Baseado no livro-reportagem de Jessica Bruder, Nomadland retrata a jornada de Fern (Frances McDormand), uma mulher viúva amargurada por seu passado que vive como nômade pelas estradas dos EUA. Após o colapso financeiro causado pela Grande Recessão em 2008, a fábrica onde Fern trabalhava é fechada. Sua cidade, Empire, localizada no estado de Oklahoma, sofre com drásticas consequências que ocasiona o êxodo dos habitantes.

Fern, atingida pela adversidade, fica sem um emprego fixo e perde sua casa. Assim, ela adota o nomadismo, escolhe morar em sua van e percorrer por diversas cidades americanas. Diante da realidade, ela depende da sazonalidade de um trabalho na Amazon como empacotadora e serviços temporários em outros estabelecimentos para se sustentar. O filme acompanha suas viagens e os laços que ela constrói no caminho.
Nomadland: leia a crítica do filme
O road-movie (filme de estrada) dirigido, editado e roteirizado pela cineasta chinesa Chloé Zao, venceu o Leão de Ouro no Festival de Veneza, prêmio mais importante do evento. A produção também ganhou em duas categorias no Globo de Ouro 2021, que aconteceu no dia 28 de fevereiro: melhor direção e melhor filme de drama. Nomadland é mais um daqueles filmes que provam como muito dinheiro não é o que vale para fazer uma obra incrível.

A beleza do caminho
Vencedora do Oscar de melhor atriz em 1997 e 2018, Frances McDormand interpreta o seu papel com muita autenticidade. Você não consegue pensar que ela não é aquela mulher nômade que está procurando por conforto para sua alma. Seu olhar transmite sofrimento, melancolia e, ao mesmo tempo, um pouco de esperança. É possível sentir o vazio que ela carrega pelas experiências vividas.
Nas cenas em que ela despede de seus companheiros de estrada, a câmera dá ênfase para suas reações e você testemunha o quão difícil é para Fern dizer adeus. Com apenas as expressões faciais, Frances McDormand revela o quão machucada a viajante está por todos os traumas da jornada. Uma fisionomia cansada, mas que ainda tenta encontrar razões para seguir.
Chloé Zao decidiu formar um elenco de apoio com não-atores, trabalhadores humildes que residem em suas vans, e isso faz a narrativa ter muito realismo. Há uma naturalidade esplêndida. Os diálogos entre os personagens são verdadeiros e a relação com Fern é orgânica. Você compreende os motivos que levaram cada um deles a escolher esse modo de vida. São histórias duras de ouvir, mas necessárias de serem contadas. A excelente direção de Chlóe extrai o melhor de todos os inexperientes na atuação.
Seguindo uma linha quase documental, a diretora filmou os encontros dessas comunidades para relatar, sem qualquer tipo de julgamento, as razões que estimulam o grupo e as dificuldades enfrentadas.

A edição, também feita por Chlóe Zao, traz uma dinamicidade exata para o enredo. Há cortes certeiros. Ela sabe quando prolongar ou não uma cena e isso faz a narrativa prosseguir sem ficar cansativa. O espectador fica imerso em cada pedaço do cotidiano de Fern.
Composta por músicas clássicas de piano, a eficiência da trilha sonora se concentra em evocar a percepção de uma viagem existencial da personagem. O som do instrumento entra nos momentos certos, porque o silêncio também é muito explorado para elevar a reflexão. Você se aproxima da protagonista nos momentos em que ela não diz nada e vê que, na verdade, há muitos gritos em seu interior.
Além disso, um dos elementos mais marcantes da obra é fotografia de Joshua James Richards, que explora a beleza da estrada e das paisagens naturais. É uma linda exposição das imagens que acompanham os adeptos ao nomadismo. A cinematografia realça o encanto que existe em poder viver dessa forma. As longas sequências do nascer do sol e do entardecer são incríveis e criam uma ambientação poética e onírica para o filme.
Os dias passam muito rápido. Tudo acontece muito depressa. Ninguém consegue parar mais ou aproveitar o que está ao redor. A liberdade da comunidade nômade em seu modo de viver pelas estradas e desfrutando a natureza, confronta o capitalismo que deteriorou a sensibilidade. As cenas em que Fern grita seu nome na floresta ou quando toma banho nua no rio, mostra como a filosofia dos nômades restaura o que a sociedade pós-moderna, afundada na ganância, destruiu: o prazer de estar vivo e ter apenas o necessário.

“Te vejo na estrada”
Não há como apagar as memórias. Não é possível esquecer do que nos marcou. Somos feitos por elas. Quando perdemos o que amamos, uma parte de nós também se esvai. Mas, ao mesmo tempo, em contrapartida, são as lembranças nos fazem levantar a cabeça e seguir.
Nomadland é sobre ir apesar do sofrimento. Pegar estrada significa para cada nômade que mesmo que não superemos a dor, está tudo bem, podemos continuar. Só precisamos transformar as recordações em bons motivos para prosseguir.
Além disso, saliento o quanto o longa é uma celebração do poder de uma comunidade. Em tempos turbulentos, é o encontro com o outro que concede força suficiente para ainda poder sorrir e experimentar a maestria da vida. Um filme sensível, verdadeiro que não esbarra no melodrama exacerbado. Humano e inesquecível, Nomadland é uma obra-prima.
Não existe um adeus final porque te verei na estrada.
Ficha Técnica de Nomadland
Título Original: Nomadland
Lançamento: 2020
Direção: Chloé Zhao
Elenco: Frances McDormand, Linda May, Bob Wells
Duração: 1h50min
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Por Lucas Kelly – Fala! UFF