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O amor (na sala de) espera: casal que namorava à distância só se encontrava no consultório

Jovens que se conheceram durante tratamento odontológico namoraram a distância por cinco anos. Nesse período, a maioria dos encontros do casal aconteciam em uma sala de espera 

Março de 2010. Thayrine de Campos, ao longo dos seus 17 anos de vida, já havia percorrido inúmeras vezes os 265 quilômetros que separam as cidades catarinenses de Timbé do Sul, onde ela morava, e Florianópolis. As viagens duravam, em média, três horas e meia. Desta vez, Thayrine estava acompanhada de seu pai, Luiz Campos, e também da sensação de que a ida até a capital de Santa Catarina estava demorando muito mais do que o habitual. Essa percepção de que o tempo estava passando devagar era, na verdade, um sintoma de ansiedade.

O motivo da inquietação de Thayrine tinha nome e sobrenome: Antonio Campos, de 18 anos. As coincidências do destino que pareciam tentar insistentemente formar o casal começaram com os sobrenomes e os acompanharam ao longo da vida. Depois de 90 dias namorando pela Internet, eles iriam, enfim, se encontrar pessoalmente. Do outro lado dessa história, o jovem Antonio também precisava viajar para ver a namorada. No caso dele, foram percorridos 230 quilômetros que separavam sua residência, em Lages, de Florianópolis. 

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), uma velha conhecida dos dois, serviria novamente como ponto de encontro. Ao longo de toda infância e adolescência, Antonio e Thayrine se encontravam com frequência na sala de espera do Núcleo de Atendimento a Pacientes com Deformidade Facial (NAPADF).

Por possuírem lábio leporino, condição que se classifica como má formação genética, o casal realizava o tratamento no Núcleo desde o primeiro ano de vida. “Eu conheço ele desde que me entendo por gente”, conta Thayrine. Os anos de convivência, as coincidências do destino e os encontros do casal – mesmo que rápidos e esporádicos – despertaram um sentimento mútuo de cuidado, carinho e amor.

Enquanto as lembranças do passado e as expectativas para o futuro preenchiam a mente de Thayrine, a viagem chegou ao fim. Junto com seu pai, ela caminhou a passos firmes e apressados até a sala de espera do NAPADF. Sentou-se no banco de madeira e esperou por alguns minutos que pareciam intermináveis. Com o coração batendo forte, ela viu Antonio se aproximar. Ele sorriu de longe, comprimentou-a com um beijo no rosto e a convidou para dar uma volta pela universidade. Ansiosos, os dois saíram porta afora conversando. A mão de Antonio envolvia a mão levemente trêmula de Thayrine.

Os estudantes e professores distraídos que passaram pelo casal nem imaginavam a importância do momento que estava prestes a acontecer. Depois de alguns minutos caminhando, Antonio e Thayrine encontraram um local mais tranquilo, longe do agito dos universitários. A conversa que, até então, tinha fluído naturalmente se transformou em silêncio. Eles ficaram frente a frente e se encararam com ternura por alguns segundos. E foi assim, depois de tanta espera e ansiedade, que o primeiro beijo aconteceu. 

Depois do beijo, os dois se olharam e soltaram uma risada boba. Devagar, Antonio tirou do bolso um pequeno pacotinho branco e entregou a ela. Logo depois, num misto de orgulho e impaciência, disse: “A minha já está no dedo!”.

Sem entender muito bem o que estava acontecendo, Thayrine abriu o pacotinho e se deparou com uma aliança. A cor era prata e o nome Antonio estava – peculiarmente – gravado do lado de fora. Ele pegou, com delicadeza, a mão direita dela e colocou a aliança no dedo anelar. 

Logo em seguida, voltaram rapidamente para o prédio das Clínicas Odontológicas, localizado no Centro de Ciências da Saúde da UFSC. Lá dentro, eles se dirigiram até o consultório do NAPADF. Estava na hora da consulta dos dois. Os dentistas, que estavam a par da situação, fizeram questão de atender o casal em cadeiras odontológicas lado a lado. 

Depois da consulta, Antonio também tinha a intenção de pedir para o pai da garota, Seu Luiz, a mão dela em namoro. Para isso, ele precisava ficar a sós com o futuro sogro. Para ajudar o namorado, Thayrine colocou seu plano em ação: enquanto Antonio aguardava do lado de fora da sala de espera do NAPADF, Thayrine insistia para que seu pai “acompanhasse ela até o banheiro”. Quando Luiz se dirigiu até o lado de fora e viu Antonio esperando, exclamou: “Acho que vocês estão me aprontando!”.

O plano foi um sucesso. Antonio pediu a Luiz permissão para namorar com Thayrine, e o sogro concordou. A estratégia contou ainda com uma ajudinha materna. Celina Campos, mãe de Thayrine, era quem geralmente acompanhava a filha nas consultas no NAPADF. Sabendo das intenções do futuro genro, Celina fingiu estar doente para que, dessa vez, Luiz fosse junto com Thayrine até o Núcleo. A partir do momento em que o sogro consentiu com o namoro, Antonio e Thayrine estavam oficialmente namorando.

Após todas essas emoções, Antonio e Thayrine se despediram. A distância voltaria a separá-los durante os próximos três meses. Sabendo do relacionamento, a equipe do NAPADF decidiu “dar uma forcinha” e marcar a próxima consulta do casal para a mesma data. Thayrine sabia que o tempo longe de Antonio seria difícil, mas a certeza de revê-lo em breve enchia a jovem de esperança. Foi através do NAPADF que eles se conheceram, e seria através desse porto seguro que eles poderiam continuar se encontrando. 

Porto seguro

O NAPADF (Núcleo de Atendimento a Pacientes com Deformidade Facial) é um projeto de extensão e uma disciplina obrigatória do curso de odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Em atividade desde 1996, o projeto foi fundado pelo professor Roberto Rocha e é o mais antigo em funcionamento dentro do departamento.

O Núcleo atende gratuitamente pacientes com deformidades faciais, principalmente os que possuem lábio leporino e/ou fenda palatina. O tratamento é complexo e envolve diversos profissionais, tanto da odontologia quanto de outras áreas como cirurgia plástica, fonoaudiologia, nutrição, psicologia, entre outros. Além disso, o período de tratamento é longo e pode se estender desde os primeiros meses de vida até a pessoa completar 20 anos. 

Lábio leporino e fenda palatina são definidos como anomalias congênitas, ou seja, são problemas que ocorrem durante o desenvolvimento do feto na gestação. Essas malformações podem acontecer no lábio (lábio leporino), na gengiva, nos dentes, no maxilar superior, no palato (fenda palatina) e no nariz. Quando isso ocorre, a má formação impede que uma ou várias dessas partes do corpo se fechem de maneira correta, provocando o aparecimento de uma ou duas fendas.

O que define a extensão da fissura é o período gestacional em que a má formação acontece, sendo que esses dois elementos são inversamente proporcionais: quanto mais cedo a má formação se apresenta, maior será a fissura provocada. Ainda não estão claros quais os fatores que provocam o lábio leporino e/ou a fenda palatina, mas acredita-se que alguns elementos podem influenciar, como, por exemplo: predisposição genética, radiação, obesidade, fumo, estresse, entre outros. 

Dependendo da extensão que a anomalia atinge, ela pode provocar de alterações estéticas a problemas respiratórios, de fala, nutrição, audição, modificação nos dentes, entre outros. Por estas razões, o tratamento é longo e dividido em várias etapas, acompanhando o desenvolvimento do indivíduo. Estão inclusos, nesse processo, a colocação de aparelhos ortodônticos, realização de cirurgias plásticas, de implantes e de enxertos.

Durante os primeiros anos de vida, os procedimentos são mais intensos. O tratamento acaba quando o paciente é adulto, ou seja, está com sua estrutura corporal completamente desenvolvida e todos os recursos de tratamento se esgotaram. 

O papel desempenhado pelo Núcleo torna-se ainda mais relevante quando confrontado com a incidência de lábio leporino na população brasileira. De acordo com o Ministério da Saúde, em média, a cada 650 nascidos, um possui a anomalia. A sequência de acontecimentos que culminou na fundação do projeto iniciou-se há 34 anos e perpassa a vida profissional do professor Roberto.  

O ano era 1986 e o então formando no curso de odontologia da UFSC, Roberto Rocha, foi um dos organizadores de um evento chamado Ciclo de Estudos Odontológicos. Nesse evento, professores de diversos lugares do Brasil foram chamados para participar como palestrantes. Um dos convidados da ocasião, o professor de ortodontia do departamento de odontologia da Universidade de São Paulo (USP), Omar Gabriel da Silva Filho, esteve presente e compartilhou suas experiências.

Na época, Omar atuava no Hospital de Reabilitação e Pesquisa de Lesões Lábio Palatinas, localizado em Bauru – SP. Neste período, o hospital era (e é até hoje) considerado o maior centro de referência do país no tratamento deste tipo de deformidade. Hoje em dia, a instituição chama-se Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, conhecido popularmente como “Centrinho”.

Através da participação do professor Omar no evento, Roberto ficou sabendo que, no ano seguinte, em fevereiro de 1987, haveria um concurso público para a vaga de residente no Centrinho. Ele foi aprovado, se mudou para São Paulo e cursou por dois anos a pós-graduação em Ortodontia Preventiva e Interceptativa junto ao Hospital.

“Na estrutura do hospital da USP, vislumbrei como a organização pode produzir resultados eficazes, especialmente nessa situação tão delicada das crianças e das famílias que ficam fragilizadas quando são acometidas por essa deformidade. Foi uma experiência brilhante, apaixonante e encantadora”, relata Roberto. Quatro anos depois, em 1991, Roberto se tornou  mestre em ortodontia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

De volta a Florianópolis, foi aprovado no concurso para professor substituto de ortodontia na UFSC. Em paralelo à aprovação e graças às suas experiências anteriores, ele foi convidado a participar do serviço de atendimento a pacientes fissurados no Hospital Infantil Joana de Gusmão. Entretanto, a estrutura do hospital era muito pequena, precária e burocrática.

Ao mesmo tempo que eu estava muito animado por participar dessa iniciativa [no Hospital Infantil], eu também comecei a experimentar uma certa frustração.

Conta. 

A frustração o motivou a levar o atendimento dos pacientes fissurados para dentro da UFSC. Com a ajuda da professora entusiasta Daniela Lemos Carcereri, da área de odontopediatria, e do então coordenador de curso, Gilsée Ivan Reges Filho, em 1994, isto finalmente se tornou realidade. Dois anos depois, o atendimento foi oficializado através da fundação do projeto de extensão, chamado Núcleo de Atendimento a Pacientes com Deformidade Facial (NAPADF). 

O Núcleo proporciona um retorno direto à sociedade através do tratamento gratuito e de qualidade para os pacientes com deformidade facial, e também contribui para a formação dos estudantes de odontologia da UFSC. Sob a supervisão e tutoria dos professores Roberto Rocha, Carla Miranda e Dalto Ritter, os alunos podem ter a experiência do atendimento clínico específico voltado a pacientes fissurados.

Os estudantes que estão habilitados a participar do NAPADF são aqueles que estão no 3°, 9° e 10° semestre do curso, sendo que os veteranos efetivamente atendem os pacientes enquanto os calouros prestam auxílio. 

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Professores Carla Miranda e Roberto Rocha, durante atendimento no NAPADF em outubro de 2019. | Foto: Luana Moreno.

A existência do Núcleo também teve uma consequência inesperada: o encontro do casal Antonio e Thayrine. Nesse processo de flerte, romance e início de namoro, os estudantes do Núcleo tiveram um papel fundamental. 

Alunos cupidos 

O dentista Rodrigo Leal Machado se formou na UFSC em 2009. No ano seguinte, iniciou o curso de especialização em ortodontia, cuja parte prática era desenvolvida no NAPADF. Thayrine foi uma das pacientes atendidas por Rodrigo durante os três anos que ele cursou a pós-graduação. Na época, esse curso de especialização era pago: os alunos contribuíam com um valor de matrícula e mensalidade, sendo que o recurso subsidiava o funcionamento do Núcleo.

Entretanto, o Ministério Público Federal protocolou uma ação cível pública contra a Universidade, alegando que a cobrança seria ilegal. Em função disso, em 2016, a UFSC parou com a arrecadação de verbas desta modalidade e, consequentemente, a pós-graduação em ortodontia foi extinta. 

O amor e a dedicação à odontologia correm nas veias da família Leal-Machado há anos. O avô, a tia e o irmão de Rodrigo também se formaram em odontologia na UFSC. Quando a hora de prestar o vestibular chegou, Rodrigo, na época com 19 anos, também foi influenciado pelas escolhas profissionais de seus familiares. “Eu vou fazer isso aí porque deve ser bom e está no sangue (risos). Eu tinha essa fascinação por odonto de família”, conta. Desde o início da graduação, ele se sentiu atraído pela parte específica de ortodontia. Por isso, depois da formatura, decidiu se especializar na área.

De acordo com Rodrigo, são raros os cursos de ortodontia que dão a oportunidade do estudante atender pacientes com deformidade facial. Isso ocorre, principalmente, porque esse tipo de tratamento é um pouco mais complexo que os convencionais. Por esse motivo, a capacitação de ortodontistas oferecida pelo NAPADF se torna um diferencial no mercado de trabalho. Graças a suas experiências junto ao projeto, o dentista se considera apto para atender estes pacientes. 

No NAPADF, os responsáveis por marcar as consultas dos pacientes são os próprios alunos. Assim que Rodrigo foi designado para atender Thayrine, o professor Roberto contou a ele sobre o romance existente entre os pacientes do Núcleo. A par dessa informação, o aluno continuou viabilizando que as consultas dos dois fossem marcadas para o mesmo dia. Dessa forma, os encontros do casal estavam garantidos. Quando os atendimentos aconteciam, Rodrigo “percebia que ela [Thayrine] vinha sempre bem arrumada, pronta pro date (risos)”.

Na visão de Rodrigo, no Núcleo a convivência entre pacientes, professores e alunos faz com que laços de amizade, respeito e carinho se formem. “Você acaba criando uma família ali”, ressalta. Além disso, o dentista acredita que, às vezes, os alunos estão tão focados no aprendizado, que acabam não tendo a noção exata do impacto causado por eles na vida dos pacientes. 

“A gente faz a diferença sem notar naquele momento. Hoje em dia, vejo que o tratamento gerou um benefício funcional, de fala, estético, e também na vida deles [Antonio e Thayrine]. São duas pessoas que se encontraram, casaram, e que estão sendo felizes por causa de um encontro ocorrido na época que a gente estava atendendo”, relata.

Após ficar sabendo do desfecho da história do casal, Rodrigo afirma ter compreendido a proporção que teve a sua atitude de marcar as consultas dos dois para o mesmo dia. “Eu acho que para nós, como alunos, isso é bem gratificante. Fez uma diferença muito maior do que imaginávamos”.

Além de Rodrigo, muitos outros alunos também colaboraram para que o namoro do Antonio e de Thayrine acontecesse, como Jonas Valmorbida, Caroline Stanguerlin e Manuela Zasso. O apoio das famílias do casal também desempenhou um papel importante na história de vida deles, tanto nos tratamentos individuais quanto na concretização do namoro.

Coincidências familiares

Celina Campos (mãe de Thayrine) e Stelamaris Campos (mãe de Antonio) compartilham uma história de vida parecida. Essa semelhança começa nos sobrenomes e acompanha as duas mulheres ao longo da vida. Por conta dos recursos médicos disponíveis nos anos 1990, período em que Antonio o Thayrine nasceram, as duas mães só ficaram sabendo que os filhos possuíam lábio leporino depois do parto. Para as duas famílias, descobrir isso foi uma surpresa. “A gente nunca tinha visto uma situação assim, naquela época, a gente se desesperou”, lembra Celina. Nas duas situações, havia parentes que possuíam lábio leporino e/ou fenda palatina: no caso de Antonio, o pai;  no de Thayrine, um tio-avô. 

Para as duas mães, momentos distintos marcaram a trajetória dos filhos durante o tratamento. Para Stelamaris, foi quando o filho, aos 13 anos, teve complicações em uma cirurgia. Na ocasião, foram retirados alguns fragmentos de ossos do quadril do garoto para ser enxertado na região da mandíbula. Entretanto, a recuperação não saiu como planejado, e o corpo de Antonio rejeitou o enxerto. Por isso, ele teve que refazer a cirurgia.

Como a primeira operação não deu certo, a princípio, ele não estava disposto a tentar novamente. “Foi bem difícil, bem complicado, a gente conversou bastante com ele para poder fazer pela segunda vez”, relembra. Felizmente, a segunda cirurgia foi bem-sucedida. 

Antonio
Antonio aos 21 anos, em 2013. | Foto: Arquivo pessoal.

Para a mãe Celina, a situação mais memorável do tratamento foi quando as duas fendas do lábio de sua filha foram fechadas. Na época, Thayrine tinha nove meses de idade, e essa foi sua primeira cirurgia. “Lá no hospital, quando eles levaram a gente para ver ela, a gente nem acreditou! Quando chegamos em casa, foi bem emocionante, porque a família toda tinha visto a boca dela toda aberta, e então ela estava com a boquinha fechada”, conta Celina. 

Thayrine
Thayrine aos 9 meses, antes da cirurgia de fechamento das fendas do lábio. | Foto: Arquivo pessoal.

Como as famílias residiam em cidades interioranas, respectivamente em Timbé do Sul e Lages, médicos encaminharam as crianças ao NAPADF, em Florianópolis. Para poder realizar os atendimentos, mães e filhos tinham de viajar constantemente. Como o tratamento é longo e complexo, eles se encontravam com frequência no Núcleo. Inevitavelmente, elas se conheceram e os pequenos Antonio e Thayrine passaram a brincar juntos na sala de espera. Quando a adolescência chegou, um clima de timidez e flerte também passou a fazer parte desses encontros. 

Mães sabem das coisas. Geralmente, sabem antes mesmo dos filhos sequer pensarem sobre o assunto. Com Celina e Stelamaris, a história não foi diferente. As duas já tinham percebido a atmosfera de romance entre seus filhos. “A gente já imaginava. A Thayrine ficava dando umas olhadinhas e eu perguntava: ‘o que é que está acontecendo, filha?’. E ela: ‘nada mãe!’. Depois, quando ela me contou que estava conversando com o Antonio pela Internet, eu disse: ‘ah, eu já desconfiava, bichinha!’”, conta.

Stelamaris também tinha suas suspeitas: “pelo jeito dos dois se olharem a gente já ficava se perguntando será que vai ser namoro mesmo ou não?”, afirma. A partir do momento que o namoro se tornou oficial, as famílias passaram a se conhecer ainda mais e compartilhar um laço de parentesco. 

Outra situação curiosa que marcou a história do casal foi quando eles fizeram a cirurgia plástica no nariz. Mesmo sem combinar nada, e mesmo o procedimento sendo particular, os dois se encontraram novamente. Na época, a garota tinha 16 anos e o garoto, 17.

Na ocasião, Stelamaris estava internando seu filho, quando encontrou Celina junto com sua filha. As duas mães se reconheceram e compartilharam ansiedades referentes à cirurgia, pois Thayrine já havia saído do centro cirúrgico, enquanto Antonio estava se preparando para realizar o procedimento logo depois. Ele foi visitá-la em seu quarto, e Thayrine fingiu estar dormindo. Depois do encontro inesperado, os dois pensaram a mesma coisa: “Nossa, você aqui! De novo!”.

Thayrine e Antonio foram pacientes do NAPADF por, aproximadamente, duas décadas. Nesse período, eles fizeram inúmeras viagens, realizaram diversas cirurgias (18 no caso dele e 12, no dela), utilizaram vários aparelhos ortodônticos e fizeram muitos procedimentos. Nessa longa caminhada, mães e filhos reconhecem a importância do Núcleo para a realização completa do tratamento para lábio leporino. “Para nós, foi ótimo, foi bem importante, fomos bem atendidos todas as vezes”, relata Stelamaris.

11 anos depois

Atualmente, Antonio tem 28 anos e Thayrine 27. Em dezembro de 2019, eles completaram bodas de zinco. São 10 anos juntos, considerando o tempo de namoro e de casamento. Durante os primeiros cinco anos, eles namoravam a distância, e se encontravam principalmente na sala de espera do NAPADF.

Conforme o relacionamento foi ficando mais sólido, os namorados passaram a visitar um ao outro em suas respectivas cidades: Lages e Timbé do Sul.

Para isso, era necessário um malabarismo logístico. Faziam da seguinte forma: Antonio e Thayrine se deslocavam com os carros da Secretaria de Saúde de seus municípios até Florianópolis. Na capital catarinense, eles realizavam as consultas no Núcleo e retornavam juntos para Lages ou Timbé do Sul, com os respectivos veículos.

Quando Antonio completou 18 anos, ele tirou a carteira de motorista e as viagens para visitar a namorada se tornaram mais frequentes. Nesse período, eles se comunicavam pela Internet, através de redes sociais hoje em dia extintas, como MSN e Orkut. Atualmente, no Facebook, o nome de perfil utilizado por ela é Thayrine E Antonio; e na página dele, uma foto do casal ilustra o perfil. 

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Foto de perfil do Facebook de Antonio. | Foto: Arquivo pessoal.

Durante esse tempo em que eles ficaram manobrando a distância, Thayrine se formou em Serviço Social, na Universidade Uniasselvi. Depois de formada, passou no concurso de assistente social para trabalhar em Palmeira, cidade próxima a Lages. Cerca de cinco meses depois da aprovação, ela foi chamada para assumir a vaga. Com a convocação repentina, Thayrine se mudou às pressas para Lages, em fevereiro de 2015. Dessa forma, o casal finalmente pôde conviver todos os dias.

Apesar de não ter formalizado a união, eles se consideram casados desde o momento em que passaram a compartilhar a mesma residência. “Apenas fomos morar juntos, sem nenhuma formalidade jurídica. Foi tudo muito às pressas”, relembra a jovem. O ano de 2020 trouxe uma grata surpresa para os dois. Parafraseando a postagem do Facebook da Thayrine, “de dois corações, um só se fez!”. Ela está grávida, à espera da bebê Emanuely. Agora o status mudou: de casal para família!

Em outubro de 2018, através de um relato do professor Roberto, conheci o trabalho desenvolvido no NAPADF. Depois disso, visitei diversas vezes a sede do projeto e pude perceber a importância e o impacto que o atendimento oferecido têm na vida dos pacientes. Além disso, também soube superficialmente da história do casal Antonio e Thayrine. A pequena síntese que ouvi foi suficiente para me instigar a querer conhecer todo o contexto, encontros e enlaces envolvidos. Decidi, então, que produziria uma reportagem. 

No ano seguinte, em abril, entrei em contato com o casal, e os dois gentilmente se ofereceram para vir até Florianópolis. Novamente, o NAPADF serviu como ponto de encontro, desta vez, entre o casal e eu. Apesar de já terem finalizado o tratamento, os dois se consultaram no Núcleo para aproveitar a viagem. Ao retornar ao NAPADF, sentar-se na sala de espera, e rever o professor Roberto, inúmeras memórias voltaram à mente do Antonio e da Thayrine. O sentimento de gratidão era explícito no olhar do casal. O professor demonstrava uma grande satisfação em ver os benefícios que o tratamento proporcionou na vida de cada um, e também uma alegria a mais por saber que o projeto criado por ele foi determinante para o encontro, manutenção e consolidação do relacionamento.

Para o professor Roberto, o casal “ilustra um dos principais objetivos do nosso trabalho, que é reabilitar o paciente na sociedade. São pessoas muito especiais, hoje são jovens seguros de si, e quis o destino se encontrassem sentimentalmente. É uma situação muito feliz, sobre todos os aspectos”. 

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Thayrine e Antonio em festa de casamento em fevereiro de 2019. | Foto: Arquivo pessoal.

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Por Maria Vitória Woldan – Fala! UFSC

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