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‘O Dilema das Redes’: por que você deve assistir ao filme da Netflix

O Dilema das Redes (The Social Dilemma, no título original) é um docudrama estadunidense, que analisa a influência das redes sociais na sociedade, mesclando depoimentos reais, de nomes relevantes no mundo da tecnologia, com cenas dramatizadas. Dirigido por Jeff Orlowski e escrito por Orlowski, Davis Coombe e Vickie Curtis, o longa ganhou notoriedade após ser disponibilizado na plataforma de streaming Netflix, em setembro deste ano. 

A obra expõe a manipulação vista nas redes sociais, com uma realidade assustadora, mas que precisa ser debatida o quanto antes, principalmente no âmbito nacional,  visto que o Brasil é segundo colocado entre os países que mais usam as redes sociais, segundo pesquisa recente da empresa GlobalWebIndex, em 2019. Desde o lançamento na plataforma vermelhinha, o documentário tem causado uma sensação de paranoia em vários espectadores. E o pior, com toda razão, como iremos ver abaixo. 

o dilema das redes
Filme O Dilema das Redes. | Foto: Reprodução.

O Dilema das Redes: Por que você deve assistir ao filme

Você é o produto

Em agosto de 2020, o criador do Facebook e dono de duas principais redes sociais (Instagram e WhatsApp), Mark Zuckerberg, alcançou uma fortuna pessoal de US$ 100 bilhões, subindo de posição no TOP 10 dos mais ricos do planeta. A dúvida de muitos é: como Mark obteve tanto patrimônio se seus clientes, que usam as redes sociais, não pagam nenhum valor por isso? 

A resposta dada em O Dilema das Redes é simples, mas perturbadora: não somos os clientes, e sim os produtos que estão sendo vendidos. Na verdade, os clientes das redes sociais são os anunciantes, os governos, as marcas. 

As redes sociais conseguiram um feito inédito, enquanto na televisão, rádio ou mídias impressas as propagandas tinham que ser distribuídas a todos, sem distinção de interesses, e torcer para que houvesse interesse, nas plataformas digitais o algoritmo sabe o que o usuário se quer, e consegue até mesmo inserir novos interesses sem que ele nem ao menos perceba. 

O que isso significa na prática? Seu tempo, dados e preferências são vendidos para as empresas, para que elas tenham uma chance muito maior de sucesso quando te expor a um anúncio. 

Existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software.

O professor da Universidade de Yale, Edward Tufte, é categórico ao comparar o uso das redes com o vício em drogas. É assim que se ganha dinheiro, quanto mais tempo o usuário fica nas redes, a mais anúncios ele é exposto. Um dos exemplos é o esquema de rolagem, isso denota uma sensação de algo sem fim, a pessoa fica rolando e sempre tem algo novo para ver, mantendo-se, dessa forma, conectado. Há também as notificações que te puxam para dentro da plataforma novamente, quando você não está on-line.   

Os entrevistados do documentário descrevem que, entre os métodos de manipulação, está o uso de técnicas psicológicas para liberar dopamina , neurotransmissor ligado ao prazer e felicidade, de forma artificial no organismo do usuário.

Com o sistema de “recompensa imediata”, que é realizada por meio das reações positivas, como curtidas, as redes são capazes de gerar uma validação social instantânea, que gera a liberação de dopamina, mas que tem um efeito rebote, prendendo quem utiliza às plataformas em um ciclo, em que se quer cada vez mais likes, comentários e seguidores, pois nunca parece ser suficiente. 

Chupetas Digitais 

Mesmo que as redes sociais sejam usadas por todas as faixas etárias, de acordo com o documentário, é entre os jovens que fazem mais sucesso. As redes sociais causam grande impacto na autoestima e psicológico de todos, mas a influência pode ser ainda maior em crianças e adolescentes, que ainda estão em fase de formação de identidade e não sabem lidar com tanta pressão para toda essa “perfeição” vista nas plataformas. 

Para o ex-Google Tristan Harris, hoje ativista digital e peça-chave no documentário, as redes estão formando “uma geração inteira de indivíduos que, sempre que se sentem desconfortáveis, sozinhos ou amedrontados, recorrem a ‘chupetas digitais’ para se acalmar”. Basta observar os absurdos que são feitos para conseguir likes ou mais seguidores nas redes sociais, tanto por quem utiliza as plataformas como trabalho, quanto para indivíduos comuns. Cada vez mais se vive por uma aprovação social plena, que na verdade é inalcançável. 

Os efeitos causados são devastadores para a saúde mental dos jovens, que nunca estiveram tão ansiosos ou depressivos. Prova disso é que a taxa de suicídios entre adolescentes de 10 a 19 anos aumentou 24% nas maiores cidades brasileiras e 13% no interior do país, entre 2006 e 2015, de acordo com pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). E isso não se resume ao Brasil. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 24 anos no mundo, perdendo apenas para acidentes de carro. 

Os sentimentos de descontentamento e inadequação generalizados, que já são comuns na adolescência, são potencializados, até mesmo incentivados, pelas redes sociais. Em O Dilema das Redes, é mostrado que o algoritmo dessas redes utiliza estas insatisfações com o corpo, relacionamentos, ou a vida em si, para vender produtos.

Um exemplo de como as redes sociais podem estar causando dismorfia corporal nos jovens é o aumento de 141% de cirurgias plásticas realizadas entre 13 a 18 anos de idade nos últimos dez anos, sendo as principais a rinoplastia e o implante de silicone, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). Um fato curioso é que esse aumento se deu no mesmo período em que o Instagram esteve no ar. A plataforma, que utiliza de filtros para modificar rostos e corpos, e até mesmo alguns que simulam cirurgias plásticas, completou dez anos em outubro deste ano. 

Bolhas sociais

Outro ponto abordado em O Dilema das Redes é a importância das redes sociais como ferramenta política. As eleições presidenciais que elegeram Donald Trump, nos EUA, e Bolsonaro, no Brasil, são alguns dos exemplos utilizados para denotar o problema das bolhas ideológicas e da disseminação de fake news que ocorre nas plataformas digitais. 

Como dito no longa, nem o algoritmo e nem as pessoas se importam com a verdade, a verdade é chata, não engaja. Por essa razão, não é relevante qual o ideal defendemos, se preconceituoso, difamatório ou mentiroso, nas redes sociais temos a sensação de que estamos certos, pois, para não nos perder, o algoritmo sempre irá mostrar publicações que concordamos.

Assim, as bolhas sociais foram se formando e a polarização da sociedade foi aumentando até chegar ao ponto crítico que é visto atualmente.  

Qual a saída? 

Uma das principais críticas ao documentário é justamente o fato de expor uma série de problemas que são causados pelas redes sociais, mas não propor solução efetiva para nenhum deles. Fala-se um pouco sobre regulamentação das redes, que poderia ser um começo para a resolução, mas nada muito ferrenho. E aqui também cabe um questionamento à Netflix, que parece querer refletir sobre seu próprio mercado, mas precisa mais do que um produto abordando o tema para convencer que quer mudanças reais na indústria. 

Para o usuário comum, o filme dá algumas dicas de como se proteger um pouco desses perigos sem ter que deletar suas redes sociais, como desativar as notificações, não assistir ou clicar nas recomendações do aplicativo, monitorar o tempo gasto nas redes e tentar furar a bolha do algoritmo, seguindo páginas ou pessoas que são contrários aos seus interesses para ter contato com opiniões diversas. Mesmo assim, essas recomendações funcionam de modo individual, mas não passam nem perto de resolver todo o problema.  

Vale lembrar que, assim como é dito no documentário, não é a primeira vez que a humanidade é manipulada para que alguns poucos prosperem. Aliás, isso é algo recorrente no mundo, todo o nosso sistema depende disso. Veículos de grande mídia, grandes empresas e políticos já faziam esse tipo de ação desde os primórdios das sociedades.  Não há como afirmar que a regulamentação é a chave, mas esperar consciência de grandes empresas é algo que raramente dá certo.

É preciso que toda uma sociedade reflita sobre a questão para encontrar saídas cabíveis. O mundo virtual reflete o real, afinal, não há como demonizar as redes sociais, se são apenas ferramentas criadas e usadas por seres humanos. 

Não é que a tecnologia em si seja uma ameaça existencial. É a capacidade da tecnologia de trazer à tona o pior da sociedade. E o pior da sociedade é uma ameaça existencial.

Tristan Harris.

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Por Beatriz Martins de Oliveira – Fala! Mack

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