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Por que a pandemia de coronavírus evoca uma economia de guerra?

A Lei de Responsabilidade Fiscal, sancionada em 2000, tem como fim o controle dos gastos da União, dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal. Dessa forma, impõem-se limites nas despesas, por exemplo, pessoais e, também, para a dívida pública.

No entanto, com a tramitação no Congresso da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Orçamento de Guerra, propõe-se a flexibilização da lei – permitindo gastos além do orçamento e de suas restrições, devido à pandemia causada pelo novo coronavírus

No dia 27 de março, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, promulgou um pacote de 2 trilhões de dólares a serem injetados na economia, em razão da pandemia do coronavírus.

O objetivo é a redução dos impactos do vírus na economia e a distribuição do valor trilionário entre indústrias, famílias estadunidenses, hospitais, pequenas empresas e governos locais e estatais. Parte desse valor também seria destinado ao auxílio-desemprego.  

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Imagem mostra proporção entre valores, em cédulas de US$100; os dois trilhões dos EUA são o dobro da última representação. | Foto: Reprodução.  

Para se ter alguma noção da proporção desse valor, podemos compará-lo ao Produto Interno Bruto (PIB) estadunidense, calculado em US$20,54 trilhões em 2018. Nesse sentido, o pacote promulgado por Trump equivaleria a quase 10% do PIB do país. A quantia também é maior do que o PIB brasileiro, de 2018, de 1,869 trilhões de dólares – e lembremo-nos, aqui, que o Brasil possui o nono maior PIB do mundo, segundo as informações do Banco Mundial. 

Assim, a PEC do Orçamento de Guerra pode ser considerada paralela à injeção trilionária por parte dos Estados Unidos em sua economia. Ambas, afinal, se propõem a reduzir os efeitos do coronavírus na economia de seus respectivos países.

No caso brasileiro, entretanto, o governo não se dispõe a gastar uma quantia específica, como ocorreu nos EUA. O que ocorre, por sua vez, é a instituição de um “regime extraordinário financeiro e de contratações para facilitar a execução de gastos relacionados às medidas emergenciais” – como aponta a Redação do Senado Notícias. 

No dia 3 de abril, o plenário da Câmara dos Deputados já aprovou a PEC e, por isso, ela foi levada à votação no Senado. No último dia 17, o Senado aprovou a PEC. Contudo, uma vez que fez modificações relacionadas à avaliação e à fiscalização dos gastos, a proposta deverá voltar à Câmara dos Deputados para, lá, ser votada mais uma vez. No Senado, o relator Antônio Anastasia (PSD-MG) tornou mais rigorosa a fiscalização da atuação do Banco Central e dos gastos por parte do governo. 

De qualquer forma, a proposta continua valendo até o final de 2020, mantendo uma burocracia mais simples para “compras, obras e contratações de serviços e de pessoal temporário”. O governo também poderá aumentar a dívida pública, desde que para o pagamento de salários, benefícios previdenciários e despesas para manutenção da esfera pública, como aponta notícia publicada pelo Senado. 

Apesar da aprovação da proposta na Câmara (3 de abril) e no Senado (17 de abril), as divergências em relação a ela não foram poucas. No dia 15 de abril, o Partido dos Trabalhadores (PT) publicou em seu portal que “Salvar bancos sem garantir empregos é ampliar desigualdade”. No Senado, o líder do partido, Rogério Carvalho, afirmou que “Os recursos públicos liberados devem ser revertidos em investimento na produção e na garantia de emprego”. 

Por outro lado, no portal do Democratas, o partido aponta que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que “O texto [da PEC] dá ao governo todas as condições para garantir vidas, empregos, e garantir a solvência das empresas”. Maia ainda agradeceu aos líderes e partidos de esquerda, “que não olharam a ideologia e a filiação partidária do presidente da República, mas o interesse de todos os brasileiros”. 

Mesmo com as divergências, a afirmação de Maia se confirma. No primeiro turno das votações na Câmara dos Deputados, a PEC teve 505 votos a seu favor e apenas 2 votos contra a proposta. No segundo turno de votações, por sua vez, houve somente 1 voto contrário – e outros 423 favoráveis.

Em meio à pandemia, a democracia deve continuar prosperando e, nesse sentido, mais do que nunca, o Legislativo deve ser destacado como um poder intrínseco ao sistema democrático de direito. A discussão e o debate devem ter a força que, de fato, merecem – e que mereceram nesse caso, como pôde-se ver através do quase consenso na votação da PEC.

Embora alguns partidos tenham se posicionado contrariamente a alguns pontos da proposta, a maior parte dos deputados federais acabou votando a favor da PEC.  

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Congressistas discutem PEC do Orçamento de Guerra em meio à pandemia do coronavírus. | Foto: Waldemir Barreto/Agência O Globo.

A pandemia gera e continuará gerando altos gastos enquanto se mantiver. O equipamento necessário ao tratamento e à prevenção do Covid-19 é custoso, e são indubitáveis os abalos que a quarentena e o distanciamento social poderão causar na economia – vide a inserção de dois trilhões de dólares na economia estadunidense e a própria PEC brasileira.

Se desejamos que realmente seja realizado um tratamento adequado aos pacientes infectados e que possamos nos reerguer após essa crise, é clara a necessidade de um “orçamento de guerra” nesse momento, seja a partir do modelo estadunidense ou por meio da Proposta de Emenda à Constituição em nosso país. 

No último dia 24, tive a oportunidade de conversar rapidamente sobre as medidas econômicas em meio à pandemia com a Profª. Dra. Graziella Comini, economista, professora associada do Departamento de Administração da FEA-USP e coordenadora do Centro de Empreendedorismo Social e Administração do Terceiro Setor da USP (CEATS). Ela graduou-se em Economia e, então, fez mestrado e doutorado em Administração na Universidade de São Paulo (USP). 

A Entrevista 

Leonardo Sarvas Cunha – Você considera que a injeção de mais dinheiro na economia possa trazer benefícios em meio à pandemia? Como? 

Profa. Dra. Graziella Comini – Através da injeção de mais dinheiro na economia, o Estado estará injetando recursos. Com o mercado retraindo em meio à pandemia, as empresas ficam com poucos recursos e pessoas podem ser demitidas, já que o dinheiro deixa de circular. Considerando o Estado um grande demandador, ele pode contratar pessoas e empresas para realizar algum tipo de serviço ou obra. As empresas, por sua vez, podem contratar pessoas, as quais movimentam o comércio – formando, dessa forma, um ciclo.

Desse modo, o Estado possui um papel super importante como propulsor da economia. Na visão neoliberal, ele deve ser mais enxuto, já que o mercado teria uma mão invisível que controla a economia, através da oferta e da demanda. Sua interferência, portanto, não combina com o neoliberalismo. Ainda assim, na situação atual de crise, até mesmo Paulo Guedes aceitaria a interferência do Estado. Afinal, quem possui dinheiro no cofre é o Estado (uma vez que coleta os impostos). Assim, a injeção de recursos estatais tem sido usada principalmente em países que não adotam o neoliberalismo – atuando em setores nos quais o mercado não tem interesse ou proporcionando distribuições financeiras mais igualitárias. Na pandemia, o Estado é o mais preponderante. 

LSC – Qual medida você considera mais eficiente: a flexibilização do orçamento governamental ou a injeção na economia de um valor já determinado (como os 2 trilhões nos EUA)? Por quê? 

Profa. Dra. GC – Não diria isto ou aquilo. Deve ser avaliada a legislação, observar o que é possível. Por isso, governadores e municípios adotam o estado de calamidade pública, de forma a conseguir uma maior agilidade – e encontrar fornecedores mais facilmente, sem todo o rito exigido pela legislação.  

Do ponto de vista federal, a injeção de recursos pode ser utilizada de forma a impedir a situação de miséria para cidadãos que deixam de receber. O governo acaba oferecendo recursos para fazer a economia local girar. Nos Estados Unidos, por exemplo, o seguro desemprego foi requisitado por quase 5 milhões de pessoas na última semana, somando mais de 20 milhões de pedidos. 

No caso da flexibilização do orçamento, deve-se ter atenção à responsabilidade fiscal. É complicado considerar a flexibilização um cheque em branco. O governante foi eleito e tem certas regras enquanto poder Executivo. Ele não pode mexer em todos os itens. Nesse sentido, a injeção de recursos pode ser mais rápida.  

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Por Leonardo Sarvas Cunha – Fala! Cásper

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