Por Anna Capelli, Ingredi Brunato e Isabela Barreiros – Fala!Cásper
O movimento que repensa a velocidade e a liquidez na maneira contemporânea de se vestir
Cunhado em 2008 pela consultora e professora de design sustentável, a inglesa Kate Fletcher, o slow fashion surge inspirado no movimento slow food – uma contraposição política e filosófica à massificação e padronização oferecidas pelo fast-food. Assim como o slow food, outras organizações não governamentais também propõem uma redução na velocidade do ritmo de vida contemporâneo, formando o movimento conhecido como slow movement. O retorno ao “slow” e a oposição à velocidade constante do mundo moderno são os alvos dessa ideia, partindo de conceitos como sustentabilidade, consumo consciente, valorização do produtor e qualidade a longo prazo. Hoje, algumas marcas, designers, e até mesmo lojas com roupas de segunda mão, tendo em mente as mudanças na mentalidade do consumidor, podem optar por seguir noções de tal movimento.
Um dos conceitos empregados na prática do slow fashion é a preocupação com os impactos causados pela moda no meio ambiente. O consumismo natural do fast fashion preocupa: segundo o Relatório da Indústria da Moda da Global Fashion Agenda apresentado no Copenhagen Fashion Summit, a indústria da moda é responsável pela emissão de 1,715 bilhão de toneladas de CO2 – sendo estes 5,4% dos 32,1 bilhões de toneladas no ano de 2015. O empresário e um dos idealizadores da MUMO Moda, Rodrigo Tozzi, comenta que a preocupação em relação à sustentabilidade é algo que tem crescido no mundo da moda, sendo ancorada a uma demanda do consumidor, e, consequentemente, ao questionamento das pessoas, mas este ainda é um processo lento em relação à proporção do problema.
Com isso, o aumento na consciência das escolhas de consumo é notável e representa a importância dada à relação entre produção em massa, desperdício e consumismo. Ao entender que a rápida indústria da moda afeta o meio ambiente de maneira excessiva, novas marcas tendem a construir uma percepção mais sustentável para lidar com esse cenário. A MUMO, por exemplo, já usou algodão sustentável na produção de suas peças. Produzido por uma ONG internacional chamada PCI, que treina e capacita pequenos produtores em escala global para produzir um algodão que leva agrotóxicos a níveis muito controlados, tal algodão já ganhou inclusive um certificado por equalizar esse problema. Embora ele custe quatro vezes mais caro que o algodão tradicional, faz todo o sentido para a MUMO – a marca teve uma coleção completa feita a partir desse material, justamente pelo conceito que ele carrega. “E´ necessa´rio pensar em um sistema que contenha considerac¸o~es de sustentabilidade, equidade, desperdi´cio mi´nimo, cadeia de produc¸a~o em um ciclo fechado e economia local priorizada”, defende o artigo “Fast fashion e slow fashion: o processo criativo na contemporaneidade”, de Samantha Pereira Silva e Raul Inácio Busarello. A MUMO parece conseguir atender a tais requisitos com sucesso.
O relatório “A new textiles economy: Redesigning fashion’s future” foi lançado em novembro de 2017 pela Ellen MacArthur Foundation, e aponta que, a cada segundo, o equivalente a um caminhão de lixo cheio de sobras de tecido é queimado ou descartado em aterros sanitários. Ademais, por ano, 500 bilhões de dólares são jogados fora com roupas pouco usadas – que quase nunca são recicladas. “Tal modo de produção [o slow fashion] ajudaria na diminuição do descarte de roupas, algo muito recorrente na indústria da moda, posto que as coleções das marcas que adotam o slow fashion visam a qualidade e atemporalidade dos produtos, ou seja, não seguem as tendências em pauta nas passarelas”, defende Thalita Soares, graduanda em Têxtil e Moda pela Universidade de São Paulo. De fato, é crescente o número de marcas que, através do slow fashion, confecciona peças a partir de sobras de tecido e roupas ou materiais que seriam descartados. Existe também uma preocupação em reduzir ao máximo o desperdício de recursos tais como água e energia consumidos durante o processo de fabricação.
Rodrigo Tozzi acredita que a preocupação em relação à sustentabilidade é algo que tem crescido no mundo da moda, e que vem ancorada a uma demanda do consumidor. Ele ressalta a importância do comprador no processo de popularização da moda consciente: “No final do dia, quanto mais o consumidor entender e demandar isso da indústria, mais as coisas mudam”, afirma. E a atenção recebida pela causa parece ser mesmo crescente, sendo tratada também nos cursos da área. “A moda ecológica foi abordada em algumas aulas sobre a matéria prima, abordando a reciclagem de garrafa PET, como por exemplo, e métodos dentro da indústria da moda que podem diminuir os impactos ambientais”, conta Thalita.
“Ao definir a Moda como uma corrente que segue as transformac¸o~es antropolo´gicas, e´ natural aplicar a caracteri´stica muta´vel do homem a esse feno^meno”, dizem Samantha Pereira Silva e Raul Inácio Busarello no artigo “Fast fashion e slow fashion o processo criativo na contemporaneidade”. É fato que o fast fashion é apenas um dos inúmeros reflexos da modernidade líquida em que vivemos. Tecnologias são descobertas e se tornam obsoletas cada vez mais rápido, notícias sofrem atualizações a cada segundo, e o que está em evidência hoje nos trend topics do twitter não estará mais amanhã (ou nem isso, daqui a uma hora outra hashtag pode tomar o lugar). Mais do que o nosso sistema de produção, esse é nosso estilo de vida atual, evidenciado diariamente pelas redes sociais. Fazemos muitas coisas no automático, sem de fato refletir a respeito delas, recebendo tanta informação a todo momento que não damos nenhum fim a ela, sendo próprio o ato de consumir a informação um fim em si mesmo. E o que faz necessário aqui é uma grande reflexão a respeito da forma insustentável como a indústria da moda tem funcionado, e quais os custos que isso tem tido.
Em um mundo dominado pelo ritmo naturalmente acelerado do capitalismo – afinal, tempo é dinheiro – na busca desenfreada pelo preço mais baixo que o da concorrência e pela maximização dos lucros são atropelados com uma frequência maior do que imaginamos elementos fundamentais tais como salários justos e o tempo de recuperação que a natureza precisa para repor aquilo que é tirado. O mercado segue a lei da obsolescência programada, de modo que os produtos já são feitos com uma validade propositadamente reduzida, para que a próxima compra não demore muito a acontecer, e o mercado da moda não é exceção. Não é incomum encontrar peças de baixa qualidade, que se enchem de bolinhas depois de algumas poucas lavagens, ou então começam a desbotar, e logo precisam ser descartadas. A situação não só configura um desperdício de matéria-prima como também um aumento desnecessário da quantidade lixo, sendo ambos prejudiciais à natureza. No slow fashion ocorre, entre outras coisas, a busca pela maior atemporalidade das peças, com uma qualidade superior e uma quantidade reduzida, em guarda-roupas planejados para longo prazo, e não apenas até a próxima estação.
A transparência no desenvolvimento da moda é frequentemente negada pelas marcas de fast fashion – um exemplo disso é a recorrente exposição do uso de trabalho escravo na mão de obra nas peças de diversas marcas famosas. Em contraproposta a essa prática, grande parte da matéria prima e toda a mão-de-obra da MUMO é da indústria nacional, pouca coisa é importada. O slow fashion valoriza mercados locais, muitas vezes profissionais autônomos, pagando preço justo – que é muitas vezes acima da média do que a indústria da moda pagaria para essas pessoas. Desse modo, o slow fashion pratica preços reais que agregam os custos tanto sociais quanto ecológicos. Segundo dados do Sebrae, existem mais 10 milhões de pequenos negócios no nosso país, ou seja, mais de 95% de todas as empresas que existem no Brasil gera 52% dos empregos formais – o que revela como o uso de recursos e materiais locais é imprescindível para o desenvolvimento da economia do país no geral. Por isso, muitas vezes usa-se a expressão “pense globalmente, atue localmente” para definir esse movimento.
O uso de matérias-primas e processos de produção diferenciados resulta em produtos também diferenciados em relação ao que é comumente encontrado nas lojas de grandes redes de fast fashion, e aí está mais um dos fatores que faz com que os consumidores escolham as marcas que adotam o slow fashion: a exclusividade. O fato de as peças serem produzidas manualmente faz com que a quantidade seja reduzida – para que a qualidade seja garantida – e, assim, as roupas, sapatos e acessórios tornam-se mais originais.
Daiane Lúcio, de 29 anos, é responsável pela Dai Bags, marca que produz bolsas com estampas feitas através de colagens e cortes à mão. Dai afirma que seu jeito de lidar com a velocidade na indústria da moda é justamente buscar se diferenciar das lojas de departamento. Ela dá o exemplo de suas pochetes: “A pegada é ter esse diferencial, fazer num formato diferente, uma coisa inusitada que é pra pessoas certas, que vão usar aquilo com gosto, que sabem que é diferente”. Essa forma de criação e produção, que atrai aqueles que buscam diversidade naquilo que adquirem e cria mercado para pequenos produtores estimula a criatividade de quem desenvolve as roupas e, consequentemente, impulsiona o surgimento de marcas próprias. Thalita, estudante de Têxtil e Moda, confirma essa tendência: “Acredito que exista um grande apelo em criar a própria marca, tendo em vista a forma como empresas que aderem o slow fashion vêm crescendo no mercado, criando seus próprios padrões de produção, e indo contra as normas da indústria da moda”.
Além de seu caráter quase exclusivo, os itens produzidos pelo slow fashion também são valorizados pela produção manual, que garante um cuidado especial durante todo o processo, um zelo com os detalhes que vai da criação à confecção. Para Dai, é justamente isso que faz de suas produções itens especiais, “no fim das contas, cada pedaço das peças sai da minha mão, passa pela costureira…”, explica. Ela finaliza destacando que acredita ser esta a importância do slow fashion: “consumir da mão do outro, rola meio que uma troca, mais direta e real”.
O slow fashion ainda pode parecer muito “menor” que a moda veloz a qual estamos habituados, e ver produtos manuais, sustentáveis e “diferentões” ofuscando as peças já mais populares que encontramos nas lojas de departamento pode parecer quase impossível. Engano nosso. “As pessoas estão dispostas a aderir sim ao slow fashion. Isso mostra que ele está crescendo e combatendo, de certa forma, o fast fashion”, afirma Thalita Soares. Cada vez mais os consumidores demonstram interesse por essa forma de produção, o que revela a disposição em apoiar uma nova forma de existência da indústria da moda. Uma que priorize a sustentabilidade, a garantia às condições justas para os empregadores, o incentivo aos produtores locais, a atenção direcionada ao consumidor e, ainda, uma tendência fabril que vai na contramão da liquidez da nossa realidade, sempre tão rápida, numa tentativa de frear a cultura consumista atual.