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Opinião: Cientistas e professores – A fatura da desvalorização

O mundo se encontra mergulhado em uma das piores pandemias da história da civilização e dividido entre aqueles que acreditam que, em um futuro próximo e promissor, todo o mundo estará livre por completo do vírus e outros que sentem que o pior ainda está por vir.

Em março de 2020, o Brasil, de norte a sul, prontificou-se em decretar quarentena e emitir um sinal de alerta após a confirmação dos primeiros casos e da primeira morte em decorrência da Covid-19. O comércio considerado não essencial, escolas e faculdades tiveram que fechar as portas, áreas de lazer e de uso comum da população foram interditados e eventos com aglomeração receberam a orientação de serem adiados ou ocorrerem de forma 100% on-line até uma sinalização de estabilização da pandemia vinda do Ministério da Saúde.

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Com a chegada da pandemia, o comércio teve que fechar as portas por um tempo. Apenas o essencial, como supermercados, puderam funcionar (com restrições). | Foto: Reprodução.

Desde então, diversas teorias (a maioria ligada à religião) emergiram para tentar explicar e debater possíveis formas de surgimento do vírus. Um discurso mais religioso prega que a pandemia já era prevista na escritura sagrada cristã e que eclodiu na terra em forma de “advertência” ou “castigo” do deus cristão a seus pecadores. Na contramão dessa teoria, surgiu a que acredita que o novo coronavírus foi criado em laboratório e, em uma vertente conspiratória mais radical, arma principal em uma guerra biológica na busca por uma hegemonia de influência. 

Embora existam as mais variadas teorias que discutem a respeito da explosão do coronavírus, é fato que o Brasil, maior país da América Latina e novo epicentro da pandemia, junto aos Estados Unidos, desde o fim do mês de maio, sofre árduas consequências de uma negligência antiga e clara: a indevida valorização do profissional da ciência em geral (saúde, pesquisa e outros) e da educação (professores, gestores e outros).

Profissional da saúde

A primeira carreira profissional lembrada, a âmbito mundial, quando citada a área da saúde é a da Medicina. Embora os médicos, das mais variadas especializações existentes, sejam fundamentais no sistema de saúde, a classe dos enfermeiros ganha um papel de protagonista no cenário pandêmico. 

Todavia, apenas no momento atual, quando o novo coronavírus já se encontra em um nível mundial e fora de controle no país, é que o governo, junto ao Ministério da Saúde, e a sociedade em si começaram a perceber a forte desvalorização do profissional da área.

De acordo com o portal QueroBolsa, a média salarial do profissional da Enfermagem, com o ensino superior completo e sem levar em consideração outras especializações e aprimoramentos, é de R$3.211,23 (considerado bastante discutível). Além da base salarial baixa e sem reajuste há anos, os profissionais da Enfermagem ainda têm que lidar com uma carga horária de 30 a 40 horas semanais, fora plantões, e o trabalho diário, em diversas ocasiões, sem o EPI (Equipamento de Proteção Individual) recomendado e outros instrumentos que facilitam e proporcionam um melhor desempenho e segurança ao profissional. 

Exaustos dessa desvalorização, diversos profissionais da área organizaram um protesto na principal avenida do Recife, Pernambuco, em 12 de fevereiro de 2020, antes da chegada oficial da pandemia no Brasil. Recebendo suporte do Satenpe (Sindicato Profissional dos Auxiliares e Técnicos em Enfermagem de Pernambuco), os manifestantes reivindicavam melhores condições de trabalho e pediam ao governo do estado um reajuste na base salarial, mostrando um pouco da indignação da classe diante da realidade laboral não só em um local específico, mas sim, no país inteiro. 

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Protesto no Recife, representando a indignação da classe antes mesmo da pandemia. | Foto: Reprodução.

Cientistas e pesquisadores

A esmagadora maioria das nações do planeta anseiam por uma descoberta, o mais depressa possível, de uma vacina para estancar o novo coronavírus e evitar futuras ondas de contágio. É esperado que o Brasil, por ser uma das 10 potências mundiais, assuma uma frente de pesquisa com outros países menos privilegiados na corrida contra o tempo pela vacina ou algum medicamento quase 100% eficaz.

Entretanto, a linha ideológica do atual governo brasileiro tende a deixar a área da ciência e pesquisa em segundo plano, pois o país foi retirado de uma iniciativa internacional de aceleração da produção do antídoto. O principal motivo da retirada é a forte divergência entre Jair Bolsonaro (presidente do Brasil) e a OMS (Organização Mundial da Saúde) na discussão sobre a adoção ou não do distanciamento social como principal medida de contenção do coronavírus.

A desvalorização do cientista brasileiro é consequência principal dessa saída, já que estes foram incapacitados de auxiliar e encontrar uma vacina de sucesso junto ao maior órgão de saúde a nível global (OMS).

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A ciência e pesquisa se consolidam como os principais meios de criação de vacinas, fármacos, tratamento e cura de diversas enfermidades. | Foto: Reprodução.

Além de tudo isso, as diversas universidades e centros de pesquisa de alto nível espalhados pelo território brasileiro não recebem os devidos cuidados advindos do governo federal. Após uma série de cortes de verba destinados à tecnologia, no mês de abril de 2020, de acordo com o site Portogente, o país destinou apenas 1,26% do total arrecadado com o PIB (Produto Interno Bruto), em 2018, à área da pesquisa.

Com a chegada da pandemia, o Brasil pôde perceber, na prática, uma das piores consequências da defasagem na ciência nacional: o governo federal atinge um número recorde de importações de testes para a Covid-19, o que poderia ser evitado caso a verba para a ciência interna fosse devida e estes fabricados dentro do país.

Outro ponto relevante frente à desvalorização da ciência brasileira são os cortes de bolsas para pesquisa e estudos de extensão no ensino superior e na pós-graduação de diversas áreas do conhecimento. Considerando que boa parte dos cientistas e pesquisadores brasileiros necessitam de bolsas (devido a despesas) a fim de aprimorar e fortalecer projetos científicos, a retirada destas torna-se um empecilho na tentativa de uma democratização da ciência e pesquisa do país. 

Profissionais da Educação

Com o decreto dos governos estaduais e municipais de fechar escolas e faculdades devido à pandemia, as coordenações das instituições de ensino procuram incessantemente por soluções plausíveis a curto prazo para evitar um preocupante atraso no ano letivo dos estudantes. Utilizando as ferramentas da Internet disponíveis e acessíveis à boa parte dos discentes, algumas escolas e faculdades, em especiais as particulares, optaram pelas aulas remotas, fazendo uso de plataformas como o Google Meet (videochamadas entre professores e alunos) e o Google Classroom (armazenagem de atividades e textos que seriam passados em sala de aula).

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O ensino remoto é a melhor opção para seguir o cronograma nas instituições de ensino no cenário pandêmico. Na foto, professora em videochamada com seus estudantes. | Foto: Reprodução.

Contudo, os professores e responsáveis por ministrar as aulas de forma remota têm encontrado inúmeras dificuldades na rotina de trabalho. A principal é a incapacidade de dar aulas com um alto desempenho a seus alunos.

O Instituto Península, após uma pesquisa com quase 2.500 professores, concluiu que a grande maioria dos profissionais entrevistados relatou sobrecarga e angústia durante a pandemia. Muitos sentiam-se totalmente incapazes de proporcionar, aos seus estudantes, uma aula imersiva e interessante.

Outro dado preocupante é que a sensação de sobrecarga é ainda maior nas professoras, devido à responsabilidade de, além da carga horária da escola, cuidar e auxiliar nas atividades dos filhos no colégio e dos afazeres domésticos. No grupo considerado “professores da velha guarda”, a sensação é ainda maior devido à dificuldade dos mais velhos em manusear aparatos tecnológicos, seja com tablets, celulares ou computadores. 

O caso de desabafo de uma professora chamou a atenção de todo o país após viralizar nas redes sociais. Débora Meneghetti, docente de um colégio de classe média alta em Boa Viagem, na zona sul do Recife, estava tendo dificuldades de ministrar uma aula remotamente aos seus alunos. Após várias tentativas de seguir com o cronograma que havia preparado, ela acabou saindo da videochamada com os estudantes devido ao nervosismo.

Uma aluna contatou a professora, que, meio cabisbaixa, respondeu que tinha ido dormir apenas de madrugada, na noite anterior, preparando a aula e que não estava conseguindo lidar com o mundo tecnológico, até então deveras inexplorado por ela. A discente iniciou uma corrente de apoio à professora que, no dia seguinte, havia conseguido seguir com o planejamento e ministrar a aula com sucesso. O caso exemplifica a sensação de insegurança dos profissionais da educação em todo o país.

Além de problemas da carga horária e da remuneração insuficiente (comum no caso dos cientistas, citado acima), os professores e gestores ainda encaram a falta de respeito diário no local de trabalho. Diversos professores costumam relatar cenas em que alunos xingam, zombam e até ameaçam-nos em plena sala de aula e em frente aos colegas de classe. 

O caso de um professor de história, de 65 anos de idade, atingido por uma lixeira após um aluno do ensino fundamental 2 arremessá-la contra ele, em Belo Horizonte, Minas Gerais, chocou o país. Se o constrangimento não bastasse, o docente ainda teve que ser socorrido ao hospital mais próximo.

O ocorrido foi considerado o estopim para que os colegas de trabalho do professor iniciassem uma greve depois que diversos outros funcionários constataram que sofreram outros vários tipos de abuso nesta mesma instituição. Vale ressaltar que o professor é uma das, ou talvez a mais importante das profissões, pois, sem eles, nenhum outro profissional de nenhuma outra área é formado e preparado para o mercado de trabalho. 

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O professor carrega uma das funções de maior importância na sociedade, apesar da falta de reconhecimento. | Foto: Reprodução.

A reflexão do quanto a desvalorização desses profissionais está presente no dia a dia do brasileiro deveria ser feita a partir do momento em que podemos perceber que eles passam por anos de estudo e pesquisa e atravessam diversas barreiras diárias na luta por um país equânime e com uma boa qualidade de vida e não recebem o devido reconhecimento. Que nunca esqueçamos: 

O país que não investe em ciência e educação está fadado ao fracasso.

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Por Raul Holanda – Fala! UFPE

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