A Kombi Branca dos palhaços e o sumiço de um garoto albino são os pontos centrais nos quais a HQ Kombi 95 gira em torno.
Contudo, após folhear mais algumas páginas adentro da história, fica fácil de perceber que tudo aquilo é uma desculpa do artista Thiago Ossostortos para relembrar os anos 90, período em que viveu a própria infância.
Enredo
Com 132 páginas, a obra é a primeira história longa do autor e lançada em 2017. Cheio de referências pop que dariam inveja aos produtores de Stranger Things, Kombi 95 mostra como os personagens Foguinho, Gelinho e Umbigo vão à caça de palhaços.
A motivação dos meninos é uma retaliação a um grupo de pessoas vestidas de palhaços que estavam rodando pela grande São Paulo naquela época para sequestrar e roubar órgãos dos moradores.
O livro entrega uma atmosfera intensamente nostálgica, na qual o leitor é imerso sem nenhum esforço para uma época em que a internet ainda não tinha o alcance dos dias de hoje, então, “as pessoas brincavam e conversavam fora de casa.
Havia perigo, mas não tinha outro jeito” (posfácio). E é só por causa do ambiente propício às aventuras que o trio de “caça-palhaços” se lança numa empreitada para exterminar personagens de uma lenda urbana.
O fato divertido tem alguns plots bem pensados que causam no leitor a sensação de que, quando há aquelas viradas na história, a HQ se mostra mais madura do que vinha sendo até então.
A história por si consegue prender o leitor pelo apelo que lendas urbanas, ainda mais uma tão inusitada quanto palhaços ladrões de órgãos e motoristas de kombis.
Pontos altos
Um ponto alto do quadrinho é a naturalidade dos diálogos mostrados que são muito fiéis à coloquialidade que adolescentes, ainda mais os inseridos na década perdida, demonstram ao conversar.
As revistas lotando as bancas, as crianças com carrinhos de rolimã, os pagodes tocando a cada esquina e os programas icônicos da TV são pontos de entretenimento que dão muito certo.
Por mais que seja divertido, um ponto pouco desenvolvido na HQ foi a relação dos personagens que aparecem como nada além de simples companheiros.
Isso deve ser enfatizado porque é defendido pelo autor que, antes da popularização da internet, havia mais relações e as pessoas se divertiam mais na companhia das outras – é sobre isso que se trata o quadrinho.
Porém, a obra não atinge essa realização e não há demonstrações de amizade mais verdadeiras e até mesmo o envolvimento de um dos personagens com uma paquera não vai além de cenas em que eles saem, se beijam e fazem sexo.
A ilustração da história em quadrinho é muito bem feita e as cores vibrantes aumentam a sensação do leitor de um ambiente animado e brasileiro.
Em todas as páginas, há sempre muitos personagens andando para cá e para lá e todos eles são desenhados com um traço debochado e cartunesco, sem que chegue ao ponto de serem bizarros.
Aos de riso mais frouxo, não é difícil rir dos figurantes e protagonistas que são demonstrados em Kombi 95. Aos de senso de humor mais rígido, ainda assim, estes poderão ser entretidos com a história e o ritmo frenéticos.
Conclusão
Kombi 95 é uma história em quadrinho e uma obra que vale a pena ser lida pela brasilidade, nostalgia e diversão propostas e alcançadas na ficção de Thiago Ossostortos.
O conjunto da obra faz pensar em como o mundo podia, sem a internet, se sustentar em aventuras e diversões. O livro também entrega uma história intrigante que envolve a imaginação inocente de garotos que não tinham nada mais a fazer senão acreditar naquilo que os tiraria da inércia.
O posfácio de Kombi 95 tem um esboço de como foi pensada, inicialmente, a obra, além de conter uma mensagem do autor sobre o surgimento da história contada na HQ. Seguindo a premissa descontraída do livro, há também uma lista das músicas que apareceram ao longo da história.
Sobre o autor
Thiago Ossostortos faz tiras em quadrinhos para a internet há mais de dez anos e já lançou um compilado de produções que fez à Revista MAD, uma HQ chamada Eloiza Aterroriza, uma coletânea chamada Quantoon. De maneira independente, publicou duas HQS: a primeira, Gatunos, em 2013, e a segunda, Pedágio, em 2015. O autor trabalha como ilustrador freelancer e também dá aulas de desenho.
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Por Gustavo Magalhães – Fala! PUC RIO