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Saiba quais são os impactos do coronavírus na América Latina

Povos indígenas, economia em queda, crise nos sistemas de saúde e funerário e cenário político turbulento. A fragilidade dos países latino-americanos diante da pandemia de Covid-19

Coronavírus na América Latina
Coronavírus na América Latina. | Foto: Reprodução.

“Grande ameaça a propagação do coronavírus”, diz Mário Abdo Benitez, presidente do Paraguai, sobre o Brasil.

No contexto latino-americano, o Brasil é um dos países que está no topo de contágio e óbitos por Covid-19. Nesse cenário, o país tem sido um dos mais criticados no mundo e visto como um mau exemplo pelos seus vizinhos. Como consequência, gerou-se um distanciamento do país. Diante disso, como os países próximos ao Brasil – em termos culturais e políticos – estão sentindo a pandemia?

Para esse entendimento, é fundamental que saibamos: 

A gravidade do Covid-19

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os sintomas do Covid-19 são parecidos aos de outras infecções virais respiratórias, porém, mais graves. Desse modo, as maiores preocupações com o Covid-19 são as pessoas que estão no grupo de risco da doença. Diabéticos, hipertensos, idosos e asmáticos são os mais propensos às complicações. 

Diante disso, a OMS orientou os países ao redor do mundo à aderirem as medidas de isolamento para diminuir a velocidade de transmissão do vírus e evitar um pico muito alto da doença. Evitando-se um colapso nos sistemas de saúde e, consequentemente, mais mortes.

Dessa maneira, os países que possuem fragilidades em seus sistemas de saúde, como falta de equipamentos e recursos, estão mais suscetíveis às perdas causadas pelo vírus. 

Crise política e as preocupações da América Latina 

A América Latina, principalmente a América do Sul, desde antes da pandemia, vem sofrendo grandes crises políticas. Em meio a isso, muitos países possuem condições muito propensas à propagação do vírus, como a crise social, econômica e sanitária.

crise política
A crise política é uma das crises enfrentadas por países da América Latina. | Foto: Reprodução.

A Venezuela é um dos maiores exemplos disso. Nos últimos anos, tem enfrentado um colapso econômico e humanitário. Com a inflação de quase 10.000% em 2019, milhares de venezuelanos migraram para outros países da América Latina. A dimensão dessa crise é enorme, segundo O Globo, no ano passado, houve diversas interrupções no fornecimento de água e energia para a população, o que emergiu o país em uma crise sanitária. 

Antes da última eleição presidencial da Argentina, ainda no governo de Mauricio Macri, o país enfrentou uma grave crise política gerada, principalmente, pela crise econômica que levou a pobreza a aumentar e chegar a 35,4% da população, o maior nível desde 2001. 

A crise política se estendeu por outros países, como Brasil, Chile, Equador, Peru e Bolívia. E, assim como Venezuela e Argentina, isso aumentou a fragilidade desses países diante da pandemia.

quarentena
Quarentena é implemetada no Equador após primeiro caso de Covid-19. | Foto: Reprodução.

Outro fator preocupante é que grande parte dos países da América Latina não possuem estrutura de saúde pública suficiente para atender surtos de Covid-19. Dessa maneira, na maioria desses países, as medidas para achatar a curva do pico da doença foram rigidamente implementadas.

Porém, ainda assim, as dificuldades dos países latino-americanos é enorme. Tanto que as diferenças das medidas de achatamento da curva da doença entre esses países têm sido motivo de discussão e até mesmo de “exclusão” dos Estados Nações que não seguem com rigidez as orientações da OMS. Esse é o caso do Brasil, que vem sendo retratado como um “facilitador” da doença e que, consequentemente, os outros países tentam se destinguir. 

O Mapa abaixo, elaborado pela BBC, mostra o nível da quarentena dos países latino-americanos:

coronavírus na américa do sul
Mapa elaborado pela BBC. | Foto: Reprodução.
quarentena américa latina
Legenda do mapa da BBC. | Foto: Reprodução.

No mapa, é possível perceber que a maioria dos países estão adotando medidas de isolamento bastante restritivas, mas, no caso do Brasil, que é o maior país da região, essas medidas não estão sendo devidamente aplicadas.

Ao ser questionado pelo número de mortos no país, no dia 28 de abril, o presidente Jair Bolsonaro respondeu: 

E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre.

A repercussão da fala do presidente foi internacional, e suas posturas têm causado reações ao redor do mundo. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, como resposta ao presidente brasileiro, afirmou: “Em muitos países, as UTIs estão lotadas e essa é uma doença muito séria”.

O jornal The Washington Post o elegeu como o pior líder mundial a comandar a reação contra a pandemia de Covid-19. Além disso, no cenário latino-americano, os outros países que compõem a região têm expressado críticas ao Brasil. “O que um ‘lockdown’ não faz, né?”, esse é o exemplo de comentários e questionamentos que argentinos fizeram no Twitter sobre o que afirmam ser um descaso brasileiro com a pandemia. 

O presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, também recorreu a medidas rígidas de isolamento, inclusive, fechando as fronteiras com o Brasil no dia 18 de março – data em que o Brasil ainda estava no início do isolamento. O presidente afirma que o país não possui estrutura suficiente para aguentar um grande surto da doença, portanto, a prevenção seria o melhor caminho. 

Economia

A Comissão Econômica para América Latina (Cepal), em suas novas projeções, prevê uma queda de 5,3% no Produto Interno Bruto (PIB) da região, a pior desde a grande depressão de 1929. Segundo a organização, essa queda fará com que, aproximadamente, 30 milhões de latino-americanos entrem na linha da pobreza.

Nas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), a Venezuela terá a maior queda, cerca de 15%, em sequência México (6,6%), Equador (6,3%), Argentina (5,7%), Brasil (5,3%), Chile (4,5%) e Peru (4,5%).

A região já vinha com baixo crescimento econômico e políticas fiscais limitadas. Estes, aliados à queda dos sócios comerciais, por conta da pandemia, diminuíram as exportações da América Latina. Também houve a queda no preço das commodities, como o petróleo, grande fonte de renda para Venezuela, Brasil e México.

A pandemia também impactou o turismo em toda a região latino-americana. Muitos países possuem grande parte de sua economia advinda desse setor.

Além disso, por mais que o desemprego seja um dos obstáculos que todos os países estão enfrentando, os Estados latino-americanos possuem ainda mais fragilidade, uma vez que, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), grande parte de suas populações vivem na informalidade, cerca de 53%.

Crise nos Sistemas de Saúde e Funerário

A OMS declarou, no dia 22 de maio, que a América Latina é o novo epicentro da pandemia. O Brasil é o país com o maior número de óbitos, seguido pelo México, dois países que não implementaram a quarentena com tanta rigidez.

Manaus, capital do estado do Amazonas, no Brasil, está enfrentando uma crise intensa, a média diária de enterros triplicou em abril. A prefeitura da cidade informou que o sistema funerário também entrou em colapso, e determinou a abertura de valas comuns para poder dar conta dos óbitos.

Manaus coronavírus
Cova coletiva aberta em cemitério de Manaus. | Foto: Reprodução.

No Equador a situação é ainda pior. O país é um dos mais atingidos pelo vírus, mas também um dos que menos tem estrutura para enfrentá-lo.

O problema é que a situação econômica do Equador já era frágil antes disso tudo. Não temos reservas monetárias, nem fundos de emergência. […] No meu país, ou a gente morre de fome ou morre de Covid-19, pois muitos precisam sair às ruas para vender algo e sobreviver.

Diz jornalista científica, Tania Orbe Martinez, à Veja.

Além disso, o Equador passa por uma grave crise funerária. O sistema entrou em colapso devido ao grande aumento de mortes no país. A cidade de Guayaquil é o centro desse colapso, onde circulam imagens, vídeos e relatos de pessoas morrendo dentro de suas casas e seus parentes tendo que conviver com os corpos pela demora em coletá-los.

Pânico no Sistema Carcerário

Durante a pandemia houve muitas rebeliões e motins em presídios de diversos países latino-americanos. O motivo é que se o vírus chegar ao sistema carcerário, por falta de estrutura e recursos, poderia ocasionar um número de mortes em massa, uma vez que, na maioria desses presídios, os detentos são mantidos em condições subumanas.

rebelião em presídio
Rebelião no Presídio Castro Castro, em Lima, Peru. Os presidiários, por medo do contágio de coronavírus, tentaram organizar uma fuga em massa. | Foto Stringer/AFP.

Segundo a Veja, em Bogotá, Colômbia, morreram cerca de 23 pessoas na rebelião do presídio La Modelo, e 83 detentos ficaram feridos.

No Brasil, presidiários no Estado de São Paulo fizeram rebeliões em quatro presídios, houve centenas de fugas. Os motins teriam surgido pela proibição do governo de que os detentos em regime semiaberto saíssem das prisões devido ao coronavírus.

A contaminação dos povos originários

indígena
Morador da terra indígena Xakriabá, em São João das Missões (MG). | Foto: Edgar Kanaykõ Xakriabá.

Uma particularidade fundamental da América Latina são os povos nativos. Infelizmente, eles podem ser ainda mais frágeis ao Covid-19 que o restante da população, uma vez que as doenças respiratórias já são a principal causa de morte entre esses povos. Devemos lembrar que doenças trazidas pelos colonizadores são conhecidas por terem dizimado cerca de 90% da população indígena das Américas.

Há um risco incrível de o vírus se alastrar pelas comunidades e provocar um genocídio.

Diz a médica sanitarista, Sofia Mendonça, à BBC News Brasil

A Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) alertou que, em maio, o coronavírus se espalhou em 38 povos indígenas no país. Os dados liberados, no dia 15 de maio, mostram que dos 446 casos registrados, 92 foram a óbito, uma altíssima taxa de letalidade.

Além disso, de acordo com o relatório de 2019 da Cepal, os povos indígenas enfrentam a pobreza. O documento mostra que os povos nativos da América Latina são 26% mais atingidos pela pobreza do que o restante da população. Ou seja, além das questões patológicas, os indígenas são ainda mais frágeis à pandemia pelas questões socioeconômicas.

Para as comunidades indígenas os impactos ultrapassam os óbitos, caso o vírus alcance maiores níveis de transmissão nas aldeias, as perdas serão também culturais. Segundo Sofia Mendonça, médica e pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a cultura indígena pode perder grandes fontes de conhecimento e sabedorias tradicionais, uma vez que os mais velhos – ainda mais afetados pelo Covid-19 – geralmente são os que carregam e transmitem tradições antigas, importantes e únicas.

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Beatriz Oliveira Abrahão – Fala! UFMG

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