saber mais detalhes, deveria tentar falar com os responsáveis pelos estabelecimentos. Mas o acesso ao proprietário se mostrou quase impossível, pois sempre que alguém atendia, pedia para que ligasse em outro horário.

O que dizem os grafiteiros?

Isso aí é engana trouxa. Os pichadores não se enganam, entendeu? A não ser que seja um hospital, que normalmente é respeitado. Às vezes, eles respeitam. De resto, não inibe em nada. Passou, viu, vai fazer. Muitas empresas colocam essa placa pra enganar, mas não fazem doação alguma.

Disse Renato Thathá, 46, pichador há 28 anos e grafiteiro há dez. Ele tem grafites espalhados por toda capital paulista. Começou a pichar porque, nos anos 80, “era como se fosse uma obrigação”.

Participou de gangues, inclusive, mas foi um dos únicos a continuar no movimento. Quebrou o braço duas vezes por ter caído de construções e perdeu o movimento parcial de um braço por conta dos acidentes. Já até tomou banho de piche em uma ocasião em que foi pego pela polícia. 

Thathá estava em um evento de grafite que reuniu, em Guarulhos, mais de 150 grafiteiros de todo o Brasil. O muro cinza de 500 metros da Rua Cristolândia foi tomado por tinta, inúmeras latas de spray e imaginação dos artistas.

O grafite vem do underground, por isso tem aquela vertente de política. Foi inventado como uma linguagem de protesto. É um movimento. Por que o cara inventou o grafite? Para decorar? Não. Porque ele queria protestar.

Enfatizou Mike MKDOG.

O personagem que sai de sua lata de spray azul é um cachorro. Segundo ele, representa a forma como o povo é tratado pelo poder público.

Protesto estampado no muro, na camiseta e na pele de MK Dog.

Andei por toda a extensão da rua e conversei com 25 artistas. Desse total, apenas quatro nunca haviam pichado na vida, e duas eram mulheres. Perguntei a cada um sobre a curiosa “placa de prevenção aos pichadores”, se surtia algum efeito prático, e se eles levavam em consideração a possibilidade de o dinheiro economizado com a pintura do local ser doado a algum órgão filantrópico. Sete disseram que a placa tem, sim, um efeito impeditivo, que o pichador consciente respeitaria aquele local em virtude da placa.

Dina Inuma, 30 anos, grafiteira, relembrou uma ocasião em que já deixou de pichar o local por ter notado a placa. Os outros 18, maioria absoluta, enxergam a placa como piada.

Para mim, não produz nenhum efeito. Pichar, principalmente. A pichação é rebeldia. Para mim, incita mais ainda a pichação. Acho que esses lugares merecem. O que eu não vou pichar é uma casa, uma residência que poderia ser a minha, na minha quebrada.

Protestou Dinho, 24 anos, grafiteiro de arte abstrata.

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Gustavo Henrique Honório de Morais – Fala!Mack

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