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O Santa Cruz e a dor de mais um ano na Série C

Ao fim de mais uma temporada da Série C do campeonato brasileiro, a terceira divisão nacional, há torcidas que comemoram o acesso, a chegada à final e outras que iniciam um momento, que pode ser breve ou não, de lamentações e análises dolorosas de tudo o que ocorreu durante a temporada, de erros que foram cruciais e por quais motivos o tão sonhado acesso não veio, como o caso do tradicionalíssimo Santa Cruz.

Um dos maiores clubes de futebol de Pernambuco falhou pela terceira vez consecutiva em subir para a segunda divisão e, considerado um pesadelo para a sua imensa torcida, passará mais uma temporada no terceiro escalão nacional.

Santa Cruz
O Santa Cruz é um dos times de futebol mais tradicionais. | Foto: Reprodução.

Santa Cruz entra como favorito

A Série C 2020 começou em agosto, considerado tarde para a média de início das competições nacionais, que normalmente se iniciam em maio, por conta da pandemia – que paralisou todas as competições esportivas no Brasil e no mundo por quase 5 meses. Presente no grupo A da competição, o clube pernambucano era considerado favorito pelos comentaristas e jornalistas, junto com a dupla paraense Remo e Paysandu e o recém-rebaixado Vila Nova.

Apenas para reformular, a Série C possui uma fórmula distinta das duas principais divisões do país. Contando com 20 clubes divididos em dois grupos, com 10 cada, o campeonato segue, nessa primeira fase de pontos corridos, com 18 rodadas (9 por turno).

Ao fim, os quatro primeiros de cada grupo avançam à próxima fase, a do quadrangular, e os dois últimos dos grupos amargam o descenso à Série D. À frente, as equipes dos dois grupos são cruzadas para formar dois quadrangulares do acesso, com partidas de ida e volta e os dois primeiros colocados de cada grupo garantindo o acesso à Série B.

No futebol, o favoritismo, em doses muito altas, é considerado algo maléfico e que pode atrapalhar o desempenho do time no decorrer da competição, uma vez que pode acarretar no relaxamento dos jogadores (o famoso “salto alto”) e uma sequência de resultados ruins pode aparecer.

Após longas análises antes mesmo do término da disputa, muitos comentaristas já discutiam e, em muitos casos, chegaram à conclusão que o exacerbado espírito de favoritismo jogado em cima do Santa Cruz, embasados no peso da camisa do clube, influência no cenário nacional e tamanho de sua torcida, conhecida pelas estrondosas médias de público mesmo em divisões inferiores do brasileirão, acabou virando contra o próprio time.

Dessa forma, acendendo um forte sentimento de frustração, principalmente entre os torcedores, ao não alcançar os objetivos estabelecidos nos primórdios da temporada. A seguir, observe, em detalhes, a caminhada do clube tricolor.

Santa Cruz e o futebol brasileiro

Campanha do Santa Cruz na Série C

 O tricolor do Arruda entrou no campeonato com o objetivo mais importante: a subida para a Série B e o fim do martírio na terceira divisão. A equipe deu o pontapé inicial na competição contra o Paysandu, em Belém, no dia 8 de agosto, no comando do técnico Itamar Schülle. O momento do clube era turbulento devido à derrota nos pênaltis em casa, no segundo jogo da final do Campeonato Pernambucano, disputado três dias antes, contra o Salgueiro.

A Cobra Coral terminou a competição estadual de forma invicta e com o vice-campeonato para o Carcará do sertão – o primeiro título pernambucano de um clube de fora da capital. Em jogo truncado e pouco emocionante (típico de início de temporada), a partida foi encerrada sem gols e os pontos na tabela foram compartilhados entre o Papão e o Santinha.

O Santa Cruz iniciou, a partir dali, uma boa sequência de resultados e já mostrou que seria um time duro de ser derrotado. Na estreia em casa, derrotou o Treze, em jogo emocionante nos minutos finais, por 3×2, de virada. Na sequência, as vitórias para o Botafogo-PB, em João Pessoa, por 2×1, e Imperatriz, no Arruda, por 2×0, deram alguns dias de mares calmos para o clube tricolor e, além disso, a temporária primeira colocação do grupo. No fim de semana seguinte, em Goiânia, o Santa Cruz jogou contra o Vila Nova e perdeu com um golaço solitário de Bianccuchi, logo aos 5 minutos de jogo.

O que chocaria a torcida tricolor é que, um dia após o jogo, o então técnico Itamar rescindiria o contrato com o clube para acertar com outro também da Série C. A diretoria do time não mediu esforços e logo anunciou um velho conhecido para comandar a equipe no restante da competição. Marcelo Martelotte treinou o Santa Cruz em 2013, quando conseguiu o acesso para a Série B em um Arruda lotado, contra o Betim, após vitória por 2×1.

O primeiro jogo à frente do Santa Cruz na sua volta foi diante do Remo, em casa. Em uma partida bastante equilibrada e com um gol de cabeça em uma cobrança de escanteio no segundo tempo, o mandante levou a melhor diante dos paraenses. Nas duas batalhas seguintes, a Cobra Coral acendeu o sinal de alerta vermelho após dois empates preocupantes contra o Manaus, no Amazonas, sem gols, e a Jacuipense, no Recife, por 3×3.

Na última rodada do primeiro turno, os comandados de Martelotte foram até o Ceará encarar o Ferroviário. Em jogo difícil e pressionado, a equipe conseguiu aproveitar as chances que teve e sair com a vitória por 3 tentos a 1 contra um dos concorrentes diretos do seu grupo. Confira o segundo turno do tricolor:

  • Paysandu – no Recife – vitória tricolor – 2×1
  • Treze – em Campina Grande (PB) – vitória tricolor – 1×0
  • Botafogo-PB – no Recife – vitória tricolor – 1×0
  • Imperatriz – em Imperatriz (MA) – vitória tricolor – 6×1
  • Vila Nova – no Recife – vitória tricolor – 2×0
  • Remo – em Belém – vitória tricolor – 2×0

O Santa Cruz entrou nos últimos três jogos da primeira fase já classificado para o quadrangular e com a cabeça já na próxima fase. Por isso, deixou a desejar nos últimos confrontos por conta do relaxamento dos jogadores, o que resultou em derrotas para o Manaus, por 2×1, no Arruda, e para a Jacuipense, na Bahia, por 1×0, e com gol no fim após erro primário da defesa tricolor.

Na despedida da primeira fase, o Ferroviário foi ao Arruda tentando vencer o preocupado, com a queda de rendimento, Santa Cruz e conseguiu um ponto em um jogo eletrizante, que terminou 3×3. O tricolor do Arruda encerrou a sua participação na primeira fase com excelentes 37 pontos, 6 a mais que o Remo, segundo colocado.

Quadrangular decisivo do acesso

Um ar de tensão e angústia invadiu os arredores do Arruda após a sequência negativa. Os jogadores e o técnico se prontificaram em tranquilizar os torcedores e pediram calma à aflita massa tricolor.

Tudo ou nada para o Santa Cruz. A caminhada na fase final e decisiva teve início em Santa Catarina. O Brusque, quarto colocado no grupo B, vinha mordido e perturbado para enfrentar o Santa Cruz após consecutivos resultados ruins – incluindo uma derrota por 8×1, em casa – na reta final da fase anterior. O jogo, apesar do 0x0, agradou quem gosta de emoção, com chutes perigosos, bolas na trave e defesas difíceis de ambos os goleiros.

Estreando na fase decisiva em casa, o Santinha recebeu o Vila Nova que, após derrota para o Ituano na primeira rodada do grupo, anunciou Márcio Fernandes como novo comandante. Os goianos se deram bem no confronto e saíram com os três pontos após sacramentarem uma importante vitória por 2×1, deixando a luz vermelha ainda mais forte no lado pernambucano.

Terceira e última rodada do primeiro turno do quadrangular. Santa Cruz precisando urgentemente da vitória para voltar a sonhar com o acesso e enfrentando os paulistas do Ituano, segundo colocado no grupo B, em Itu. Martelotte e seus comandados viram os donos da casa abrirem o placar, mas, logo nos primeiros segundos do segundo tempo, o empate veio de cabeça. Após mais de 40 minutos de pressão, os tricolores conseguiram um gol salvador a dois minutos do fim da partida e, com um jogador a menos durante boa parte do jogo, conquistaram o primeiro triunfo e a chama do sonho do acesso renasceu.

No quarto confronto da segunda fase, Ituano e Santa Cruz voltaram a estar frente a frente, dessa vez na capital pernambucana. Jogando bem e para cima, os donos da casa mexeram pela primeira vez no placar, mas, funcionando como um anticlímax, Bileu acabou recebendo o segundo cartão amarelo por uma entrada infantil no jogador adversário. A expulsão encurralou o Santa Cruz, que acabou cedendo um gol para os visitantes e vendo a vitória esfacelar-se entre os dedos. Resultado ruim e que poderia ser totalmente diferente caso a equipe encerrasse a partida com todos os 11 homens em campo.

A quinta rodada e penúltima batalha tricolor em busca do acesso foi em Goiânia, contra o duro Vila Nova. As equipes, além de lutarem entre si, tiveram que ultrapassar uma outra forte barreira: a chuva. A tempestade começou a cair ainda no primeiro tempo e logo o campo se encontrou encharcado, fazendo com que a bola rolasse com extrema dificuldade pelo gramado. No placar, o Tigre aproveitou o mando de campo e confirmou uma vitória por 2×1, contra o agora desesperado Santa Cruz.

Matemática. Essa era a palavra do Santa Cruz para a última rodada do quadrangular. A equipe coral chegava com 5 pontos para o jogo que seria o mais importante da temporada para a equipe. O tricolor precisava, nessa última rodada, vencer o Brusque e torcer para que o Vila Nova não vencesse o Ituano fora de casa.

A tarefa de casa foi feita com sucesso com uma tranquila vitória por 3×1 contra os catarinenses. Porém, depender de resultados paralelos é desesperador e incômodo. A torcida e os jogadores, após o apito final do árbitro, ficaram sabendo do suado triunfo do time goiano no jogo paralelo ao do Santa Cruz, por 1×0, e, com o gol solitário, o acesso indo dramaticamente para as mãos do Vila Nova.

O Santa Cruz finalizou a temporada em terceiro no quadrangular, somando 8 pontos, apenas 1 a menos que o próprio Vila Nova, promovido à Série B junto com o Brusque – que já havia carimbado a vaga uma rodada antes.

O que deu errado?

A sequência de resultados desastrosos desde o fim da primeira fase foi crucial para o início de uma corrente de protestos e indignações por parte dos torcedores tricolores contra o presidente do clube, Constantino Júnior, que encerrará, em fevereiro de 2021, um mandato repleto de fracassos e inconsistências. Em 3 anos no cargo, o presidente não conquistou nenhum título com o Santa Cruz, nenhum acesso e pouquíssimas foram as reformas e contratações que beneficiaram o clube em algum segmento.

Outro fundamental ponto aberto para debates acerca do fracasso tricolor na Série C foi a vultosa decadência de um dos principais pilares da equipe. O atacante Pipico, que está na equipe do Arruda desde 2018, fez boas partidas em competições que antecederam a disputa da Série C na temporada, a exemplo da Copa do Nordeste e do Campeonato Pernambucano.

O “matador”, carinhosamente apelidado pela massa coral, anotou alguns tentos na terceirona, mas ficou marcado pelo pouco destaque e protagonismo. O centroavante emplacou 5 gols em 15 jogos na Série C, somando primeira e segunda fase. Estatística que demonstra que a falta de gols da principal esperança de bola na rede foram de extrema importância para a triste permanência tricolor no terceiro escalão.

Apesar disso, é importante ressaltar que a culpa pelo fracasso não cai apenas sobre um determinado atleta do elenco, todos, alguns mais e outros menos, têm a sua parcela de culpa.

Próxima temporada

Ainda não sabemos todos os clubes participantes da Série C de 2021, mas podemos traçar um caminho bem provável para o Santa Cruz na próxima temporada. A terceira divisão continuará, ao que tudo indica, sendo dividida em dois grupos regionalizados, o que significa que times de estados e regiões relativamente mais próximos estarão juntos e compartilharão o mesmo grupo.

A equipe pernambucana deve fazer parte, novamente, do grupo A, desta vez com os recém-promovidos Altos, do Piauí, e Floresta, do Ceará, além dos remanescentes Manaus, Jacuipense, Ferroviário, Botafogo-PB e do Paysandu, que, assim como o Santa Cruz, não conseguiram se classificar para a segunda divisão nacional após a disputa no quadrangular.

A imensa torcida do Santa Cruz, apaixonada de forma inexplicável pelo clube, não suporta mais ver um dos clubes mais tradicionais do País em uma situação de total descaso e ostracismo. Mais uma temporada se iniciará e os objetivos não alcançados da temporada anterior serão transferidos para a seguinte. A massa tricolor espera que o mesmo não aconteça com as frustrações. 

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Por Raul Holanda – Fala! UFPE

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