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Jeff Bezos pode ser o primeiro trilionário. Por que isso é errado?

“Se você acredita em capitalismo e democracia, em oposição à oligarquia, você não deveria acreditar em bilionários”, afirma Arwa Mahdawi, jornalista do The Guardian.

Jeff Bezos, dono da Amazon, se tornará o primeiro trilionário da história da humanidade dentro de alguns anos (6 anos, mais especificamente). Um trilhão equivale a mil bilhões; por sua vez, um bilhão equivale a mil milhões. É possível acreditar que alguém chegue a um trilhão em dinheiro só pelo próprio trabalho? Não, claro que não.

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Jeff Bezos pode ser o primeiro trilionário da humanidade. | Foto: New York Post.

Há milhares de empresários, no Brasil somente, que criam seu próprio negócio e trabalham horas intermináveis, negligenciando seus bem-estar e tempo com suas famílias para ter sucesso. No entanto, a maioria não chegará a um milhão — imagine um bilhão. Pode-se dizer que tais empresários não chegarão ao 1% pela natureza de seus negócios.

Mas pense assim: a Amazon começou como uma livraria on-line que funcionava da garagem da casa alugada de Jeff. Diferente de muitos, ele tinha pais que podiam investir um quarto de milhão. E, com diferentes caminhos que foram tomados pela companhia e diversas violações de direitos humanos, a livraria on-line se tornou um império cotado em um trilhão de dólares.

Em 2017, um tweet circulou por toda a Internet. Ele dizia: “Se você trabalhasse todos os dias, ganhando $5000 por dia, desde o tempo em que Colombo chegou na América até hoje, você ainda não seria um bilionário e você ainda teria menos dinheiro do que Jeff Bezos faz em uma semana. Ninguém trabalha para um bilhão de dólares”. Fazendo a matemática, a conta bate. Então, como Bezos chega a um trilhão de dólares?

Para fazer essa quantidade de dinheiro, é necessário quebrar as regras. Primeiramente, já foi comprovado que a Amazon capitaliza em trabalho infantil. Em documentos vazados, foi provado que a empresa recruta jovens de até 16 anos, que trabalham durante noites inteiras e horas extras para alcançar o objetivo de produção que a companhia exige. Em segundo lugar, os trabalhadores da companhia, além dessas crianças, se encontram em fábricas com pobres medidas de segurança, como nenhum alarme de incêndio e portas que são trancadas por fora, de modo que os empregados são trancados do lado de dentro.

Além disso, há diversos relatos de trabalhadores e ex-trabalhadores da empresa sobre outros maus-tratos que sofreram, como o constante monitoramento que os castiga caso tenham ido demais ao banheiro ou passado muito tempo nele (inclusive com mulheres grávidas). Os empregados da Amazon já tentaram diversas vezes criar sindicatos para defender seu direito de serem humanos, não robôs; no entanto, a empresa corta todos que o fazem.

Esses são apenas alguns exemplos dos diversos direitos humanos que a empresa cotada em múltiplos bilhões desrespeita.

Tais condições não são reservadas somente a Jeff Bezos e suas companhias. Abigail Disney, sobrinha-neta de Walt Disney, cuja riqueza é cotada em 120 milhões, foi aos parques no estado da Califórnia após receber reclamações de um dos trabalhadores de lá, que pediu que a herdeira checasse como eram tratados e o quanto trabalhavam.

Todas as pessoas com quem falei disseram-me: “Não sei como posso sustentar essa cara de alegria quando tenho que ir para casa e procurar comida no lixo de outras pessoas”.

Atualmente, a Disney tem canais de radio e televisão, parques de diversões, estúdios de cinema e uma série de outros negócios. Segundo a Business Insider, a empresa vale 130 bilhões. “Em uma empresa que nunca teve tanto lucro, não há desculpas para os trabalhadores não terem dinheiro para comprar comida, racionarem seus remédios…”

Em 2018, o salário de Bob Iger, CEO da companhia, foi $65 milhões de dólares — 1424 vezes o salário médio de um trabalhador da Disney. “Bob deve entender que ele é um funcionário da comapnhia assim como as pessoas que tiram o chiclete da calçada. Eles merecem ter a mesma dignididade que ele”, disse Disney.

Riqueza, sinônimo de poder

De acordo com o economista Emmanuel Saez para a Business Insider, “no topo, riqueza não é mais sobre segurança — é sobre poder. Ter muito capital te permite ter uma influência desproporcional à sociedade”. Jeff Bezos cometeu inúmeros crimes e, provavelmente, jamais pagará por eles.

Saez e Gabriel Zucman, ambos economistas que proveram análises aos planos de Elizabeth Warren e Bernie Sanders, descobriram que as 400 famílias mais ricas estadunidenses têm mais riqueza que 150 milhões de adultos na fundo da distribuição de dinheiro (60%).

Sanders, senador pelo estado de Vermont nos Estados Unidos, tem uma ideia a qual defende há tempos e que lhe trouxe bastante controvérsia durante sua campanha para ser o politico representativo do Partido Democrata: “tax on wealth”, ou seja, que é necessário ter um imposto pela riqueza de pessoas como Jeff Bezos. Hoje em dia, o governo americano, chefiado por Donald Trump, tem como prioridade as empresas e suas riquezas, de modo que considera injusto que paguem impostos (ou impostos compatíveis à quantia que geram).

Como escrito no site de campanha de Bernie, “Nos últimos 30 anos, o 1% no topo viu um crescimento de 21 trilhões na sua riqueza, enquanto a metade da base dos americanos perdeu capital, especificamente 900 bilhões. Em outras palavras, houve uma grande transferência de riqueza daqueles que têm muito pouco para aqueles que têm demais”.

De acordo com o senador, o imposto começaria em 1% em patrimônios líquidos acima de 32 milhões para um casal — o que significa que pagariam apenas $5000 ao ano. A wealth tax aumentaria para 2% em riquezas entre $50 e $250 milhões, 3% entre $250 e $500 milhões, até chegar aos 8% em patrimonies acima de 10 bilhões. O objetivo visado pelo senador é um aumento de $4.35 trilhões em uma década para o país, que seriam implementados em educação, saúde e outros serviços públicos. O dinheiro tirado dessa taxação seria levado à implementação de um sistema de saúde para todos, criação de universidades gratuitas, entre outros.

Enquanto isso, em 2018, bilionários americanos pagaram uma taxa menor do que a classe trabalhadora no país. Além disso, legistas falharam em dar mais dinheiro para que o Internal Revenue Service fizesse o trabalho correto em taxar os ricos ou procurar saber se eles pagaram tudo. No nível federal, a receita perde $458 bilhões por ano em evasão fiscal. O departamento cujo trabalho é checar o dinheiro e buscá-lo para que a soma seja correta diz não ter pessoal ou capital o suficiente para fazer todo esse trabalho — com isso, ignoram as famílias bilionárias, enquanto trabalhadores pagam pelos seus erros.

Em conclusão, é impossível de se trabalhar por uma quantia bilionária, ainda mais multibilionária. É necessário quebrar as regras para chegar lá — e alguns governos facilitam tal caminhada, enquanto milhares de pessoas que trabalham para essas empresas não conseguem bancar uma vida confortável. A desigualdade econômica só cresce. Um programa de taxação no patrimônio de bilionários não os faria pobres, só os faria contribuintes para uma sociedade mais igualitária.

Em 2026, Jeff Bezos será o primeiro trilionário. Não haverá limites no que ele poderá comprar. Nesse meio-tempo, milhões de pessoas no mundo inteiro se perguntam se devem comer ou pagar o aluguel.

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Por Domitilla Mariotti – Fala! UFRJ

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