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Crítica: ‘Não Olhe Para Cima’, um dos maiores sucessos da Netflix

A Netflix lançou, em 2021, o longa Não Olhe para Cima, que se tornou um grande sucesso de público e repercussão em pouco tempo. No Brasil, o filme estreou na plataforma em 9 de dezembro.

Com uma crítica ácida e cirúrgica sobre os males da sociedade atual, ele causa impacto pela semelhança com momentos que estão vivendo em tempo real. A seguir, confira uma crítica sobre a película!

Alerta de spoiler

Não Olhe Para Cima, um dos mais novos sucessos da Netflix.
“Não Olhe Para Cima”, um dos mais novos sucessos da Netflix. | Foto: Reprodução.

Análise Crítica de Não Olhe Para Cima, mais novo filme de sucesso da Netflix

A História

Os astrônomos Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) e Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) descobrem que um meteoro mortal está se aproximando da Terra e destruirá a humanidade em cerca de seis meses. A partir desse momento, eles se esforçam em alertar o governo americano e a sociedade sobre o perigo que se aproxima.

Aprofundando a Análise Crítica

O roteiro escrito pelo também diretor Adam McKay foi produzido em 2019, antes da eclosão da pandemia de coronavírus. Esse fato demonstra que o negacionismo e arrogância de parcela da sociedade, imprensa e política não é uma construção narrativa que insurge a partir da Covid-19.

Uma reportagem publicada no UOL, datada de 11/01/2017 ressalta, já no título, que a visão de Trump sobre a vacinação infantil desafiava a ciência. A retórica incansável do presidente americano em desafiar a lógica científica e criticar a vacinação de crianças sempre contou com uma base de apoio, semelhante àquela que posteriormente viria a se tornar o grupo de defensores do terraplanismo, outro absurdo característico de americanos negacionistas, mas não só deles.

Aqui no Brasil, em 2018, durante a campanha presidencial, e até mesmo após o pleito, o presidente Jair Bolsonaro por vezes tratou de insultar e desmerecer a luta político-ambiental da jovem Greta Thunberg, que dedica sua luta às causas climáticas. A figura de um homem político poderoso desmerecendo a luta de uma pessoa engajada em difundir o óbvio, e no caso de ser uma mulher, o tratamento machista e misógino que é dado a essa pessoa, muito se assemelha com a situação sofrida pela personagem de Jennifer Lawrence.

Jennifer Lawrence como a cientista Kate Dibiasky.
Jennifer Lawrence como a cientista Kate Dibiasky. | Foto: Reprodução.

Voltando ao filme, temos a figura dos dois astrônomos (cientistas e pesquisadores) dedicados a abrir os olhos da sociedade para o risco iminente de devastação e extinção humana. Ainda que ambos sejam tratados como ridículos lunáticos, o tratamento dado aos cientistas se difere por conta de seu gênero: enquanto o personagem de DiCaprio é tratado como “o cientista gato”, que habita no inconsciente do fetiche mórbida da sociedade (inclusive quando ele se envolve com a jornalista negacionista do programa de tv negacionista), a personagem de Lawrence é tida como a louca, mal amada, feia, mal vestida e histérica, que escancara verdades tão difíceis de ser encaradas por pessoas de mente fechada que preferem diminuí-la ao invés de simplesmente escutá-la.

Vale ressaltar também a personagem de Hettienne Park (Dra. Calder), uma anestesista que assume o comando da NASA, mas é retirada do cargo para assumir um erro cometido não por ela, e sim pelo governo americano.

Outra personagem do filme que mostra o comportamento social é a cantora Riley Bina, interpretada pela atriz e cantora Ariana Grande. A personagem serve para mostrar o quanto a espetacularização da vida de personalidades ganha mais destaque e engajamento público do que um fato científico, como a aproximação do meteoro.

Meryl Streep como a presidente americana Janie Orlean em "Não Olhe Para Cima".
Meryl Streep como a presidente americana Janie Orlean em “Não Olhe Para Cima”. | Foto: Reprodução.

Destaque também para Meryl Streep, no papel da presidente americana Janie Orlean. Com uma postura apática e nem um pouco engajada em causas políticas e sociais, apenas pensando na repercussão que seus atos podem ter para a sua própria figura política, a personagem poderia facilmente ser vista como a figura caricata de qualquer político (a), numa linguagem bem humorada distante da nossa realidade. Infelizmente não é a verdade.

Arrisco que qualquer pessoa com o mínimo de visão crítica consegue enxergar na figura “exótica” da presidente algum político do dia a dia da própria realidade em sua esfera. Mérito para o olhar crítico de Adam McKay (que tem como outros filmes marcante Vice e A Grande Aposta, por exemplo), que soube tratar de uma realidade muitas vezes à beira da distopia de maneira sagaz em seu roteiro e direção.

Vale a pena assistir Não Olhe Para Cima?

Não Olhe Para Cima, com mais de duas horas de duração, consegue abordar como a cegueira fanática e o engajamento negacionista são capazes de desacreditar uma realidade que está à volta, ou acima de todos. O título, repetido veementemente pelos apoiadores da presidente Orlean, é repelido pela frase afirmativa “OLHE PARA CIMA” (também cantada pela personagem de Ariana Grande), numa última tentativa de fazer valer a palavra da ciência em prol da salvação humana.

O longa serve como reflexão dos tempos atuais de nossa sociedade. Como dito no início, o roteiro foi escrito em 2019 mas tem uma capacidade de atingir a nós em cheio em contexto de pandemia. Certamente Adam McKay aproveitou alguma fala ou passagem da crise sanitária e recheou o seu filme com mais conteúdo. Se você não tem interesse em fechar os olhos para o mundo e gostaria de refletir sobre a sua realidade de forma bem humorada, assista.

Adendo: em 16 de janeiro, o diretor e roteirista Adam McKay respondeu a um tuíte que falava sobre uma publicação de um artigo em que o Chefe de Gabinete do Brasil defende Bolsonaro citando o filme.

Adam disse o seguinte: “Só para deixar claro, Bolsonaro definitivamente diria para as pessoas não olharem para cima. Sem discussões.”

Publicação de Adam McKay no Twitter. | Foto: Reprodução.

Qualquer semelhança com a ficção de Não Olhe Para Cima é mera coincidência. Ou não.

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Por Gustavo Torquato – Fala! Universidade Federal Fluminense

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