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Roma silenciosa – leia a crônica

Todo dia que percebo a situação que estou,  me pego pensando se é real. Viver isolada faz tudo parecer ilusão. Quando decidi viver por um tempo estudando  na Itália, não achei que estaria vivendo tudo isso, pensei só que estaria comendo gelato e muito macarrão. Mas a vida tem essas doideiras e de um dia para o outro tudo mudou.

Fontana di Trevi, Roma. | Foto: Beatriz Cripa.
Fontana di Trevi, Roma. | Foto: Beatriz Cripa.

Eu moro 10 minutos da faculdade La Sapienza. Chegar lá nunca foi um grande problema. Mesmo conhecendo medianamente o italiano, as aulas desde o começo me fascinaram. Cada palavra dos professores me deixava com mais vontade e gratidão de estar aqui. Como num estralar de dedos tudo mudou. Em uma quarta-feira, indo para a aula de cinema que faço em outro campus, recebi mensagem dizendo que todas as minhas aulas seriam canceladas até metade de março. Achei que poderia ser brincadeira e perguntei para minha amiga se o mesmo tinha acontecido com ela. A resposta foi afirmativa. Até este ponto as coisas estavam intensas, mas não era algo horrível em nível mundial.

Primeiro foram as escolas e faculdades.

Alguns dias depois, algumas amigas espanholas me convidaram para ir em uma festa eletrônica, mas vimos que ela foi cancelada. Achamos tudo estranho e exagerado na época. Pouco tempo depois, meus amigos foram em um restaurante e tiveram que sentar um metro um dos outros e sem poder escolher o que iriam comer, pois não podiam chegar perto das comidas. Nesse mesmo dia meu pai tinha me perguntados como andavam as coisas aqui e eu disse que tudo estava bem e funcionando, mas sentia um clima de instabilidade no ar. Na mesma noite, recebemos o comunicado que tudo iria fechar até começo de abril.

Estava sem aulas, sem restaurantes, sem lojas.

Esse dia foi um pouco assustador, devo admitir. Eu realmente senti o que uma pandemia significava. Muitos dos amigos que fiz aqui compraram passagens para seus países na mesma hora, já que eram -a maioria- da Europa. Meu coração ficou apertado como se ele tivesse se quebrado em mil pedaços. Para onde estava indo o sonho da “vitàbella” italiana? Comecei a receber mensagens diárias perguntando se estava bem e acalmei todos dizendo que tudo estava sob controle comigo.

Coronavírus na Itália.
Coronavírus na Itália. | Foto: Beatriz Cripa.

Na manhã seguinte fui ao mercado. Absolutamente todas as lojas do caminho estavam fechadas, mesmo aquelas que não achei que seriam possíveis. Ao chegar no mercado um segurança estava parando as pessoas na porta para regular o fluxo dentro do estabelecimento. As filas eram grandes e havia um metro de distância entre uma pessoa e outra.

Decidi andar um pouco no dia seguinte, ainda não tinha noção das medidas. Fui até a principal estação de trens daqui, o Termini. Ninguém no caminho. Chegando lá peguei uma bicicleta para ir até o centro histórico. Consegui andar com ela tranquilamente no meio das ruas porque não tinham carros. Aquele foi o primeiro momento de liberdade que eu senti nos últimos dias. Chegando na Piazza Venezia (uma das mais famosas aqui) percebi que eu era uma das poucas pessoas lá e comecei a mandar fotos para minha família para mostrar o que estava vivendo. O mesmo aconteceu na Piazza Navona, Via del Corso e Fontana de Trevi. Além de mais dois ou três desavisados, ninguém estava nas ruas.

Os únicos lugares abertos eram supermercados e farmácias.

Hoje, quando foi perto do meio-dia as pessoas começaram a bater palmas nas suas janelas. Na hora pensei que tinha sido estupidez europeia, mas depois percebi  que essa era a única forma de saber que havia mais gente além de mim na mesma rua, mesmo que em casa, confinada. Senti quase alegria. À noite decidi dar uma volta na cidade para ver o que estava acontecendo. Parecia que a terra havia dado um tempinho e tudo tinha parado. Eu andava e não ouvia  ou não via nenhum movimento. O apocalipse chegou, eu pensei. Nunca achei que estaria no olho do furacão, mas cá estou eu repleta de medos e de vontade de contar para todos como é a vida aqui.

Sim, meu intercâmbio não está sendo tudo que sonhei, mas eu não consigo ficar triste com minha situação nem por um segundo. Eu me sinto absurdamente privilegiada de estar vivendo tudo isso e poder contar para todos o que sinto. A vida vai muito além de pandemias, convivências e medos. Tudo que precisamos algumas vezes é olhar ao nosso redor e ouvir uma salva de palmas para saber que a (in)felicidade só pode ser algo palpável se tem alguém para dividir. De qualquer forma, obrigada Roma por me fazer crescer. Afinal, a profissão que estou abraçando é a de jornalista, aquele profissional que, normalmente, permanece onde ninguém gostaria de estar.

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Por Beatriz Cripa – Fala! PUC

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