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Opinião: Declaração de Trump sobre Antifas infringe a Primeira Emenda

Artigo 1º – O Congresso não fará lei relativa ao estabelecimento de religião ou proibindo o livre exercício desta, ou restringindo a liberdade de palavra ou de imprensa, ou o direito do povo de reunir-se pacificamente e dirigir petições ao governo para a reparação de seus agravos.

Desde antes de sua chegada à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump atua como grande adversário da liberdade de expressão e dos direitos humanos. O republicano, autodeclarado um tradicionalista, ataca a imprensa norte-americana, apontada por ele como desonesta e colapsada, critica políticas de assistência social, como o Obamacare, e, logo no início de seu governo, retirou o gigante capitalista do Conselho de Direitos Humanos da ONU, uma das principais conferências mundiais para a discussão e análise de iniciativas sobre o assunto.

Mais recentemente, Trump alinhou o seu discurso contra as liberdades fundamentais a um descolamento grosseiro em relação à própria Constituição americana. Em referência ao grupo Antifa, integrante dos protestos que tomaram as ruas de Washington e de outras diversas capitais contra a violência policial e o histórico de discriminação racial que assola o país, o presidente classificou os manifestantes como terroristas e, assim, esgotou de sentido a Primeira Emenda americana, promulgada durante a década de 1790.

Matriarca da democracia nos EUA, e coração da Declaração dos Direitos dos Cidadãos estadunidense, a lei estabelece o direito à liberdade expressão. Expressão, no sentido em que conduziu os chamados pais fundadores da nação, como fundamento mentor em diversos campos da atividade humana. O texto, saturado pelo imaginário iluminista, também garante a livre manifestação pacífica e a proteção da reivindicação política popular.

David M. Rabban, estudioso da Faculdade de Direito da Universidade do Texas e um dos maiores especialistas em liberdade de expressão, defende que, diferentemente da Constituição inglesa, em que o poder se solidifica no Parlamento, a soberania, no saber norte-americano, pertence ao povo. Ele ainda explica que essa potência em criticar o governo é fundamental para a liberdade de expressão nos Estados Unidos, visto que durante a construção da Constituição, temia-se a concessão de muitos poderes ao governo.

Em outras palavras, com as emendas, buscava-se travar o alcance do Estado. “Acredito que essa teoria de soberania tenha consequências na liberdade de expressão. Em última análise, a soberania cabe ao povo e, por isso, o povo tem de ter a capacidade de criticar seus representantes”, analisou o professor no painel 1º Diálogo Constitucional Brasil – Estados Unidos, em 2004, realizado no auditório da Segunda Turma do STF.

Enquanto os democratas acusam extremistas conservadores infiltrados de provocarem caos em meio às manifestações que, em sua maioria, são pacíficas, o presidente Donald Trump imputa anarquistas e antifascistas como principais responsáveis pela onda de violência que se tornou manchete internacional.

“A violência e o vandalismo estão sendo liderados por Antifa e outros grupos radicais de esquerda que estão aterrorizando inocentes, destruindo empregos, prejudicando empresas e incendiando prédios”, alegou. O líder republicano ainda publicou em sua conta no Twitter uma ameaça contra os “bandidos” que estariam presentes nos protestos antirracistas. A rede social, inclusive, considerou a postagem como enaltecimento da violência, o que contraria seus termos de uso.

Também no Twitter, Trump disse que estados e cidades precisavam agir de forma “mais dura” contra as manifestações e afirmou que a imprensa nacional estaria fomentando a anarquia e disseminando notícias falsas. “Outras cidades e estados administrados por democratas devem analisar o fechamento total dos anarquistas da esquerda radical em Minneapolis. A Guarda Nacional fez um ótimo trabalho e deve ser usada em outros estados antes que seja tarde demais!”, escreveu.

Antifa
Manifestação antifascista. | Foto: Reprodução.

Antifascismo e manifestações

Datado da década de 1930, o antifascismo surgiu na Alemanha como uma frente de esquerda que pretendia combater o nazismo. Os adeptos dessa corrente adotam uma narrativa anti-sistêmica e não possuem liderança centralizada.

O assassinato de George Floyd, sufocado por um policial branco, que se ajoelhou sobre seu pescoço, foi o estopim para a volta dos Antifas ao debate público. “I can’t breathe”, ou, no português, “Eu não consigo respirar”, foi a frase repetida pelo homem negro durante seus quase nove minutos de agonia. Floyd era acusado de tentar realizar uma compra com uma nota falsa de vinte dólares e sua morte abriu alas para manifestações em mais de 100 cidades americanas.

As ideias do presidente Trump foram endossadas pelo procurador-geral dos Estados Unidos William Barr, assim como pelo presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que, ao ser questionado sobre os protestos norte-americanos, disse: “Olha, começou aqui [no Brasil] com os Antifas em campo. Um motivo, no meu entender, político, diferente [dos Estados Unidos]. São marginais. No meu entender, terroristas”.

Uma das principais características da filosofia política de Donald Trump é o ataque ao multilateralismo. Ideólogo de sua versão à brasileira Jair Bolsonaro, o presidente americano destila ódio a qualquer instituição que reitere as limitações de seu poder. O líder do polo mundial do capitalismo pode, desta vez, ter ido longe demais ao atacar os traços mais fortes da tradição americana.

Agora, a “liberdade” que dizia tanto apreciar se volta contra suas próprias narrativas autoritárias. Trump deve compreender que criminalizar a reivindicação popular por justiça, o que é garantido na lei como o direito ao clamor por “reparação governamental por seus agravos”, é, além de autoritário, inconstitucional.

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Por Ana Flávia Pilar – Fala! UFRJ

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